×

Ataques no RN | Dino e Fátima aprofundam “guerra às drogas”, política responsável pelos ataques no RN

Durante a segunda semana de ataques comandados por uma das maiores facções do Rio Grande do Norte, o SdC (Sindicato do Crime), o Ministro da Justiça do governo Lula-Alckmin, Flávio Dino, anunciou em coletiva de imprensa no estado investimentos na ordem de R$100 milhões para construção e ampliação de presídios do estado, compra de armamento e contratação de policiais.

Ítalo GimenesMestre em Ciências Sociais e militante da Faísca na UFRN

segunda-feira 27 de março de 2023 | Edição do dia

O pronunciamento se deu em meio a situação caótica na capital, em especial para a população trabalhadora, que vê por um lado o terror das facções queimando ônibus, centros de saúde, prédios públicos, etc. Por outro do próprio Estado, com ações policiais ostensivas sobretudo nas periferias, enquanto a população segue tendo que trabalhar normalmente, tendo que lidar com as linhas de ônibus ainda mais reduzidas pela Seturn e Álvaro Dias (Republicanos), sem fazer nada frente ao cenário da população atravessando a ponte para ir e voltar do Centro a pé do trabalho.

DENÚNCIA: "Nos obrigam a trabalhar mesmo sem ônibus", diz operador da Teleperformance diante de ataques no RN

Ônibus em Natal | Álvaro Dias e Fátima junto a patronal deixam os trabalhadores e estudantes sem ônibus

Os ataques são o cenário ideal para a direita e extrema-direita aparecerem com seus discursos “linha dura”, como os parlamentares e blogs bolsonaristas saudando a ação das forças policiais e cobrando entrada em cena das Forças Armadas através de GLO. Diante dessa situação, o PT não renunciou à cartilha de endurecimento estatal que a direita gosta. Já são mais de 700 policiais da Força Nacional enviados, em um cenário de unidade burguesa para estabilizar a situação. Flávio Dino veio ao RN após uma semana de ataques para anunciar investimentos para construção e “melhorias” nos presídios, compra de armamento e contratação de policiais, com a justificativa de que os ataques são retaliação a ações do governo de apreensão de drogas e transferência de lideranças.

Depois de explodir na mídia e nas redes sociais as condições de barbárie nos presídios do estado, com rotina de tortura, contaminação de detentos com tuberculose, alimentos estragados, a resposta foi… mais presídios, mais repressão e violência. Essa é a lógica nefasta da “guerra às drogas”, um pretexto para reprimir, prender e assassinar a juventude trabalhadora e negra no Brasil, como vimos no caso de Geovane Gabriel em 2020 no RN, assim como de Agatha Felix, João Pedro e tantos mais pelo país.
A crise tomou proporções nacionais e está sendo um teste para o PT, tanto através do governo Lula-Alckmin, quanto da governadora Fátima Bezerra, em lidar com uma das questões estruturais do capitalismo brasileiro que é o crime organizado e seu vínculo, por vezes tenso, com o Estado. Vemos nesse pronunciamento a decisão do PT de seguir com a mesma receita para o caos de fortalecer o sistema prisional e o braço armado das polícias para dar continuidade à guerra às drogas contra a juventude negra e trabalhadora.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) afirma que existem 1 milhão de pessoas em privação de liberdade para pouco mais de 500 mil vagas disponíveis. Desse total, 44,5% são provisórios, ou seja, estão presos, muitas vezes há anos, sem qualquer condenação judicial, chegando à terceira maior população carcerária do mundo. No Rio Grande do Norte a relação é de 8521 presos para 5801 vagas. Somente na prisão de Alcaçuz de Nísia Floresta são 1871 presos para 967 vagas, praticamente o dobro de presos para a capacidade. Em termos de efetivo da Polícia Militar, o RN é o terceiro estado da união que mais cede para outros estados seus policiais, assim como está acima da média nacional de proporção entre policial penal e presos, com 8,3 presos por policial (enquanto a média nacional é 8,9).

A direita e a extrema-direita defendem a ferro e fogo que a solução é sempre aprofundar mais e mais esse sistema, em uma cruzada conservadora contra as drogas para justificar o aumento de gastos com repressão, as chacinas nas comunidades e favelas, e a defesa de mais presídios. Mas não é nenhuma novidade que o PT é parte de reproduzir essa mesma política. Durante o primeiro mandato de Lula, ele sancionou a Lei de Drogas, que aumentou a criminalização e penalização inclusive do porte e consumo de substâncias ilegais. Quem pode esquecer de Lula, durante o segundo turno das eleições de 2022, batendo no peito orgulhoso de ter sido o governo que mais construiu presídios no país? De 2002 a 2012 a população carcerária passou de 230 mil para 574 mil, mais do que dobrou durante os dois primeiros mandatos do atual presidente.

