Poesia de Ian San, metroviário e poeta
domingo 19 de agosto de 2018 | Edição do dia
Não sou metade do que você vê
O dobro é engano
Sou menos do que você acha
Mais do que pareço ser
Meu coração não ocupa só o espaço que lhe condiz
Extrapola o papel que lhe é destinado
Transborda a caixa torácica
Suja o chão da casa
Chão limpo e organizado
Eu sou a desorganização
Daquilo que na verdade serve à servidão, serventia
Vou ocupar todo o lugar
Exatamente todo lugar que eu não deveria ocupar
Vou me espalhar não pelo meu espaço, propriedade
Meu espaço roubo
Eu vou na verdade roubar tudo
Porque tudo é meu
Eu vou me espalhar onde não posso, proibido
Você vê escravo, sou rei
Vou sujar a fachada da sua casa grande
Vou pisar nas flores do seu jardim, caras orquídeas
Vou fazer amizade com o jardineiro
E plantar carnívoras ao pórtico da sua casa
Para devorarem seu ímpeto de exploração
Vou me embebedar na sala de jantar
E estragar sua festa
E dirão
Louco, louco
Quando na verdade, era o que eles mais queriam
O hospício é moradia dos desejos sufocados
Vou parar a fábrica dos seus sonhos
E travar a produção do seu desejo
Vou rasgar seu papel branco de homem
Tudo o que é seu vou tomar
Seu uísque, meu, na verdade
A comida chique feita da fome mundial
O seu amor, contrato de compra e venda
Vou vomitar na beleza da sua vida, morte
Vou jorrar sangue, meu coração bomba,
De cima da sacada
Na sua piscina, esgoto
E fazer vida a todos que vierem
Vou cagar no meio da sua praça, latifúndio
Vou estraçalhar sua matemática
Sua poesia de luvas de borracha e escritos de poder
Vou arrancar seus olhos assassinos, corvos, urubus
Vou arrancar seu coração que já não serve de nada, morto vivo
Vou te amarrar no alto da colina depois de seu último saque e todos saberão
Porque eu
Eu sou cheio de nós
Nós
Ian S.
Agosto/2018