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Abolição da escravidão | 13 de Maio: desmistificando o falso convívio pacífico da população negra com o capitalismo

Este texto é uma reflexão sobre a tentativa de integrar o negro dentro do estado e sistema capitalista no brasil. A burguesia brasileira gosta de propagar o conto de fada da “generosa” princesa Isabel, que “milagrosamente” foi tocada no coração por algum tipo de humanismo, e surgiu como a salvadora dos escravizados e escravizadas os libertando; outra grande estória contada é do processo neoliberal, que insiste afirmar que a busca de ascensão econômica individual são passos para acabar com o racismo, que lugares de comando, seja empresarial ou na política estatal e institucional, são o caminho a ser seguido. Estes dois casos, entre vários outros, são somente a tentativa da burguesia nacional e internacional de cooptar a luta negra e pacificá-la. Partimos da ideia que o racismo nasce como produto do capitalismo, se ainda vigora em diversas dimensões é porque o serve como uma das suas colunas de exploração, e, como consequência, a luta negra contra o racismo deve ser disruptiva com o estado burguês e o capitalismo.

sábado 13 de maio de 2023 | 21:10

Imagem: nossacausa.com

A “boa” princesa e o questionamento histórico no movimento negro brasileiro

A falsa história que dia 13 de maio a princesa Isabel teria acordado em uma linda manhã e outorgado a liberdade dos escravizados no Brasil por pura bondade já foi combatida pelo movimento negro a muito tempo. Temos a certeza que não foi por bondade interna, como se uma ética universal que de repente tocou no seus mais íntimos sentimentos e o dever moral tenha se colocado de modo claro a sua frente: o de considerar, depois de mais de 300 anos, aqueles pobres escravizados como provenientes de direito a liberdade e a própria vida. Não, nem os iluministas do século XVIII, teóricos dessa concepção moral interna e universal, foram instruídos para este dever, na verdade o contrário, justificaram a espoliação colonial e a inferioridade da população negra, fornecendo argumentos ideológicos para não os considerar humanos.

O Brasil foi o último a abolir a escravidão de modo oficial, dentro da jusrisção formal, perante a lei, o trabalho escravo não é permitido no território brasileiro, mas a realidade é bem diferente das leis, e o trabalho escravo e semelhante a escravidão se faz presente ainda hoje, ideia que será desenvolvida depois. Com a burguesia nacional pressionada internacionalmente e pelas frações internas, a abolição da escravidão tinha como premissa de desenvolvimento das forças produtivas no país, isto é verdade, porém a medatade da verdade, aqui desenvolveremos um caráter mais “subjetivo” dos motivos.

Primeiramente, que o ato da princesa tem uma projeção de grandeza que é falsa, já existia um contigente de negros aforriados, negros e negras que conseguiam com muito esforço guardar alguns trocados e pagar suas aforrias. O século XIX foi marcada por tentativas do Estado imperial em controlar esses negros e negras libertos, nacionalmente foi marcado também por várias revoltas, onde libertos e escravizados cooperavam juntos. A revolta dos Huassá, revolta das Carrancas, revolta dos Malês e a greve dos Ganhadores (1), para citar alguns levantes. Além disso, no fim do século XVIII, em 1791, ocorreu a revolução haitiana, uma revolução de escravizados que conquistaram a liberdade frente ao poderoso exército de Napoleão Bonaparte.

Ou seja, a burguesia brasileira tinha a sua frente um contingente de negros que se mobilizavam contra os absurdo da escravização e no imaginário internacional havia um grande medo, porque os negros tinham protagonizado uma revolução; tornou-se uma necessidade política se antecipar as possibilidades e, ao invez dos negros conquistarem a libertadade pela sua força, derramando o sangue colonial, era melhor a burquesia colonial lhes dá de “bom grado” a liberdade. Assim, o discurso mentiroso de que a burguesia colonial brasileira surge como aquela que deu a liberdade, como fosse um acordo vindo de cima para baixo, como se na realidade não houvesse nenhum contraponto. Ela buscou não ser derrotada pelos negros em processos revolucionário, e o empenho para criar essa concepção pacífica foi tal que tentou a todo custo apagar todos os processos de revolta que ocorreram durante a história. Portanto, essa pacificação da entrada da população negra como integrantes na sociedade, não mais como simples objetos dotados de força de trabalho, mas como seres humanos, foi motivada pelo medo do cenário que se desenhava (2).

A investida neoliberal de cooptação da população negra

A outra face do mito da liberdade pacífica é que a condição de vida da população negra mudou bastante em instantes, como se uma canetada mudasse as relações sociais e econômicas, tal como é possível transformar água em vinho, só em um grande delírio. O trabalho no campo, formalmente poderia não ser mais relação escravagista, mas as condições e o salários não eram nada ideais; as trabalhadoras domésticas, as antigas escravizadas do lar, não trabalhava de modo muito diferente do dia anterior; as condições de moradia também não eram tão diferentes; tinham por lei direitos de serem livres, mas materialmente esse direito não reverberaram, o que os faziam presos aos trabalhos precários que seus antigos escravagistas, agora empregador, os sujeitam.

