×

As greves nas federais, catástrofe capitalista no Rio Grande do Sul e a luta ambientalista

Com mais de 75 universidades e institutos federais em greve, com professores e técnicos-administrativos à frente, o movimento estudantil demonstra disposição de luta com o começo de greves estudantis pelo país. Agora é o momento de ampliar, massificar e coordenar essa luta. Parte dessa batalha está ligada a convencer mais estudantes da necessidade da greve, tanto por suas demandas mais imediatas, mas também ligar essas questões com demandas diretamente políticas, questionando mais em geral o status quo de passividade impostas pelas direções do movimento e abrindo espaço para a criatividade.

Rosa Linh Estudante de Ciências Sociais na UnB

quarta-feira 8 de maio | Edição do dia

Enquanto escrevo essas linhas, estamos vendo uma catástrofe ambiental capitalista histórica no Rio Grande do Sul. O nível do Guaiba atingiu mais de 5 metros, batendo o recorde da grande enchente de 1941. Já são 57 mortes e mais de 32 mil famílias desabrigadas em todo o estado. Há risco de falta de oxigênio nos hospitais, falta luz e água potável para dezenas de milhares de pessoas. Ao contrário do que afirmou em coletiva de imprensa o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), ao lado de Lula, o ministro do STF, Fachin, e Arthur Lira (PP), é preciso sim dizer quem são os responsáveis por essa catástrofe, que de natural, em abstrato, não tem nada. O descaso e a negligência dos governos, federal e estadual, e de todo esse sistema, é de classe. É uma catástrofe capitalista, retroalimentada pelo aquecimento global ecocida e burguês.

Como dizia Marx, o concreto é a síntese de múltiplas determinações. Não separemos as partes do todo. O fato é que o governo Lula-Alckmin impôs um ataque neoliberal, elogiado pelo bolsonarismo, o Arcabouço Fiscal. Esse mecanismo que impõe o arrocho salarial dos técnicos e professores, mantendo os cortes bilionários na educação de Temer e Bolsonaro, é o mesmo que contingencia os gastos públicos em saúde, educação e outras áreas para o pagamento da fraudulenta dívida pública. Isso é seguido por diferentes governos estaduais, como o de Leite no Rio Grande do Sul, com o Regime de Recuperação Fiscal, que destinou ridículos 0,2% do orçamento do estado para prevenir eventos climáticos desse tipo, mesmo com as já terríveis enchentes do ano passado.

Por um lado, o pagamento da impagável dívida pública aos grandes banqueiros imperialistas atua como uma pressão constante do capital financeiro para que a burguesia tupiniquim estabeleça um brutal descaso com medidas efetivas de mitigação e adaptação ao aquecimento global (apesar do discurso verde do governo federal) como obras de infraestrutura próprias para as novas condições climáticas, enquanto se impõe privatizações como da companhia de luz do Rio Grande do Sul, a CEE, para fazer os trabalhadores e o povo pobre pagar pela crise. Por outro, o sucateamento da educação e da ciência, o arrocho salarial de seus trabalhadores, vem acompanhada com uma maior vazão para a penetração do capital privada nas universidades públicas e em seus planos de pesquisa e produção tecnológica sob aval das reitorias.

Antes de tudo, a filosofia precisa animar a ciência, como diria Antônio Labriola - uma filosofia de ação revolucionária e anticapitalista, contra a ordem ecocida. O antídoto para o ceticismo é ver a essência além da aparência, depositar energia e força moral no sujeito real, produtor e reprodutor da vida em sociedade, a classe trabalhadora, junto de seus aliados oprimidos por esse sistema. A realidade capitalista, em suas determinações alienadas, precisam de respostas radicais. Enquanto a catástrofe ambiental capitalista ocorre, não podemos apenas ir para a aula como em um dia normal.

