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ARGENTINA | Del Caño: "Não vamos legitimar um governo que se presta a ajustar por decreto os trabalhadores"

Carta de Nicolás del Caño, ex-candidato a presidente pela Frente de Esquerda e dos Trabalhadores [FIT, em espanhol], ao presidente argentino Mauricio Macri (PRO).

sábado 12 de dezembro de 2015 | 00:07

Carta ao presidente, engenheiro Mauricio Macri:

Frente ao convite recebido da sua parte para realizar uma reunião em busca de "consensos", explico as razões pelas quais não vou participar. Do nosso ponto de vista, essas reuniões com quem fomos candidatos presidenciais têm o objetivo de apresentar como "dialogador" um governo que se prepara para aplicar um brutal ajuste sobre o povo trabalhador, e, além disso, pensa em fazê-lo por decreto.

Ao mesmo tempo que nos convoca a reunir, anuncia que não chamará sessões extraordinárias do Congresso, com o qual mostra que as medidas de ajuste anunciadas serão implementadas mediante Decretos de Necessidade e Urgência (DNU), um atributo de tipo monárquico que o atual oficialismo criticava ao kirchnerismo, porém é o mesmo atributo que se propõe recorrer agora que chegou ao governo. Com isso, se mostra também a falsidade do "republicanismo" que diz defender sua coalizão governamental.

Desvalorização, tarifaços de luz e gás, acordos com os fundos oportunistas, novo endividamento externo: isso é o que seu governo vem anunciando e vai realizar sem convocatória sequer ao debate em Congresso, incluindo resoluções que só podem ser tomadas com sua competência, com o novo endividamento. Estas medidas significarão uma brusca queda do salário real e uma nova drenagem de recursos a favor dos especuladores financeiros.

Quando o Congresso se reunir em março, já estaremos vivendo as consequências destes ajustes. Não é um problema de princípios que não concorremos a esta reunião, sem resultado de uma avaliação política. Não vamos validar essa manobra para legitimar não debater no Congresso, onde a FIT conta com a representação dada pelo voto popular.

Este não chamado a sessões do Congresso tem menos relação com o feito de não poder conformar uma maioria parlamentar do que com a possibilidade de que o debate se transforme em um cenário de fortes mobilizações dos trabalhadores e dos setores populares.

Cremos que o anúncio de Daniel Scioli e Sergio Massa de atender a seu chamado mostra que suas palavras "contra o ajuste" durante a campanha eleitoral foram só demagogia. Estão avaliando que estas medidas se imponham por decreto, quando contam com numerosos deputados de suas respectivas formações políticas.

Se a você tanto o importará a discussão se tivera se comprometido a não tomar nenhuma medida por meio de DNU. A FIT tem toda uma série de projetos para que a crise não seja paga pelos trabalhadores: salário mínimo igual a cesta básica familiar; reajuste mensal dos salários de acordo com a inflação; proibição de demissões por 24 meses; terminar com todas as formas de precarização do trabalho; bônus especial de fim de ano para compensar os aumentos siderais de preços do último mês; eliminação do imposto de renda dos trabalhadores mediante acordo; 82% de reajuste móvel a todos os aposentados, não só para o salário mínimo.

Também temos apresentado um projeto de emergência contra a violência de gênero e afirmamos e impulsionamos o projeto da Campanha Nacional pelo Direito ao Aborto, pelo direito à interrupção voluntária da gravidez, para acabar com a morte de 300 mulheres ao ano por abortos clandestinos. Aqui estão estes projetos de urgência em defesa dos trabalhadores e dos direitos das mulheres para ser apoiados por tudo o que disse.

O certo é que o novo governo e a FIT expressamos duas visões políticas antagônicas, que respondem a interesses sociais contrapostos. Como expressa com clareza seu gabinete, composto em sua quase totalidade por gerentes, ex-gerentes (a maioria de empresas multinacionais) e empresários que representam os interesses dos "donos do país", o poder econômico. Contra eles se enfrentam meus companheiros em seus locais de trabalho.

Gustavo Lopetegui, CEO de Lan, designado como secretário da JEFATURA de Gabinete, tem sido responsável de perseguir sindicalmente os delegados de APA dessa empresa. A CEO da General Motors, Isela Constantini, designada para dirigir a empresa estatal Aerolíneas Argentinas, foi responsável por violar todo tipo de direitos sindicais nessa empresa multinacional. Susana Malcorra, ministra de Relações Exteriores, quando foi CEO da Telecom, há pouco da privatização da ENTEL, ameaçava os trabalhadores com demissões se não aceitavam rebaixamento salarial.

Juan José Aranguren, CEO da Shell, despediu sem causa trabalhadores por sua militância de esquerda e por reivindicarem seus direitos sindicais e laborais, em um ato tão escandaloso que por conta deste erro, lutam pela reintegração em seus postos de trabalho pela Justiça Trabalhista, que em alguns casos foram desacatados pela empresa. No setor agrário, colocou como ministro de Agricultura da Nação um representante das grandes patronais agrárias, um defensor do "modelo sojeiro" e dos proprietários que têm o 75% dos trabalhadores do setor em mais absoluta informalidade.