Trata-se de uma política extremamente lucrativa para a grande indústria armamentista, que no Brasil exporta armas inclusive para países do mundo todo, como Israel para a repressão Palestina, e mais recentemente para o governo golpista do Peru para assassinar a população trabalhadora, indígena que se enfrenta contra o golpismo.
A outra face da moeda da guerra às drogas é justamente a possibilidade de existência do tráfico de drogas, as facções, o crime organizado, que agora atormentam o sono dos potiguares. Trata-se de um negócio extremamente lucrativo para os capitalistas, políticos, policiais e milicianos envolvidos. O narcotráfico representa cerca de 4% do PIB mundial, segundo cálculos da Unodc (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime). Como afirma a especialista em Narcotráfico e Forças Armadas, Rosa D’Alesio “As substâncias ilegais podem ser consideradas como mercadorias. Seu elevado valor de troca se deve às políticas proibicionistas, não obstante, os lucros milionários que obtém da comercialização entram nos circuitos da economia capitalista através da lavagem de dinheiro, associando-se com a burguesia e abastecendo de capitais empresários, governos, campanhas dos políticos”. Afirma ainda que as sedes dos principais bancos que lavam os ativos vindos do tráfico são localizadas nas principais potências imperialistas e do capital financeiro global, como EUA e Grã-Bretanha, a exemplo dos escândalos de bancos como HSBC.

O que na aparência da atual disputa que vemos no Rio Grande do Norte de facções financiadas pelo tráfico se chocando com o Estado e a polícia, carrega uma profundidade de conexões entre a circulação de substâncias ilegais, vinculadas a acesso a navios, aeroportos, fronteiras, que só são possíveis através de vínculos orgânicos entre as facções com policiais, juízes, militares, e uma gama de agentes econômicos.
Naturalmente que, na medida em que as facções passam a obter maior controle de armamento e território, passam a disputar com o próprio Estado no monopólio do uso da violência, das armas, e do próprio território. Os choques como que estamos assistindo advém dessa busca do Estado colocar limites às ações do tráfico, que não esbarrem no seu próprio poder, e que muitas vezes fogem do controle. E nessas disputas, o Estado atua como mediador da disputa entre facções, prejudicando umas em benefício de outras.

Rio Grande do Norte | Ataques no RN e a urgência de uma saída dos trabalhadores contra a hipócrita "guerra às drogas"

É importante ter em mente essa complexa e obscura teia entre Estado e facções, burgueses e traficantes, ao buscar entender o que está acontecendo. Não está claro se o real motivo para os ataques seja um protesto vindo das prisões contra as condições absolutamente deploráveis do sistema prisional. O que é certo é que por trás das razões conjunturais, os maiores ataques do estado desde o massacre do Alcaçuz ascendem em fogo vivo contradições estruturais do capitalismo e do Estado brasileiro. A histórica política de guerra às drogas é o motor do fortalecimento das facções e do aparato repressivo e punitivo do estado, que gesta novas e maiores crises como a que vivemos. Os investimentos anunciados essa semana por Dino e Fátima são parte dessa política e, por mais que possam, dar alguma solução provisória aos ataques, são combustível de crise. E principalmente, é mais um exemplo na história de como o PT, através de seus governos, tanto federal, quanto estadual, são parte ativa no fortalecimento da prisão e repressão da juventude negra e trabalhadora, a serviço de conter o ódio contra seus exploradores capitalistas.

Para os socialistas não há como ser consequente com uma resposta tanto às mazelas cotidianas das facções nos bairros de periferia, quanto da violência da polícia e do Estado, sem a independência política em relação a esses governos e seu programa. O Juntos, do PSOL, que agora compõe o governo Lula-Alckmin, portanto sustentam essa política repressiva, fale em “política de segurança que nos represente”. Já a Unidade Popular, que se diz radical, mas propõe como solução aos ataques investimentos em segurança, mais contratação de policiais, que tenham “capacitação humana”, e “melhorias nos presídios”, como se pudessem de fato ser “eficientes” contra o crime organizado dentro do capitalismo.

Debate na esquerda | Por que a Unidade Popular (UP) não defende a legalização das drogas em seu programa?

O que é completamente avesso ao que os socialistas sempre defenderam, como quando Lênin demonstra que a polícia existe não para proteger ninguém, mas a propriedade privada e o Estado burguês, que são responsáveis pela miséria social que alimenta o crime. Além da sua política completamente conservadora de reproduzir um discurso proibicionista em relação às drogas, associando à degradação moral de indivíduos e famílias, propondo que o Estado tutele seu uso, sustentando a ideologia de guerra às drogas, se colocando abertamente contra qualquer defesa de legalização.

É preciso defender a legalização de todas as drogas para atacar na raiz do tráfico e do crime organizado, bem como para atacar o fortalecimento da repressão estatal que se apoia nesse negócio, com a produção, fiscalização, controle de qualidade e distribuição estatizadas sob gestão operária e controle popular. Essa é a única via inclusive de possibilitar uma política de redução de danos longe de qualquer moralismo e preocupada com o uso consciente de substâncias e seus efeitos à saúde, longe da tutela estatal e policial. Além disso, é preciso defender o fim das operações policiais e de todas as polícias, sem nenhuma confiança nessa instituição. Somente lutando para que consigamos a legalização de todas as drogas poderemos atacar a “guerra às drogas” e as políticas repressivas e moralistas do Estado capitalista que se aprofundaram muito no governo Bolsonaro, e que os governos do PT estão se mostrando responsáveis em administrar.

Para combater o narcotráfico e as facções é necessário combater os mecanismos financeiros que permitem a lavagem de capitais dos empresários e políticos associados com os senhores do tráfico, expropriando e nacionalizando todas as suas propriedades e contas bancárias. Junto a isso, devemos batalhar por um banco estatal único, assim como a nacionalização do comércio exterior e todos os portos e aeroportos privatizados sob controle dos trabalhadores.




Comentários

Deixar Comentário


Destacados del día

Últimas noticias