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Argentina | Apesar da trégua da burocracia sindical na Argentina, as lutas crescem em escolas, hospitais, metalúrgicos e aeroportos

Em 100 dias, Milei e os patrões tomaram muitas "medidas de força" contra os trabalhadores argentinos. Destruição de salários, despejos, fome, repressão. As centrais CGT e as CTAs fizeram uma greve nacional e algumas medidas isoladas, mas empurradas de baixo para cima e pela arrogância dos patrões. Alguma coisa começa a se movimentar. Os conflitos nos locais de trabalho aumentaram 71% em relação ao mês anterior, diz estudo. Como parar Milei e os donos da Argentina?

segunda-feira 25 de março | Edição do dia

"A CGT [principal central sindical da Argentina] está avaliando uma nova greve, mas uma greve que não impeça as negociações com os deputados que votariam contra o DNU, porque eles já disseram que se houver uma greve, as negociações serão interrompidas. Portanto, não haverá greve enquanto o assunto não for tratado na Câmara dos Deputados."

Essas foram as palavras de Abel Furlán, secretário geral da UOM e dirigente da central sindical CGT, a um delegado de base que propôs que o congresso dos siderúrgicos pedisse à CGT que convocasse uma nova greve geral.

Furlán nem sequer se deixa convencer pelo ataque dos “patrões do aço” que estão congelando os salários dos trabalhadores. Prevê continuar com medidas isoladas, por ramo e separadas dos restantes sindicatos que também sofrem ataques.

Mas não existe nenhuma “negociação” pela burocracia da CGT que possa encobrir a raiva que continua a fermentar em muitas escolas, empresas, agências estatais e bairros. Façamos um rápido tour pelos últimos dias na Argentina:

Na mesma empresa Tenaris Siderca, de onde “saiu” Furlán, mil metalúrgicos (efetivos, contratados e terceirizados) lideraram uma marcha massiva que perdurou por mais de 72 horas. “Paolo, não iremos repetir / pague o aumento / que o quilombo vai se armar” gritavam os operários.

É a raiva que atravessa centenas de empresas metalúrgicas em todo o país. Eles têm um salário básico de 400 mil pesos (cerca de 2.300 reais) que está congelado. Na Terra do Fogo, já suspenderam milhares de pessoas. Em Acindar fecharam por um mês. Os patrões querem guerra.

Um dos conflitos mais duros começou em Río Negro. Os governadores (peronista e radicais) “brigam” com Milei para ver como repartir o ajuste, mas coincidem em quem descarregá-lo. Na terça-feira (19), começou uma greve de 72 horas por aumento salarial no setor da Saúde. Uma das coisas mais interessantes é a força que contagiam os setores auto-organizados das assembleias, acampamentos e manifestações nas portas dos hospitais.

Nesse mesmo dia, começou em Neuquén o primeiro dia de uma greve de 72 horas convocada pelas professoras. 95% de adesão e mobilização massiva. O núcleo da Capital, liderado pela esquerda, exige "uma greve provincial de todos os sindicatos até que caia o decreto de atualização salarial". Em Tucumán há um processo de mobilizações "auto-organizadas", através de redes e nas escolas. Muitos votaram em Jaldo e Milei, mas já se "esquentaram". Protestaram em frente à Casa do Governo e, depois, no sindicato (ATEP), que assinou um acordo salarial de 12,6% até maio, enquanto os salários estão defasados mais de 150% desde 2023.

As escolas também estão se mobilizando em Santa Fé. Vêm de uma série de greves com adesão integral em todas as escolas públicas da província. Córdoba, com o núcleo Capital recuperado pela esquerda, tem sido a protagonista das jornadas de luta desde o início de março. La Marrón e outras agrupações estão pedindo ao CTERA uma greve nacional, embora a burocracia ainda siga em modo "recreio".

Paremos por um momento para abrir o foco. De acordo com o Observatório do Trabalho e dos Direitos Humanos da UBA, “em fevereiro, o conflitos trabalhistas e sociais quase duplicaram em relação ao mês anterior. Foram 71% mais elevados do que em janeiro". O estudo identificou 130 conflitos trabalhistas (e sociais) de diferentes tipos.

Vamos seguir com os acontecimentos. Em Mendoza assistimos a dois conflitos difíceis. Os trabalhadores municipais denunciam que um funcionário com 30 anos de trabalho ganha 180 mil pesos (cerca de mil reais). O governador Cornejo enviou a Polícia de Mendoza para reprimir, disparando balas de borracha e gás lacrimogêneo contra os trabalhadores municipais de Godoy Cruz que realizavam uma manifestação. Mas eles não desistiram e vão vencer. Uma medida mais contundente é a dos petroleiros que gerem as grandes refinarias da província. Na madrugada desta quarta-feira (20) começou uma forte greve. Denunciam o sucateamento e a devastação de Javier Milei e do governador Cornejo, que querem vender os campos da YPF para empresas privadas. Protestam contra as suspensões, demissões e maior precarização.