E na província de Buenos Aires, diretamente um gerente da Monsanto, empresa que é acusada por crimes contra a população pelo uso de agrotóxicos.

Seu gabinete econômico está composto por exgerentes da banca internacional, como Alfonso Prat Gay, que foi de JP Morgan, ou Luis Caputo do Deutsche Bank. Banca em que nestes anos têm tido taxas de rentabilidade similares às que se obtém em paraísos fiscais e que tem sido responsável da fuga ilegal de capitais, como se mostrou no caso do HSBC.

À frente da Agência Federal de Inteligência designou um homem que diz ser de "maior confiança" presidencial, porém se dedica nada mais e nada menos que à compra-e-venda de jogadores de futebol no mercado internacional, uma das atividades mais caracterizadas pela lavagem de dinheiro proveniente do narcotráfico e outros "negócios" desse estilo. E como segunda a quem foi fiadora de Carlos Menem na causa de ter contas ilegais na Suíça...

Pelo quê você chama eufemisticamente um gabinete de "técnicos" é na realidade um gabinete de guerra do capital contra o trabalho, a serviço de uma política para que a crise seja paga pelos trabalhadores via desvalorização cambial, tarifaços, fim do desconto nas folhas de pagamento para as patronais agrícolas, pagamentos aos fundos oportunistas e um novo ciclo de endividamento externo. Uma política que vem exigindo as patronais e que também expressava implementar Daniel Scioli, como dissemos na campanha eleitoral.

Você disse que não vai tolerar corrupção. Porém nada disse sobre os atos corruptos que mais têm atacado o povo argentino de conjunto. Estou me referindo às manobras ilegais pelas quais se estatizaram da mão de Domingo Cavallo as dívidas privadas dos grupos econômicos, entre eles o grupo pertencente a seu pai, por uma cifra para o conjunto dos grupos de 23 milhões de dólares. Essas manobras, que provocaram uma hipoteca sobre a economia nacional que hoje seguimos pagando, estão consignadas no histórico erro do juiz Ballesteros a respeito da dívida externa.

Esses mesmos grupos econômicos orquestraram em nosso país o genocídio durante a ditadura militar, em que as principais empresas do país haviam campos de concentração onde se torturava e desaparecia trabalhadores. Me recordo que o bloco do PRO foi o único que se opôs à criação do Congresso para conformar uma Comissão Bicameral que investigue estes crimes por parte do poder econômico durante a ditadura.

Parte desse poder econômico são os grandes proprietários agrários. Somente 4000 são proprietários da metade das terras que se utilizaram no país para agricultura e pecuária. Muitos deles (os cinco que mais possuem têm um território igual ao da Bélgica) obtiveram essas terras graças ao genocídio dos povos nativos e hoje enchem os bolsos em sociedade com Monsanto e as grandes exportadoras, com o uso indiscriminado de agrotóxico que afeta as populações rurais e o avanço do "modelo sojeiro" sobre as terras dos agricultores familiares, como ocorre em numerosas províncias. Obtendo recursos que em sua maioria vão parar a fuga de capitais (1 bilhão de dólares sugado solo abaixo dos governos kirchneristas de uns 400 milhões que se estima ter sido depositado no exterior por parte de argentinos, a maioria em paraísos fiscais), a especulação imobiliária e financeira, em vez de ser utilizado para a saúde, educação, moradia para os setores populares e obra pública. E você os recompensa com 84 bilhões de pesos e assim este dinheiro deixará de ser levantado pelo Estado.

Da mesma forma como vem fazendo na Frente Para a Vitória, você defende a mineração contaminadora a céu aberto, que tem provocado desastres como o de Barrick Gold em Jáchal. Ou a continuidade do sistema de privatização na luz e no gás, que vem desde 90 e foi mantido pelo kirchnerismo, em que, em vez de nacionalizar esses recursos sobre gestão dos trabalhadores, se propõe a aumentar os lucros dessas empresas com tarifaços pagos pelo povo.

Na área de hidrocarbonetos, nomeando como dissemos o máximo gerente da Shell, é evidente que sua política não passa por nacionalizar o conjunto de gás e petróleo para alcançar o auto abastecimento e que a obtenção pela exploração desses recursos não renováveis vá satisfazer as necessidades populares, em vez dos lucros das multinacionais. Empresas em seu conjunto durante os 12 anos de governo kirchnerista giraram o conceito de lucros e utilidades ao exterior nada mais e nada menos que 40 milhões de dólares.

A realidade é que, apesar de seu discurso, a esquerda e a direita seguimos existindo. A FIT expressa os interesses dos trabalhadores e o conjunto dos oprimidos e luta pelas suas demandas no Congresso, sobretudo com impulso da mobilização, que é a única forma de impô-las.

Seu governo, o das grandes patronais, "as donas do país", ainda oculta sua identidade apresentando-se como um governo de técnicos e gestores. Diferente de nós, não querem chamar as coisas pelos seus nomes.

Nicolás del Caño, ex-candidato presidencial da FIT

11 de Dezembro de 2015




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