É a luta de classes, sendo a greve um de seus métodos mais tradicionais, que pode romper a moldura da lógica capitalista irracional de produção. Exercitemos a imaginação. Um problema concreto mostrado pela situação no Rio Grande do Sul são os gargalos de monitoramento pluviométrico, atestados recentemente pelo podcast Café da Manhã da Folha de São Paulo. Literalmente não se sabe qual quantidade de chuva ocorre nos municípios em tempo real, o que impacta substancialmente em previsões meteorológicas mais certeiras. Caso esse sujeito produtor de quem estou falando levasse a cabo a expropriação das multinacionais de alta tecnologia, que detém a propriedade privada da comunicação óptica intersatélite, inteligência artificial, internet das coisas, entre outros, seria possível (e porque não?) colocar à disposição da população esquemas de modelagens e monitoramento contínuo e em tempo real, provendo cenários de avanço nos regimes de chuva e das regiões com enchentes, dando muito mais certeza nas determinações meteorológicas e mais eficácia nas ações de resgate e solidariedade. As universidades poderiam cumprir um papel pioneiro aqui, ao invés de servir aos lucros, algo que pode já ser visto pela iniciativa de um estudante da UFRGS que fez um protótipo que monitora o nível das águas na região. Os pesquisadores e cientistas poderiam criar plataformas digitais e computação em nuvem e outras tecnologias para sistematizar o envio em tempo real de dados da situação em cada local e cidade, em que cada trabalhador poderia atualizar na plataforma a situação de sua região. Baseado, por exemplo, em comissões de emergência em cada fábrica, escola, hospital, local de trabalho e bairro, impulsionada pelas grandes centrais sindicais, movimentos sociais e entidades estudantis, poderia se eleger delegados em chapas proporcionais para gerir as informações e dispô-las da forma que acharem mais correta. Isso poderia ajudar a impulsionar, centralizar e planificar as ações de solidariedade espontânea da população, os mutirões de voluntários, etc. A história nos convoca para dar respostas para os problemas reais das maiorias, imbuir-se dos grandes debates científicos e filosóficos para colocá-los em movimento, organizar de maneira independente e revolucionária a raiva e o descontentamento.

Por isso, é urgente erguer a bandeira da luta pela revogação do Arcabouço Fiscal e o não pagamento da dívida pública. Diante da necessidade de liberação de verbas imediatas para sanar a catástrofe, essa poderia ser a fonte de financiamento de um plano de emergência sob gestão dos trabalhadores e controle do povo pobre e indígena, baseado na ampla solidariedade de classe que estamos vendo país afora, passando desde a providência de abrigo com a expropriação dos imóveis ociosos, envio de suprimentos e resgate da população etc. Para reconstruir as cidades devastadas, é preciso um plano de obras públicas, em parceria com as universidade públicas, para construção de infraestrutura de mitigação e adaptação ao aquecimento global, e uma reforma urbana radical, com nacionalização do solo e expropriação das grandes empresas imobiliárias, transformando as cidades da região para estarem preparadas para eventos climáticos extremos.

Nesse sentido, o fato é que não podemos confiar no governo Lula-Alckmin. Esse é o governo que propõe reajuste zero para os TAEs e professores enquanto destina o orçamento do Novo PAC, projeto bilionário de parcerias público-privadas cheio de grandes obras ecocidas, para beneficiar grandes empresas privadas, como a CCR, Usiminas, Rumo, Gerdau, entre outras no ramo da infraestrutura, além das grandes empreiteiras; que enquanto o povo trabalhador do Rio Grande do Sul perde suas casas, compra R$ 900 milhões em armas do Estado genocida de Israel. Não se pode “pressionar o governo à esquerda”, manter a ilusão de disputá-lo por dentro, pois seu lado já está bem claro e definido. Nossa confiança e a de todes ambientalistas e ativistas pelo clima precisa estar na aliança entre estudantes, técnicos e professores em greve!

A greve é o caminho para colocar o conhecimento e a tecnologia à serviço dos oprimidos e explorados e não dos lucros, para achar soluções criativas e sustentáveis para planejar racional da economia, restabelecendo uma relação harmônica entre o ser humano e a natureza. Em tempos de barbárie, é preciso voltar a falar de socialismo.




Comentários

Deixar Comentário


Destacados del día

Últimas noticias