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Orgulhosas? Somos. Orgulhosas, pintosas, não escondemos nada do que queremos ser e viver, somos. Aos odiosos de plantão, combatemos, damos as costas e saímos por cima. Compomos a linha de frente de manifestações, ocupações e greves que marcaram o país nos últimos anos e definitivamente não estamos dispostos a retroceder nem um cm do que se pôde avançar. Mas quanto avançamos? Hoje uma parte se vê representada em comerciais de grandes monopólios de cosméticos, isso é suficiente para combater a LGBTfobia?

Marie CastañedaEstudante de Ciências Sociais na UFRN

quinta-feira 29 de junho de 2017 | Edição do dia

Dói e dilacera por dentro saber que ao escolher viver sua sexualidade, viver seu gênero livremente significa que automaticamente você não pode estar em grande parte dos postos de trabalho, significa estar constantemente ameaçado pela violência, institucional ou não, significa muitas vezes ser expulso de casa e ter de romper com sua família, ou se transformar em parte das estatísticas que registram o Brasil em primeiríssimo lugar em assassinatos LGBTs. Simplesmente porque como você quer viver a vida, quer construir relações ou quer construir seu gênero incomoda tão profundamente, causa tamanho ódio e tamanha violência dói.

Ainda assim, a discussão de gênero e sexualidade chega até mesmo onde não é bem-vinda e invisíveis não somos nem mesmo na grande mídia.

Então como lutar para que possamos verdadeiramente viver, desenvolver, criar nossas sexualidades e gêneros? E por que pouco sabemos da Revolta de Stonewall, onde a resistência contra a repressão sexual e de gênero teve seu pontapé inicial?

Por quê existe tanta repressão sexual e de gênero?

Na Chechênia vimos no mês passado o escândalo de um campo de concentração de LGBTs, em Orlando, no ano passado, um massacre ocorreu, e o Brasil segue quebrando seus recordes em assassinatos ano após ano. Na medida em que o governo do PT abria espaço para os setores mais conservadores da direita brasileira (até então não golpista), discursos que legitimam a violência praticada contra LGBTs ganhavam força. Antes mesmo de Junho de 2013, nos colocamos nas ruas contra as declarações LGBTfóbicas, racistas e misóginas de Marco Feliciano e desde então, para responder à discussão LGBT latente na juventude que se aprofundou após Junho, Bolsonaros e Malafaias passaram a conquistar cada vez mais relevância na política. E o golpe institucional que levou Temer à presidência no ano passado só intensificou, com um estuprador confesso integrando seu governo, como Frota.

E por que é tão necessário manter as sexualidades e identidades de gênero reprimidas? Pois bem, para os capitalistas, a preocupação dos trabalhadores não deve ir além da necessidade de se reproduzir e produzir para seus lucros, coisa para as quais fugas da heteronormatividade são no mínimo improdutivas e contrárias ao bom comportamento esperado de um trabalhador comum. No mais, a propriedade privada segue precisando estar concentrada nas mesmas famílias e para isso, relações não heteronormativas também não servem.

Além disso, a ideia de poder determinar individualmente com quem se relacionar e qual gênero construir tem muito a ver com se enxergar sujeito da própria vida, perceber que na realidade podemos determinar absolutamente tudo, o que também é contraprodutivo. Assim, a junção da ideia de que queremos liberdade para nossos corpos e mentes com a ideia de que é o capitalismo quem não nos quer permitir viver assim e tem seu Estado para garantir o funcionamento heteronormativo do mundo é muito explosiva. Pois nós queremos colocar fogo em todos os armários, a revolta de Stonewall foi justamente o início desta junção e sua continuidade é urgente.

A Revolta de Stonewall

Em 28 de Junho de 1969, na cidade de Nova York, um bar chamado Stonewall Inn foi palco de uma revolta de três dias contra a polícia. Com a proibição da utilização de vestimentas designadas para outro ‘sexo’, a polícia invadia todos os dias os bares conhecidos por serem “deturpados”, ou seja, com grande concentração de não-heterossexuais, e os espancava, violentava e levava presos. Neste dia, planejavam uma detenção em massa, já que qualquer ato homossexual era criminalizado, mas as lésbicas, drag queens, trans e travestis presentes não podiam mais suportar a situação que viviam e se revoltaram contra a polícia que teve de se esconder dentro do bar, com apenas um questionamento em gritos feito por uma lésbica de “Ninguém vai fazer nada?”, a revolta durou três dias e às LGBTs se somaram o movimento de mulheres, o movimento negro pelos direitos civis e até mesmo os partidos de esquerda.

