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terça-feira 31 de março de 2015 | 00:30

Foto: EFE

A participação política das mulheres é fundamental e se tornou um tema nacional ao se combinar com os debates sobre Reforma Política, abertos no país como resposta política do governo Dilma e organizações que o apoiam, às Jornadas de Junho. Apesar do objetivo inicial de blindar o governo, o debate se instalou. Esse tema, discutido por diversas organizações, grupos de mulheres e coletivos feministas, ganhou novo fôlego nesse começo de 2015, com o dinamismo da situação política nacional, com os repetidos escândalos de corrupção, com a crise do governo e do PT que se combina a chamada crise de representatividade, além de uma situação na economia que vem piorando para os trabalhadores.

Crise política: As mulheres são as que mais sofrem

Nós mulheres fomos parte significativa das centenas de milhares de pessoas que tomaram as ruas reivindicando direitos em Junho de 2013. Apesar da propaganda no discurso de Dilma no dia 8 de março, o dia internacional da mulher, de que os ataques aos direitos e às condições de vida da população são “sacrifícios temporários que passarão em breve a momentos de longa duração, de resultados e benefícios permanentes na melhoria da educação, saúde e serviços”, nós mulheres já fomos às ruas para mostrar o fim da ilusão nas promessas feitas pelo PT de conquistas certas e graduais. Nós mostramos que não somos as “iguais” de Dilma, pois a imagem do Brasil que “as mulheres são a alma”, como demagogicamente afirmou a presidenta, é na verdade, a de um país que está entre os dez primeiros no ranking mundial de estatísticas da violência contra as mulheres, do país no qual a maioria das mulheres constitui uma camada de trabalhadoras precárias e sem direitos assegurados, sendo as que morrem e perdem parentes nas filas de até 12 horas de espera dos hospitais públicos, que são assediadas cotidianamente nos transportes lotados, que moram em condições desumanas e sem estrutura mínima, como o saneamento básico.

Diante desse primeiro questionamento e abertura da crise política, o governo do PT, sua base aliada (PMDB, PCdoB, PP etc) e também os partidos da oposição à direita do governo (PSDB, DEM etc), tentaram desviar o descontentamento da população para uma saída por dentro do próprio regime questionado, através das propostas de Reforma do Sistema Político, ou seja, “mudar” algumas coisas, mas mantendo a mesma lógica, não mudando de fato nada.

As “Reformas Políticas” propostas pelo PT e os partidos da ordem

Foram apresentadas então diferentes propostas de reforma pelo PT, PMDB, PSDB, PSB etc. Cada partido da ordem tem a sua proposta e elas versam, principalmente, sobre mudanças em relação ao financiamento de campanha, o dimensionamento do sistema de representação, além de envolverem outros detalhes. Dia 10 de fevereiro foi instalada a Comissão Especial para analisar a Reforma Política na câmara de Deputados, que cumprirá 40 sessões do Plenário e está analisando as propostas, com pontos divergentes, sobretudo, na questão do financiamento de campanha (se deve passar a ser inteiramente público, continuar sendo permitido o financiamento privado) e do sistema de votação dos deputados (se deve ser proporcional, distrital, misto etc).

O PT deu uma cara “mais popular” e “democrática” à sua proposta de Reforma Política: Organizou, através dos setores sindicais e sociais que tem influência de direção, como a CUT, o MST, a Marcha Mundial de Mulheres etc., a coleta de milhões de assinaturas para que seja votado no Congresso e chamado, em até dois anos, um Plebiscito por uma Constituinte Exclusiva do Sistema Político. O popular está onde? Se esta “participação” não significa a participação direta dos trabalhadores e juventude nas tomadas de decisões e direção do país. O que remarca esse fato foi que a própria Dilma sinalizou, antes da Proposta de Emenda à Constituição apresentada por Eduardo Cunha, de que “talvez o melhor não fosse um plebiscito, mas, sim, um referendo”, invertendo o processo, relegando ao Parlamento a reforma para só depois perguntar à população sua opinião. Essa máscara popular já encontra a contradição de que o interesse expresso pelo PT em todos os debates sobre a Reforma Política é o mesmo dos demais partidos, mudando algumas questões apenas de forma: manter as discussões presas a “mudanças” por dentro do atual regime político, por dentro da democracia dos ricos, que serve aos interesses capitalistas do imperialismo. Ou seja, põem as “mudanças” como algumas “alterações” na forma do mesmo sistema político imperante e abafam os questionamentos que, se respondidos positivamente, de fato significariam uma mudança.

Onde entram as mulheres nessa história de Reforma Política?

A discussão sobre as mulheres e a Reforma Política é feita pelo PT e setores governistas, como PCdoB, nos marcos da “representação feminina”, do “empoderamento das mulheres”, e está disseminada através da defesa dos dois pontos polêmicos na Comissão Especial do Plenário. O primeiro deles é o sistema de votação, no qual defendem a lista fechada e a suspensão da proporcionalidade, afirmando que os partidos garantiriam mais mulheres eleitas aos cargos do “alto escalão” do poder, pois “teriam espaço” às mulheres que ficarem nas primeiras colocações das listas partidárias. O segundo ponto é o de financiamento público de campanha, no qual defendem que se o financiamento for público terá maior transparência na distribuição dos recursos partidários e isso garantirá que a medida institucional que exige a aplicação de 5% destes recursos para a formação e capacitação de mulheres seja cumprida.

