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Greve na USP | Auto-organização estudantil e os rumos da luta na USP: um debate com as correntes do DCE

Após a última reunião de negociação, chegamos a um ponto crucial da nossa mobilização. Ficou claro como a força da luta dos estudantes, que se expandiu por todo o campus Butantã e interiores, obrigou a que a Reitoria, a princípio numa postura intransigente, oferecesse propostas para o nosso movimento. Essas propostas ainda se mostram aquém das nossas reivindicações, e é preciso estarmos alertas para não cairmos em manobras da burocracia universitária, que já deixou bem claro seu interesse num projeto de universidade cada vez mais a serviço da iniciativa privada. Precisamos seguir fortalecendo nossa greve, é possível ir por mais.

Mariana DuarteEstudante | Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo

domingo 8 de outubro de 2023 | Edição do dia

Após a última reunião de negociação, chegamos a um ponto crucial da nossa mobilização. Ficou claro como a força da luta dos estudantes, que se expandiu por todo o campus Butantã e interiores, obrigou a que a Reitoria, a princípio numa postura intransigente, oferecesse propostas para o nosso movimento. Conforme expressamos neste texto, essas propostas ainda se mostram aquém das nossas reivindicações, e é preciso estarmos alertas para não cairmos em manobras da burocracia universitária, que já deixou bem claro seu interesse num projeto de universidade cada vez mais a serviço da iniciativa privada. Precisamos seguir fortalecendo nossa greve, é possível ir por mais.

Como seguir fortalecendo nossa greve?

Para isso é necessário democratizar os espaços de organização dos estudantes, para que os grevistas de cada curso tomem em suas mãos os rumos da luta, nos apoiando na forte greve aprovada na UNICAMP e na força que se expressou na paralisação do último dia 3/10 dos metroviários, ferroviários e trabalhadores da SABESP em SP.

É o que viemos denunciando desde o início de todo o processo: mesmo buscando se diferenciar a todo o custo, essa Reitoria é uma continuidade do mesmo projeto dos Parâmetros de Sustentabilidade aprovados sob bombas em 2017, uma medida que congelou a contratação de funcionários e professores e tem como resultado a catastrófica situação em que hoje se encontra a Universidade de São Paulo. O próprio Carlotti não busca esconder sua subordinação ao governo do bolsonarista Tarcísio, sem vergonha alguma disse em rede nacional que devemos "confiar no governador" para discutir o financiamento da universidade.

A nossa greve tem se demonstrado como um verdadeiro incômodo para os setores da burocracia universitária que foram linha de frente de organizar o ato do 11A (11 de agosto, dia do estudante, em 2022) “em defesa da democracia”, ao lado da FIESP e FEBRABAN. O reitor em sua entrevista para o estadão se mostrou indignado perante os piquetes, para onde foi a unidade de todos em defesa da democracia? A questão é que mais uma vez se escancara que não é possível unir interesses inconciliáveis. Um projeto de privatização e um projeto de uma universidade que esteja a serviço da maioria da população. Como denunciamos desde início, aquele ato em unidade com capital financeiro, que infelizmente os setores do nosso próprio DCE (Correnteza, UJC e Juntos) se incluíram, quem fica de fora são os setores mais precários da classe trabalhadora e do povo pobre.

Por outro lado, tem setores que pelas redes sociais buscam ligar a greve com a fabulosa ideia de Marilena Chauí de que junho de 2013 foi o “ovo da serpente” do fascismo no Brasil. Pois não se pode questionar a estabilidade burguesa que o PT tanto preza em manter. Será esse o motivo do enorme silêncio das figuras do PT em torno da nossa greve? Com exceção é claro do ministro da fazenda, Fernando Haddad, que cumpriu o vexatório papel de em meio a greve ir para a USP acertar parcerias público privadas.

