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Data Magna | A Revolução Pernambucana sob um olhar marxista

No dia de hoje, onde temos até um feriado para comemorar o aniversário da Revolução Pernambucana de 1817. No entanto, para além das comemorações, temos que entender o real sentido desse movimento e da sua reivindicação hoje.

quarta-feira 6 de março | Edição do dia

A Revolução Pernambucana sob um olhar marxista
No dia de hoje, onde temos até um feriado para comemorar o aniversário da Revolução Pernambucana de 1817. No entanto, para além das comemorações, temos que entender o real sentido desse movimento e da sua reivindicação hoje.
Nesse dia, há mais de 200 anos, começava a Revolução Pernambucana. O movimento começou oficialmente após o então governador da província, Caetano Pinto de Miranda Montenegro, ao saber de uma possível revolta, manda então prender seus líderes. Um deles, José de Barros Lima – que ficou conhecido depois como Leão do Norte – ao receber a voz de prisão por um comandante português, então reage e mata o comandante com sua espada. A partir daí os militares e revoltosos tomam o Recife.

Como pano de fundo para essa revolta temos os seguintes aspectos: a perda de influência política e a decadência econômica do Nordeste e de Pernambuco em particular (região que durante os primeiros séculos da colônia tinha a maior economia e abrigava o centro político do país) com a mudança da capital para o Rio de Janeiro e a consequente vinda da família real para a cidade; o aumento de impostos para bancar a família real e uma seca em 1816, que junto com a decadência econômica, agudizou a miséria dos setores populares.

A revolução foi liderada por membros da elite local como comerciantes, senhores de engenhos, clérigos e militares. Tinha seu programa influenciado por ideais liberais e também por outros movimentos independentistas na América do Sul (que tinham em comum o fato de preservarem boa parte da estrutura social de exploração intacta). Dessa forma, se declararam uma república independente da Coroa, convocaram uma Assembleia Constituinte onde se decidiu pela separação dos três poderes, além de outras medidas. Devido à isso, além da drástica situação social e da raiva que se acumulava contra a coroa, conseguiram um grande apoio das camadas populares libertas. Também conseguiu o apoio de outras províncias, como Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará.

No entanto, um ponto se mantinha intacto: a escravidão. E não podia ser diferente. Se analisamos composição social da liderança da revolta, afinal, toda essa elite dependia da economia escravista. Nesse sentido, a Revolução Pernambucana se aproxima mais da Inconfidência Mineira do que da Conjuração Baiana, onde essa pauta assumia uma localização central. Sem o apoio dos escravizados, que segundo dados 1812 constituíam mais de ¼ da população e sua parcela mais oprimida – que apenas na província de Pernambuco protagonizou lutas como o Quilombo dos Palmares e do Catucá, as forças combatentes da revolução pernambucana se viram debilitadas. Após 75 dias, as tropas da Coroa tomam recife e o governo provisório se rende.

Uma parte das lideranças são condenadas à morte, enquanto outra parte é presa. É a partir daí que boa parte dessa elite mostra também sua verdadeira cara. Mais medo do que da repressão da coroa, essa elite tinha medo de uma rebelião escravista, como aconteceu no Haiti. Isso já que fica evidente quando, por parte das lideranças presas há uma grande insatisfação por.. ficar junto com os escravos – insatisfação essa que é logo resolvida colocando essa elite em celas separadas e dando tratamento especial. Após alguns anos, muitas dessas lideranças são libertas e assumem cargos em governos locais, sob a batuta da monarquia, seja antes ou depois da independência. Nessa posição, não apenas reprimem outras revoltas, mas também chegam até mesmo a renunciar a seus ideias republicanos em nome da ordem social, leia-se, escravista.

A Revolução Pernambucana e o “nacionalismo” de Pernambuco

É muito conhecido na cultura popular uma certa reivindicação “nacionalista” da identidade pernambucana. Isso se expressa tanto em brincadeiras informais, como dizer “Pernambuco é meu país”, na forma entusiasmada de como o hino estadual é cantado no Carnaval, em shows etc, algo que, com o Hino Nacional, só é visto em atos bolsonaristas ou em eventos reacionários como no 7 de Setembro. E a Revolução Pernambucana cumpre um importante papel em construir esse imaginário. Buscando dar seu próprio viés a tal reivindicação “nacionalista” local, as elites escolheram esse episódio para simbolizá-la, seja na bandeira (que é inspirada na bandeira da breve república que vigorou durante a revolução), no hino, no feriado de hoje e até mesmo na reivindicação de símbolos locais, como o Leão do Norte.

Evidentemente, há um caráter progressista na reivindicação nacionalista pernambucano, se tratando o Nordeste de uma região historicamente explorada pelo centro político do país e que cuja a população é alvo de preconceitos, como por exemplo as ofensas que Bolsonaro proferia contra os nordestinos. Nesse sentido é bem diferente que a reivindicação nacionalista sulista ou de São Paulo, que constituem efetivamente uma reivindicação reacionária e racista.

No entanto, é também necessário ver as contradições dentro da reivindicação nacionalista pernambucana. Ao fazer essa reivindicação da identidade pernambucana em abstrato, sem pensar as delimitações de classe, acaba por se louvar membros das elites que exploravam as massas populares pernambucanas. Tanto do ponto de vista de personalidades históricas, como também no contexto atual. Por exemplo, enquanto a Data Magna foi escolhida como feriado, até a decretação do Dia da Consciência Negra como feriado nacional, esse não constava no calendário de feriados estaduais, mesmo que o Quilombo dos Palmares tenha ocorrido na então província de Pernambuco. Isso sem falar no Quilombo do Catucá. Mesmo lutas populares mais recentes, como as ligas camponesas, não recebem tanta atenção.

Isso sem falar que, basta um político pernambucano reacionário morrer para que as lideranças políticas locais prestarem a máxima homenagem, exaltando seus “feitos”, mesmo que tenha sido um apoiador da ditadura e de políticas que aumentaram a pobreza e a miséria da população local. Basta ver que o atual prefeito João Campos decretou luto quando morreu o filhote da ditadura Joaquim Francisco. Ou por exemplo, a grande homenagem que se foi feita aos donos da Usina Cucau nos seus 130 anos. São venerados como quem traz desenvolvimento ao estado, sendo que se apoiam num dos trabalhos mais precários que é o corte de cana.

Enquanto os usineiros são exaltados, vemos como a cultura popular que surge justamente dos locais de corte de cana, como o Maracatu Rural e o Cavalo Marinho, são secundarizados, de forma que muitos dos artistas tem que se submeter à tal trabalho para sobreviver. Para terminar com outro exemplo, podemos pegar o carnaval, onde se gastou uma verba bilionária sem nenhuma transparência para fazer “o maior carnaval da História” mas ao mesmo tempo, a estrutura destinada pelo prefeito João Campos aos maracatus, uma das expressões mais antigas da cultura popular pernambucana e que está justamente conectada à luta e à cultura dos escravizados, foi cheia de problemas.




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