O ataque às empresas petroleiras argentinas vai mais longe. Os caminhoneiros denunciaram que a YPF planeja suspender e depois demitir 2.000 trabalhadores. Avisaram que, se este plano não for revertido, realizarão ações em Neuquén e nas refinarias de todo o país.

A semana passada começou agitada na região metropolitana de Buenos Aires. Desde as 7h da segunda-feira, a Avenida Costanera foi cortada por trabalhadores aeronáuticos demitidos da GPS, a principal empresa terceirizada da Aerolíneas Argentinas. Eles foram acompanhados por assembleias de bairro, organizações estudantis, sociais e políticas. A luta pela reintegração é a primeira batalha para impedir o esvaziamento e a privatização da companhia aérea estatal. O governo Milei lançou 8.000 demissões voluntárias na Aerolíneas e congelou os salários. Já houve uma greve que cancelou 340 voos e, para a semana da Páscoa, os pilotos anunciaram outra. É aí que se verá quem move um país.

Nesse mesmo dia, uma jornada nacional de ação unificada contra a fome percorreu todo o país vizinho. "Querem nos matar de fome", disseram os cozinheiros ao La Izquierda Diario, portal da rede do Esquerda Diário na Argentina. "E não vamos permitir. Vamos seguir nas ruas". Nesse dia, a operação repressiva de Bullrich lançou gás, balas de borracha e voltou a prender manifestantes.

Um dos setores que pode se tornar um barril de pólvora são as agências estatais, não só nacionais mas também nas administrações locais, onde muitos governadores e intendentes também têm seus “projetos motosserras”. As greves dos professores universitários, no Conicet e algumas medidas da ATE (quase sempre mornas) também se refletem “de baixo”, com assembleias e preparativos para enfrentar milhares de demissões. Terça-feira, 26, parece ser o primeiro "Dia D".

Muitos destes conflitos não aparecem em nenhum lugar na mídia, exceto para “demonizar” quem protesta. E quem faz funcionar os meios de comunicação também é atacado: a rede pública de TV Télam está fechada devido aos ataques do presidente, mas em seus dois prédios existem acampamentos que recebem solidariedade todos os dias. “A Télam não fecha. Eles não vão nos silenciar”, dizem os cartazes. Outro ataque brutal foi sofrido pelos trabalhadores da América TV. Primeiro foram suspensos porque os milionários Vila e Belocopitt não gostam de greves. Depois, demitiram 30. Na quarta (20) houve uma assembleia na porta do local. O SiPreBA e a FATPREN também realizam greves e outras medidas contra o congelamento salarial (na verdade, querem lhes entregar um vale de supermercado como era na época de Menem).

Qual o caminho na Argentina?

Poderíamos continuar cobrindo os conflitos. Há ações na justiça, nas minas de carvão do Rio Turbio, em vários gabinetes do Estado, entre os pescadores e a indústria alimentícia em Chubut, nos yerbales de Misiones, bem como conflitos "isolados" em diferentes sindicatos. E, sobretudo, o surgimento de assembleias de bairro, especialmente na área metropolitana, que é um espaço incipiente de auto-organização dos trabalhadores, dos jovens e do povo castigado pela crise. Tiveram o seu "batismo de fogo" nas jornadas contra a lei Omnibus, o que não é pouco.

É preciso levantar algumas reflexões:

A primeira é que, diante dos planos “motoserra” e a “liquidificadora” de Milei, crescem as lutas setoriais, empurradas de baixo para cima ou por ataques que levam as direções a sair à rua.

Em segundo lugar, longe de unificar estes conflitos, as direções da CGT e da CTA continuam “combatendo” separadamente. Uma atitude criminosa. Essa trégua, não se sabe por quanto tempo, é um grande favor para Milei, os governadores e os empresários. Imagine quanto tempo duraria o ajuste fiscal com uma paralisação ativa, com piquetes e mobilizações até arrancar uma greve geral? Os ataques de Milei cairiam.

A terceira é que há outra alternativa. A partir do PTS e da Frente de Esquerda na Argentina, nós da Fração Trotskista propomos coordenar unitariamente todos os setores que começam a resistir. Além disso, também atuamos para que se organizem a partir de baixo, de forma democrática e militante, em espaços onde os trabalhadores possam se reunir com aqueles que estão sofrendo o ajuste fiscal em seus bairros, escolas, movimentos. É por isso que, ao mesmo tempo que apoiamos todas as lutas, propomos a convocação de um grande Encontro Nacional de organizações sindicais e de piqueteiros, militantes, assembleias de bairro, organizações culturais, feministas, estudantis e ambientais, com a participação da esquerda. Um encontro que possa ser preparado, com mandatos de base, que reúna milhares de delegados, delegadas e lutadores de todos estes setores em luta na Argentina e que levante a exigência de uma greve geral ativa até à queda do plano de Milei. Esse é o caminho a seguir.




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