Seria possível dizer que são os primeiros passos para escancarar a inerente contradição do governo de frente ampla Lula-Alckmin? Que ao se eleger não serviu para sanar todas as reivindicações dos estudantes e reverter a calamitosa situação da educação pós golpe institucional. E isso não apenas porque os cortes na educação se iniciaram nos governos do PT, com fortalecimento gigantesco dos grandes monopólios de ensino, mas também porque o governo já deixou claro que não irá rever nenhum dos ataques aprovados nos anos de Bolsonaro. Pelo contrário, segue arquitetando seus próprios ataques, com a sua própria cara, como vimos com o arcabouço fiscal.

E por que isso é importante para a nossa luta? Porque a greve dos estudantes da USP pode antever um primeiro choque com as expectativas geradas por um governo que prometeu "reconstruir o país". E as aspirações de todo um setor de jovens que não aceita que na "melhor universidade do país" não se tenha o mínimo: professores para poder estudar.

A questão que se mostra cada vez com mais força é que mesmo o mínimo, que se tenha professores com qualidade de ensino e trabalho na "melhor do país", só pode ser arrancado e conquistado na luta. Mas dessa necessidade os milhares em greve já se convenceram.

Qual o papel do DCE?

É papel das direções do movimento, que neste processo de greve esteve nas mãos do DCE e dos centros acadêmicos, ter iniciativas constantes para massificar a luta. A greve se mostrou muito expansiva, como não víamos há anos na USP. Mas não gerou um ativismo massivo e é preciso questionar os motivos disso.

Existe um claro incômodo com a forma com a qual os espaços do movimento estudantil tem se organizado desde o início da greve. As assembleias gerais tem se mostrado como espaços muitas vezes formais, em que as correntes que compõe o DCE se expressam em diversas falas com o mesmo conteúdo, com pouquíssimo tempo para a base dos estudantes se expressarem e onde não se faz pesar a criatividade que tem se mostrado viva em diversos momentos da luta.

Mas isso não é a toa. Isso é parte de uma política, uma política consciente que não fomenta a auto organização estudantil, ou seja, não fomenta que os estudantes tomem em suas próprias mãos os rumos da luta. Mas o que isso significa?
Significa que os espaços de organização até aqui têm sido movidos por uma lógica em que majoritariamente quem se expressa são as correntes políticas que estão na direção do DCE, onde os estudantes têm muito pouco espaço para falar e propor ideias. Nas assembleias gerais isso ficou bastante claro, mas foi também o que vimos em outros dois debates importantes: a forma de organização da reunião do primeiro comando geral da greve e o debate acerca da comissão de negociação.

Auto-organização para fomentar a criatividade dos estudantes

O comando geral de greve reúne dezenas de delegados eleitos pela base dos cursos e tem como principal objetivo dirigir os rumos da nossa luta. Para isso é preciso que seja um espaço em que os delegados de cada curso possam se expressar com suas próprias opiniões e ideias como seguir a mobilização. Temos como exemplo os diversos comandos gerais que já ocorreram nas greves de trabalhadores da USP, que se reuniam com frequência com delegados revogáveis em que os trabalhadores, aqueles que estavam na linha de frente da luta, podiam colocar propostas para fortalecê-la. Um forte exemplo é o de um trabalhador que fez a proposta de uma iniciativa de que os grevistas fizessem uma campanha de doação de sangue, para mostrar pra população que a greve na USP estava em defesa dos serviços públicos de qualidade, ganhar a opinião pública para defesa da greve, contra as manobras da Reitoria naquele momento. Isso foi uma proposta tirada num comando geral de greve, e que foi implementada com sucesso pelos grevistas.

Um outro exemplo , este da nossa greve,que demonstra a criatividade dos que estão na linha de frente da luta, foi a iniciativa dos estudantes da comissão da habilitação de japonês da Letras, que organizaram uma intervenção no evento organizado pela vice-reitora Maria Arminda, USP Pensa Brasil, para questionar como vamos pensar o Brasil sem professores. É preciso que nos espaços de auto organização da nossa luta se façam pesar esse tipo de ideias, pra que os estudantes possam tomar de fato os rumos da mobilização.