Todos os chamados às mulheres feitos por estes grupos feministas para a defesa da Reforma Política proposta pelo governo do PT partem de um consenso entre eles de que é um avanço para as mulheres ter uma mulher na presidência, Dilma, e que o fundamental para responder a todas nossas reivindicações e inquietações, o nosso sofrimento, exploração e opressão cotidianas, é aumentar o número de mulheres nos cargos públicos de poder. A Marcha Mundial de Mulheres afirma também que ter mais mulheres no Parlamento significa um avanço na luta das mulheres, garantem mais políticas públicas e abrem um processo de “despatriarcalização do Estado”, ou seja, que por si o fato de terem mais mulheres nesses espaços de representação é suficiente para destruir a ideologia patriarcal dominante de que o poder e as decisões apenas podem ser tomados por homens.

Os quatro anos de governo da primeira mulher na presidência e o contraste com a situação vivida dia a dia pelas mulheres bastaria para colocar em xeque o argumento enganoso de que a participação política das mulheres é o mesmo que participação institucional das mulheres (uma questão numérica, de mais “cadeiras femininas”). Esse argumento tenta apagar o exemplo real dado nos quatro anos do governo de Dilma, que primou os interesses dos grandes empresários e relegou às mulheres trabalho precário e serviços públicos em frangalhos, além de sua aliança com a bancada moralista (PP, PMDB etc.), que fez com que demandas elementares nossas fossem esquecidas, negligenciadas ou ridicularizadas, como nossa histórica reivindicação do direito ao aborto seguro, legal e gratuito, que deveria ser garantido pelo Estado para que milhares de mulheres deixem de ter como fim as valas clandestinas, mas é condenado pelo Eduardo Cunha (PMDB) sob o silêncio da presidente para não arriscar sua manutenção no poder.

Construir uma “terceira via” contra o sistema político dos privilégios e corrupção

O Estado é um administrador dos negócios da burguesia (classe detentora dos meios de produção e expropriadora dos produtores) contra os trabalhadores e oprimidos. A opressão às mulheres, o patriarcado, remonta a tempos anteriores ao sistema capitalista, mas neste sistema foi apropriada e moldada à exploração de forma estrutural, pois metade da classe operária é composta por mulheres. No capitalismo as mulheres são mais exploradas quando trabalham em casa sem receber um salário por isso, cuidando dos familiares, quando recebem salários menores para realizar os mesmos serviços que os homens, quando realizam trabalhos de forma precária, quase sem direitos. Por isso, a emancipação das mulheres não poderá se dar por dentro deste balcão de administração dos negócios da burguesia, que é o Estado. Assim como o caráter de classe do Estado não pode ser definido de maneira unilateral e personificado (como a ilusão de que Dilma, por ser mulher governa para as mulheres), a discussão de participação política das mulheres deve extrapolar o âmbito institucional, que impõe que nós mulheres conquistaremos nossa emancipação sendo protagonistas do atual sistema político de privilégios dos ricos.

A participação das mulheres no Parlamento não pode ser encarada como a estratégia e fim em si que trará respostas à nossa emancipação diante a exploração e toda a opressão. Ao contrário, ela deve ser palanque para a denúncia da podridão, dos privilégios, da corrupção e antidemocracia que aí são regra, bem como deve ser um espaço de combate à ideologia dominante opressora que não deixará de ser louvada pela numérica participação de mulheres. Um governo que serve ao capital financeiro, aos monopólios internacionais e ao agronegócio é incapaz de realizar mudanças profundas no regime que respondam às necessidades da maioria da população, pois para fazer isto seria necessário começar por cortar os privilégios dos políticos, dos juízes, dos funcionários de alto escalão, por exemplo, fazendo com que todos tivessem que ser eleitos, com mandatos revogáveis e ganhassem o mesmo que um professor.

A saída para nós mulheres conquistarmos nossas demandas, acabarmos com a corrupção e os privilégios da casta política que dirige o país, passa pela nossa organização independente dos governos e pela construção de uma alternativa a esse sistema.

Devemos colocar a frente os questionamentos que levarão a inversão da situação atual, na qual a minoria governa a maioria. Demos perguntar Por que existe um Senado com políticos cheios de privilégios, que recebem dezenas de milhares de reais por mês para serem apenas entraves às poucas leis progressistas que saem das reivindicações e lutas reais dos trabalhadores e setores oprimidos? A que serve a figura de presidente? Por que o poder legislativo e executivo é separado? Por que não é constituída uma câmara única de deputados, que legislarão e executaram as leis através das decisões dos trabalhadores que representarem (podendo ser revogáveis por estes a qualquer momento), recebendo para isso um salário equivalente ao de um professor? Devemos partir da nossa organização democrática nos nossos locais de trabalho e estudo, levantar estes questionamentos e construir um chamado a uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana para de fato decidirmos os rumos da política e de tudo em nosso país.




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