A CEDAE é responsável pela água e esgoto de 64 das 92 cidades do estado do Rio: os demais municípios, em grande parte, já foram abocanhados pela sede de lucro dos capitalistas, transformando um dos direitos humanos mais elementares – o direito à água e saneamento – em uma mercadoria.

Quase sempre os governos utilizam a ladainha ideológica costumeira para privatizar os serviços públicos: a “ineficácia” do serviço público, que seria substituída pela “eficácia” do setor privado. Qualquer experiência de privatização mais conhecida, como o caso das teles, joga por terra essa argumentação. Quem nunca amargou a péssima qualidade dos serviços das empresas de telefonia privada, como TIM, OI, Claro ou Vivo?

Mas no Rio, por mais que esse argumento não tenha sido utilizado amplamente para aprovar a privatização da CEDAE (e sim o de que é necessário uma “contrapartida”, vendendo a empresa a preço de banana, frente a uma suposta ajuda do governo federal), há um dado alarmante que é necessário debater sob a perspectiva dos trabalhadores: o lucro da empresa saltou de R$ 248,89 milhões, em 2015, para R$ 379,23 milhões, em 2016, um aumento de 52%.

Muitos lucros, pouco saneamento e água para o povo pobre

Embora se pudesse pensar – em uma lógica capitalista e empresarial – nessa cifra como a representação da “eficácia” da CEDAE, do ponto de vista de uma pessoa comum, que depende da água e esgoto, o que chama atenção é o dado que contrasta com esse: no mesmo período, o atendimento à população em termos de atendimento de água e de esgoto cresceram respectivamente 1,32% e 0,66%.

Os números que expressam o saneamento das regiões atendidas pela CEDAE são impressionantes: apenas 35,64% dos domicílios atendidos pela empresa possuem coleta de esgoto, sendo que há seis anos eram 38,9%. O argumento utilizado pela empresa para justificar a queda é de que parte das residências atendidas pela CEDAE na zona oeste da capital teve o serviço de água e esgoto privatizado em 2012, passando a ser operado pela empresa Foz Águas 5. Assim, parte dos municípios que já tinham acesso a água e esgoto passaram a ter esses serviços como fonte de lucro para os capitalistas.

Além da falta de acesso a esgoto, nem todos os moradores tem sequer acesso à água em suas casas: são apenas 88,10% dos moradores, um número que aumentou em 5% ao longo dos seis últimos anos. Outro fator alarmante é qualidade precária da água em diversos municípios atendidos: em ranking do Instituto Trata Brasil, que avalia a qualidade da água nos cem municípios mais populosos do país, a capital fluminense ficou em 57º lugar, Duque de Caxias em 91º, e Nova Iguaçu em 92º.
A solução é privatizar?

Deveria causar indignação a todos que em pleno século XXI ainda existam pessoas sem acesso à água e saneamento básico, questões elementares que a humanidade já possui condição de atender plenamente há muitas décadas. De fato, a falta desses serviços é diretamente responsável por mortes causadas pela falta de higiene, por doenças que já há muito tempo deveriam ter sido completamente erradicadas.

Os capitalistas e seus porta-vozes alegam, como sempre, que o problema é seu “modelo de gestão”, que deve ser mudado, como afirmam em reportagem do Globo os consultores privados Pedro Scazufca e Cláudio Frischtak. O eufemismo de “mudar o modelo” tem um significado muito claro na boca desses economistas a serviço das empresas: privatizar.

Nenhum deles menciona, por exemplo, o repasse de R$ 90,07 milhões feito em 2016 para os acionistas da CEDAE (pois, mesmo sendo ainda pública, a CEDAE é uma empresa de capital misto, em que míseros 0,0004% de suas ações são detidas por acionistas privados, e mesmo assim a cifra de repasse a estes foi o montante elevado citado acima). Agora, imaginemos que 100% do capital da empresa passe a ser privado, tornando o principal e maior objetivo da empresa a geração de lucros para seus donos. Isso tornaria a situação já bastante grave de precariedade dos atendidos pela CEDAE ainda maior.

A questão é que em 2016 a empresa investiu R$ 393,41 milhões nos serviços que presta (apenas pouco mais do que 4 vezes o que pagou a seus acionistas privados, um dinheiro destinado apenas a encher o bolso de especuladores parasitas enquanto milhares estão sem água e saneamento). É praticamente o mesmo montante destinado a investimentos e o tanto que a empresa lucrou no ano (R$379,23 milhões). Isso significa que se a empresa não fosse superavitária e nem repassasse lucros a acionistas ela poderia ter investido o dobro em obras e ampliação de seus serviços.

Além disso, chama a atenção que seja justamente nos municípios da baixada, nas regiões periféricas e mais pobres que se concentrem as situações mais graves, com falta de saneamento e serviços e pior qualidade da água fornecida. Sem dúvida, nos bairros mais ricos da zona sul ou Barra a situação é bastante diversa. Isso porque quem decide quanto ou onde investir são os diretores e seu presidente, Jorge Ferreira Briard, uma indicação política feita pelo PMDB. São esses que determinam que a água e o esgoto chegue às regiões com moradores mais ricos e não à população das periferias, composta pelo povo negro e trabalhador em sua imensa maioria.

A situação imposta por esses gestores é a de gerir a empresa de acordo com seus interesses particulares, que são acordados também com os empresários e capitalistas de quem são porta vozes, e, portanto, sempre em oposição aos interesses do povo pobre e trabalhador, do povo negro que vive nas periferias. Uma mostra disso é o fato de que a CEDAE foi interpelada na justiça por cobrar serviços em residências onde sequer fornece a coleta de esgoto. Ou de que dirige investimentos e esforços para cortar ligações clandestinas de água (o popular “gato”) de famílias que não têm condições de pagar as tarifas, privando a população desse serviço essencial em nome do lucro da empresa.

Com a gestão privada, tudo isso se intensificaria ainda mais, pois seria a legitimição até o fim da lógica do lucro e dos interesses privados na gestão da empresa. A água – que hoje já não é tratada pelos gestores dos partidos da burguesia como um direito – seria transformada em uma mercadoria até o fim. Tem acesso quem paga (com as tarifas colocadas por um monopólio privado, único fornecedor daquele serviço), e quem não paga, fica sem água e sem esgoto.

A única gestão democrática para a CEDAE é 100% estatal e sob controle de trabalhadores e usuários

Diferente dos gestores de partidos como o PMDB (que, aliás, encabeçou por meio de Jorge Picciani, presidente da ALERJ envolvido em escândalos de corrupção, a votação de privatização da companhia), ou dos empresários que querem ser donos da água e transformar ela em uma mercadoria, há um setor que realmente tem interesse em que a água e o esgoto sejam direitos universais e acessíveis a todos. São os trabalhadores da CEDAE, que conhecem profundamente a companhia e seus serviços, seus problemas e como resolvê-los. E também os usuários dos serviços da empresa. Somente com uma gestão pública, 100% estatal, sem ingerência de capitalistas e seus representantes, com a operação da empresa, seus investimentos e serviços controlados pelos trabalhadores e usuários, se poderá efetivamente avançar para resolver a situação absurda de que até hoje existam pessoas sem acesso ao saneamento básico e ao fornecimento de água.

A heroica luta dos trabalhadores da CEDAE contra a privatização da empresa foi uma mostra concreta do interesse desses em defender o interesse do povo e a preservação da água como um bem público. É ao lado desses trabalhadores que podemos combater a propaganda ideológica dos patrões que quer nos convencer que nossos direitos serão melhor atendidos quando forem uma mercadoria na mão de empresários milionários.