Infelizmente a primeira reunião do comando geral foi organizada não para que fosse um espaço de debate político sobre os rumos da greve, mas de informes por instituto, fazendo com que as intervenções dos delegados ficassem restritas a falas de informe com um conteúdo que já deveria ter sido previamente preparado pelo DCE, para que aquele espaço, de reunião da vanguarda da luta, pudesse estar a serviço de pensar coletivamente como fazer a greve avançar.

Para além disso, o espaço foi convocado também com o objetivo de votar, conforme tirado em assembleia geral, a comissão de negociação que iria representar o conjunto do movimento na negociação que seguiria. O DCE fez uma proposta dessa comissão ser conformada por alguns centros acadêmicos, escolhidos previamente, sem apresentar os critérios claros dessa escolha. Nós da Faísca defendemos que se fosse votado o método com o qual se organizaria a comissão, mas que era muito importante que os estudantes ali reunidos soubessem quais eram as pessoas que de fato iriam subir, ou seja, que se apresentassem e fossem submetidas a uma votação do conjunto do comando, para que os estudantes presentes pudessem ter consciência daqueles que iriam nos representar. Isso não ocorreu, o que foi motivo de questionamentos logo no dia seguinte, já que a representante do Ceupes que subiu para a reunião era uma companheira que não representava a base dos estudantes em luta.

Depois, surgiram também questionamentos no próprio grupo do comando, quando os delegados perceberam que se tinha aberto mão na reunião da pauta de contratação de funcionários, fundamental para diversos institutos e para a permanência estudantil. Questão que nessa última reunião do comando que ocorreu no dia 06/10, foi defendida pela Frente pela contratação de funcionários, que reuniu delegados de diversos cursos e companheiros da Faísca para colocar a importância crucial dessa pauta como prioritária da nossa greve.
Seguimos defendendo que era mais democrático para o movimento que se votasse na seguinte assembleia geral os estudantes que iriam nos representar na próxima reunião de negociação, já que não haviam informes claros e é parte do que seguimos defendendo para que as direções do processo possam de fato serem consequentes com os métodos históricos do movimento estudantil.

No entanto, é preciso ver mais além das críticas de método e de organização do movimento, já que tudo por trás envolve uma política. Do ponto de vista das correntes que dirigem nosso DCE não poderia ser diferente. Por um lado, o movimento Juntos!, que já foi responsável pela direção de diversas greves (e derrotas) na universidade, segue sendo uma corrente do PSOL que é parte deste governo de frente ampla. É no mínimo contraditório que se possa pensar em um movimento estudantil independente dos governos em um partido que possui um ministério e a vice-liderança do governo na câmara. Por outro lado, a Correnteza, segue sendo a oposição que o governo gosta. Isso já tinha ficado claro no Congresso da UNE, com Isis Mustafá abraçando o presidente do STF, Luís Barroso, e o ministro da Justiça, Flávio Dino, também no próprio fato de que a UP possui um cargo num mandato parlamentar de uma deputada do PT (que votou a favor do arcabouço fiscal), assim como no episódio desastroso de apoio e campanha ativa pelo atual reitor da UFABC, que por sinal também havia sido apoiado pelo prefeito de Santo André que faz parte do PSDB.

Mas segue se comprovando agora na luta concreta: as correntes do DCE participaram, junto às direções da UNE e UEE, de uma reunião com o Ministério da Educação (MEC) para levar a frente as pautas da greve sem fazer nenhum tipo de exigência a que essas direções burocráticas do PT e PCdoB se coloquem de fato a serviço de organizar e massificar nossa luta pelo estado de SP e nacionalmente, para além do próprio fato de não ter nenhum tipo de denúncia ao governo federal que se recusa a revogar o Novo Ensino Médio e vem aprofundando as escandalosas alianças com os gigantes tubarões da educação. Ao contrário de fortalecer essa unidade com os estudantes e trabalhadores em luta, Juntos e Correnteza no último comando de greve defenderam contra a conformação de um comando estadual de lutas, o que é ainda pior no marco de que são as mesmas correntes que estão na direção do DCE da UNICAMP, que entrou nessa última semana em greve.