Com a herança colonial a burguesia brasileira não deixa de buscar a superexploração do trabalho em base ao racismo, a burguesia internacionalmente precisa que a força de trabalho seja desvalorizada fazendo coro e fornecendo ferramentas para sustentar essa exploração e opressão. Mas nos anos 80, internacionalmente, surge o sistema e ideologia neoliberal, o progresso do econômico do capitalismo estava a progredir, com o fim dos estados operários e a passagem para a democracia burguesa era o único horizonte possível, na América Latina as ditaduras compriram o papel de efetivar avanços economicos neoliberais e os processos de redemocratização os continuaram com um fortalecimento ideológico nas justificativas. Nessa nova ideologia, os indivíduos que eram excluídos dos deleites do capital, poderiam almejar seu espaço, por exemlo, de 1970 a 1990 a inglaterra tinha como primeira ministra Margaret Thatcher e entre 2009 a 2017, Barack Obama era o primeiro presidente negro dos Estados Unidos.

Estes dois exemplos são muito bons pois demonstram que mesmo pessoas oprimidas, seja pelo gênero ou por raça, chegando no “topo”, seja de cargo político ou comando empresarial, não acabam com a opressão e muito menos com a exploração, pelo contrário, Thatcher atacou as Malvinas impactando a vida das mulheres argentinas que perderam seus familiares e lares por uma empreitada inglesa, no governo de Obama surgiu o Black Lives Matter, contra a violência policial que aumentou durante seus dois mandatos.

Em países como o Brasil, onde a população vive condições precárias, as aberturas de postos de trabalho, a abertura de universidades, planos de assistencialismo, impactaram a vida do conjunto da população, direitos básicos foram colocados como o ápice da vida. Porém todo esse movimento tinha contradições internas e foi questionado profundamente pela crise econômica internacional de 2008; se o Brasil durante os governos Lula, já com herança do governo anterior, surfou na onda econômica internacional, também carregou suas contradições, por exemplo o trabalho terceirizado triplicasse o contingente, formalizando o trabalho precário; a ascensão individual por meio de trabalho ou da educação era tido como algo natural, como se todos tivesse destinados a melhoria de vida.

No entanto, o que vivemos foi o contrário, o trabalho precário só aumentou com a uberização, depois do golpe institucional a reforma trabalhista, e vários outros ataques à população foram implementados, por Temer e Bolsonaro. Este último um governo de extrema direita, que fortaleceu várias figuras deste espectro na política nacional, que combinam a negação do racismo existente no país à um aprofundamento da política de precarização, repressão e morte à população negra, o que complexifica ainda mais a condição do negro no país. A juventude negra se vê cada vez mais profundamente entre a precarização e a violência policial, seja aqueles que estão em cima de bicicletas ou moto trabalhando, ou até pequenas crianças que brincam com uniforme da escola é assassinada pelo polícia.

A luta negra: contra o sistema capitalista, o estado burguês e as suas instituições

Na primeira parte do texto foi desenvolvido como a população negra lutou pela sua liberdade, que a busca de pintar uma liberdade pacífica foi um processo ideológico burguês, para assegurar sua dominação de modo inconteste. A população escravizada teve papel fundamental para a estruturação da burguesia nacional, como a nível internacional o tráfico de escravizados teve papel na acumulação primitiva de capital que possibilitou o avanço a burguesia imperialista. Mesmo que o trabalho escravo não seja regra, o racismo ainda é uma das justificativas mais profundas para a manutenção de superexploração capitalista, a possibilidade de naturalizar que um grupo de pessoa viva em condições de miséria permite o aumento do lucros retirado do trabalho deste grupo e como em relação aos outros, pois rebaixa a qualidade de vida de conjunto da população.

Ou seja, enquanto componente para aprimorar e aprofundar a exploração, o racismo é essencial ao capitalismo. Este sistema nasce se sustentando por essa ideologia e se mantém também o utilizando como elemento chave, as condições objetivas da população negra não mudaram, pois a abolição. Os interesses da população negra em ter melhores condições de vida é incompatível com as necessidades capitalistas, que pode até admitir que um ou outro indivíduo acesse melhores condições, mas não universaliza, porque seria questionar um ponto de mais extração de lucro.

Hoje a população negra segue sofrendo com a violência policial e a precarização da vida e do trabalho, por isso ainda somos a maioria dos trabalhos precários, informais e terceirizados. Por isso, neste 13 de Maio relembramos a luta dos trabalhadores escravizados e livres para acabar com o sistema escravista, se enfrentando através dos quilombos abolicionista, revoltas, greves contra a elite escravista. A luta por melhores condições de vida não vão ser garantidos conciliando em o interesses desta burguesia herdeira da escravidão, como atualmente faz Lula-Alckimin quando afirmam que não vai revogar a reforma tabalhista, que é um mecanismo desta burgueisa para jogar a crise capitalista nas nossas costas.

Notas

(1) Ver revoltas escravas no Brasil e Ganhadores aqui

(2) Se diversos autores conjecturam como possibilidade plausível que a Revolução haitiana tenha influenciado o pensamento de Hegel (1770-1831), ver Hegel e Haiti de Susan Buck-Morss, a classe dominante brasileira que tinha que controlar a maior concentração de africanos escravizados, que tinha que reprimir os levantes que ocorriam, tinha consciência dos riscos que lhe acometia.




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