Enfrentando a violência estatal, foi a primeira revolta que adquiriu reconhecimento internacional e marcou o começo da organização do movimento nos EUA, bem como a primeira Parada do Orgulho, comemorada um ano após a revolta. A luta contra a repressão sexual adotou como março inicial uma luta de enfrentamento direto com o Estado, aquele que hoje legitima nossas mortes e dá estrutura aos discursos de ódio.

Com muita combatividade se enfrentaram com a polícia, mostrando que uma disposição pelo fim da polícia deve ser resgatado pelo movimento LGBT.

Visibilidade ou representatividade resolvem?

É impossível dizer hoje que LGBTs não existem, nas séries de TV, novelas e até mesmo na Rede Globo. Muitos dos que estão lendo este texto não tinham mais referências que um ou dois péssimos filmes quando crianças e hoje não apenas a Netflix nos traz imagens de mulheres trans negras, mulheres lésbicas caminhão, homens gays dos mais variados fenótipos e raças e dizer que isso não muda nada no desenvolvimento da sexualidade e gêneros é ignorar completamente o quanto essas mostras na indústria cultural tornam o não heteronormativo algo concreto, com o qual se pode e deve conviver em paz. Um erro seria achar que a pouca liberdade conquistada veio por meio destes monopólios culturais e não porque não há outra escolha que dar vazão a essa diversidade, inclusive para poderem servir como alternativa para se espelhar, já que desde a Primavera Árabe em 2011, a questão da liberdade sexual e de gênero salta cada vez mais, é impossível nos esconder ou ignorar.

Mas ver duas ou três pessoas trans em horário nobre da televisão brasileira mantém inalterados os índices de transfeminicídio e a marginalização de 90% destas pessoas na prostituição. Não que não seja acalentador ver alguém como nós em TV aberta e não vibremos com intervenção como a de Liniker no programa “Amor & Sexo” neste ano, mas ela só está lá porque ignorá-la seria um absurdo e com isso, a própria emissora pode desenvolver suas inúmeras facetas de quem quer defender golpistas, mas também lucrar com as LGBTs.

E isso também é bastante rentável, como mostra o Pink Money desde os 80, um nicho de mercado criado para se lucrar com as LGBTs no capitalismo, para servir de desvio de refletir como suas sexualidades e gêneros se opunham à ordem e concentrar em produtos aos quais apenas alguns tem acesso, enquanto a precarização do trabalho e violência se mantinham.

Hoje tampouco são apenas artistas que se apresentam como LGBTs, mas também figuras da extrema direita, como Alice Weidel, uma lésbica que se utiliza da sua sexualidade para defender políticas de ultra direita, como figura do Partido Alternativa para a Alemanha.

Sermos visíveis ou representados na grande mídia portanto não nos liberta. Mas como podemos aproveitar cada mínimo avanço democrático para lutar com mais força contra o sistema capitalista LGBTfóbico?

Por um Movimento LGBT combativo, antripatriarcal e anticapitalista: todas à greve dia 30!

Intervimos na linha de frente no combate cotidiano à opressão LGBTfobica em cada local de trabalho, em cada escola e universidade. Mas não separamos em momento algum estas batalhas da luta por uma nova sociedade onde possamos ser verdadeiramente livres. Vencemos muitas vezes, mas também perdemos outras.

Por isso, quando lutamos por melhorias salariais, por permanência nas universidades, cotas para a população negra e trans, e em cada uma dessas lutas também dizemos que é preciso preparar, organizar, planejar uma estratégia capaz de vencer de maneira definitiva nossos inimigos e que tenha como carro chefe tirar as LGBTs das condições miseráveis de violência, que dê conta de reabilitar as vítimas e prevenir outras vítimas. Que é preciso que dediquemos nossas vidas para seguir o apaixonante desafio, que os bravos lutadores que nos antecederam não conseguiram, de derrubar de uma vez por todas o capitalismo e as opressões, das quais ele se utiliza. Para nós, a única visão realista para alcançar este objetivo, é estarmos ao lado da classe trabalhadora por um governo de ruptura com o capitalismo, que possa garantir iguais condições de vida para a maioria.

Por isso hoje concentramos todas as nossas forças na construção da Greve Geral do dia 30 de Junho, para que cada LGBT se coloque lado a lado com os trabalhadores para derrubar Temer, os golpistas e as suas reformas e contra o capitalismo. E queremos convidar você para estar conosco!




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