Mais uma vez se comprova como essas organizações não têm confiança na força dos estudantes organizados e estão sempre buscando as saídas institucionais pelas quais intervir.

É neste sentido que também abrimos um debate com o papel do Rebeldia/PSTU. A que serve o discurso de “greve vitoriosa” sem escancarar as contradições que cumprem as direções do DCE para o movimento? Sabemos que não é de hoje que o Rebeldia busca se ligar a essa unidade Juntos/Correnteza/UJC. Mas ao longo de toda a greve o que vimos foi essa corrente cumprir o papel de seguidamente buscar cobrir pela esquerda toda a condução de um processo que não serviu para massificar até o final a mobilização, se mostrou com grande potencial pois vários cursos aderiram à luta, mas não gerou ativismo massivo. Tampouco deram qualquer batalha contra a falta de democracia que se expressou nas assembleias e no comando geral, abrindo mão de qualquer batalha pela auto organização, sempre votando junto com a direção do DCE apesar de no discurso fazer críticas abstratas. É uma pena que o discurso vermelho que critica o governo federal, na prática, não sirva efetivamente para criticar o papel que a falida oposição de esquerda da UNE cumpre na atuação concreta nos processo de luta do movimento estudantil. O Rebeldia/PSTU poderia se utilizar de sua localização no CAELL para fortalecer uma alternativa independente na luta, com um programa para fazer a greve avançar. Neste sentido, reforçamos o chamado feito pela juventude Já Basta, a uma plenária unificada dos lutadores que querem batalhar por essa perspectiva e nos colocamos à disposição de construir espaços que avancem nesse caminho.

É preciso batalhar por uma alternativa revolucionária no movimento estudantil

A luta que os estudantes da USP protagonizaram até aqui já vem demonstrando seu caráter histórico e é um alento, após anos de uma pandemia que sufocou toda uma geração de jovens que não puderam vivenciar o “além das aulas” que a experiência universitária proporciona, seja do ponto de vista das trocas e interações sociais, seja do ponto de vista da organização estudantil com seus métodos e história de luta. Nós da Faísca Revolucionária batalhamos para que os estudantes sigam confiando em suas próprias forças, pela via da sua auto organização, para que o movimento estudantil possa retomar seu papel histórico e pôr um fim neste modelo de universidade que serve às empresas privadas, aos bancos, à burguesia. É preciso levar nossos questionamentos até a raíz dos problemas e ver que se chegamos até essa situação de precarização é responsabilidade desta estrutura de poder antidemocrática, que possui um mesmo projeto de sucatear para privatizar. Só há um caminho para barrá-lo: a luta e organização dos estudantes, funcionários e professores da Universidade. Fazemos um chamado a todos os setores que acreditam nessa perspectiva a construir conosco a Faísca.

Citando o texto do professor do departamento de História da USP Lincoln Secco, “Independentemente do resultado imediato, alunas e alunos começaram a perceber que plataformas e sistemas são expressões de relações entre pessoas; que algo pode ser feito mesmo que o “júpiter” não deixe; que um pátio pode ser usado e vivenciado; e que intelectuais que não deixarão de reconhecer pelos seus livros são capazes de invocar a legislação trabalhista, as teorias da mais valia, a precariedade do trabalho ou a microfísica do poder contra uma greve simplesmente porque atrapalha seu planejamento pessoal.
De certa forma alguns autores aqui citados têm razão. Estudantes não lutam por si mesmos. Lutam por nós.”,




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