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Um pouco sobre a atriz Helena Ignez

Fábio NunesVale do Paraíba

quinta-feira 21 de janeiro de 2016 | 02:59

Baiana, nascida em 1942, aos dezessete anos, estudou Direito e teatro. Intelectual de classe média, foi formada por Martim Gonçalves, pernambucano amigo do dramaturgo Arthur Miller e por Gianni Ratto, outro bamba das artes cênicas.

Candidata derrotada à Miss Bahia, Glamour Girl nas crônicas sociais da elite nordestina, produziu e atuou no curta-metragem O Pátio (1959), primeiro filme já escandaloso de Glauber Rocha. As poltronas do cinema Guarani foram rasgadas com gilete. Inconformismo experimental. Começa a parada. Mais poltronas, sujas e luxuosas. Cinema. Cinema. Cinema. Em 1961 participa do filme A Grande Feira, de Roberto Pires. Achava que o teatro era uma forma de expressão superior ao cinema. Foi para o Rio de Janeiro. Atriz premiada indicada para atuar nos filmes O Assalto ao Trem Pagador (1962), de Roberto Farias e O Padre e a Moça (1966), de Joaquim Pedro de Andrade. Atriz do Cinema Novo. A arte como esforço e não como uma dádiva. Vontade de acertar e de se expressar da maneira mais profunda. Não fez filme ruim e não quis ser atriz de televisão porque o que se faz na telinha não é arte. Foi mulher do padre mas não virou mula-sem-cabeca.

Radical com a mediocridade, ligeiramente nervosa, intoxicada de Cinema Novo, foi para São Paulo interpretar Janete Jane no filme O Bandido da Luz Vermelha (1968), de Rogério Sganzerla. Momento extraordinário do cinema brasileiro. Marginal. Experimentalismo no Terceiro Mundo. Invenção e contracultura. Uma aventura. Sucesso popular no país dos generais. Fogo, fogueira, foguete, incêndio. Acusada de aristocrata e musa da alienação, escandalizou militares, stalinistas e beatas. Todas as fofocas em torno desta moça que segundo Joaquim Pedro de Andrade caminhava entre a santidade e a sensualidade. Desgraçadamente famosa. Saudosa da burguesia? Antropofágica. Tropical melancolia. O cinema não pode ser uma jaula. Você acredita em Deus? Deus existe? Já fez nudismo? É ótimo para a pele e para os nervos. O que vai fazer no final de semana? Já foi à Ilha dos Prazeres? Em 1969, em A Mulher de Todos, de Rogério Sganzerla, ela interpreta Angela Carne e Osso, inimiga número 1 dos homens. Atriz absolutamente imprevisível e original. Força criativa. Agressiva. Uma liberdade incrível de fazer diabos. Experiência quentérrima. Bertolt Brecht e LSD no país dos fantasmas. Viu Jesus? Nunca foi Nossa Senhora.

Nas proximidades da idade da pedra. Anos 1970. Ápice da repressão e da censura no governo Médici. No fundo deste poço chamado Brasil tem um copo de veneno. Belair. Bressane. A debochada em A Família do Barulho, a empregada doméstica que mata a patroa em Cuidado Madame, a jovem Isabel, pega no flagra com Ritinha, duas jovens que se beijam no jardim ensolarado em Barão Olavo, o Horrível. País do futebol e da tortura. Sganzerla. Ela é Sônia Silk, a fera oxigenada em Copacabana Mon Amour e a mulher do magnata em Sem Essa, Aranha. A barra pesou. Nestas condições, imóvel diante da grande miséria nacional, o otário só pode seguir dopado de sol, de cachaça e de magia. Expresso do Terror. Pesadelo ao Vivo. Exílio. London-London. Psicodelia. Viu shows de Jimi Hendrix e Rolling Stones.

Artes, letras, jornalismo cinema, televisão, política. Nem Tudo é Verdade e Tudo é Brasil. Uma aristocrata em São Jerônimo. O signo do caos e uma bruxa em a Encarnação do Demônio. 500 e poucos anos de Brasil, 500 almas. O mundo em perigo. Provisória balada. Paixão e Virtude. Sobrevivente dos anos 1960 e 1970, ela segue também atrás das câmeras reinventando a rua e apresentando histórias da Miss e do Dinossauro. A Canção de Baal (2008), baseado numa peça de Bertolt Brecht, o poeta desregrado não aceita a pasmaceira violenta das sociedades capitalistas. Se nasceu para aprender vai morrer sem saber tudo. Dirige Luz nas Trevas - A volta do Bandido da Luz Vermelha (2010). Jorge da Capadócia. Sangue Latino. Samba. Zorro. Polícia. Feio, Eu?(2013), margem e marginalizados. Loucura e liberdade. Quase acontecer. Quase ser. Quase sendo. Ralé (2015). Música e Filosofia. Polêmico e Amoral.

Da luz a ação, uma história de amor em bocas, Jardins, praças, becos, quebradas, palácios, estúdios, botecos, boates, palcos, mansões, hotéis pobres e ricos, lagoas, lagostas, Triunfo, macumba. Bahia, Manaus, São Paulo, Rio, Trieste, Osasco. Helena Ignez, uma atriz maravilhosa.


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