Apenas um dia antes do 11 de agosto, Bolsonaro e os militares desfilavam seu autoritarismo em Brasília enquanto na Câmara a classe trabalhadora, sobretudo suas camadas mais jovens, foram alvo de mais um brutal ataque. Se a pressão autoritária de Bolsonaro e dos militares com a fumaceira de seus tanques dividiu a direita do PSDB e outros partidos que se dizem oposicionistas do governo sobre o voto impresso, estiveram todos unificados para avançar em atacar ainda mais a classe trabalhadora. A MP 1045 aprofunda a precarização do trabalho e impõe condições quase de escravidão à juventude, com salários de R$550,00, sem férias, FGTS ou 13º, além de manter a redução e suspensão de salários e contratos e outras medidas. Ao mesmo tempo, burocracias acadêmicas como a da USP e outras universidades discutem o retorno das aulas presenciais por fora de qualquer debate com a comunidade acadêmica.

Isso tudo num contexto de 600 mil mortos por covid e profunda crise social, com desemprego recorde, insegurança alimentar atingindo mais da metade da população, privatizações como dos Correios e Eletrobrás sendo impostas, além de interventores encastelados em universidades federais pelo país todo. Nas universidades as políticas de permanência e assistência estudantil estão ameaçadas e ficando mais restritas, o que ataca principalmente os estudantes negros e de baixa renda. Não há dúvidas de que motivos não faltariam para que as manifestações do dia do estudante fossem uma forte expressão de indignação dos estudantes de todo o país, podendo se colocar porta-vozes não só de suas próprias demandas, mas de denunciar a degradação de conjunto das condições de vida da classe trabalhadora e do povo mais pobre. Poderia ainda ser um forte grito de exigência às grandes centrais sindicais, como a CUT e a CTB, que organizem um plano de luta nacional e uma greve geral para parar o país, seguindo o exemplo dos trabalhadores da MRV em Campinas que há quase um mês se enfrentam com a empresa, e cercando de solidariedade essa luta.

Entretanto, nada disso foi o que se deu. O que vimos foram manifestações esvaziadas e isoladas, que a massa dos estudantes sequer sabia que ocorreriam. Os discursos inflamados dos dirigentes da UJS e do PT pareciam um deboche diante dos atos que reuniram poucas centenas. Em muitas cidades sequer ocorreram manifestações, e no RN a juventude da UJS e do PT ainda postaram fotos de seus parlamentares, felizes e sem sequer denunciar as detenções ocorridas antes da polícia atirar pra cima para intimidar manifestantes.

O que pode parecer contraditório, na verdade, faz bastante sentido quando pensamos de conjunto a política dessas organizações. Desde que manifestações de rua voltaram a acontecer, expressando disposição de luta, a política do PT e do PCdoB na direção da UNE e das centrais sindicais sempre foi de convocar de maneira burocrática e dispersa os atos, sem nenhum tipo de construção nas bases, sem batalhar para que estudantes e trabalhadores sejam sujeitos da mobilização. Isso para garantir seu controle sobre os atos, para que sirvam para fortalecer sua busca pela frente ampla com a direita em torno da candidatura de Lula em 2022. O super pedido de impeachment foi mais um episódio dessa política, que subordina nossa força nas ruas à mesma direita que aprova a MP do trabalho precário. A entrega do super pedido rendeu cenas simbólicas, como de Iago Montalvão, então presidente da UNE, ao lado de Kim Kataguiri e Joice Hasselmann, enquanto os indígenas enfrentavam o PL 490 e o Marco Temporal do outro lado da praça dos poderes em em Brasília. Na sequência, Arthur Lira garantiu o "super arquivamento" do pedido, enquanto o Centrão se acomodava ainda mais no coração do governo Bolsonaro.

O esvaziamento das manifestações em geral e do dia do estudante em particular é resultado dessa política, que combina a busca pela aliança com a direita rumo às eleições com a completa ausência de qualquer construção nas bases. Sobre a isso a esquerda, que dirige diversos DCEs e CAs pelo país, além de ter dezenas de mandatos parlamentares e também ter peso em alguns sindicatos, poderia levantar uma política alternativa, dando exemplo nos locais onde tem peso e exigindo da majoritária da UNE e das centrais sindicais a construção de um plano de lutas nacional rumo a uma greve geral. Entretanto, o que fazem organizações como o MES/PSOL, junto à UP/Correnteza e PCB/UJC é repetir os mesmos métodos burocráticos da UJS e do PT, mas com o nome de "Povo Na Rua Fora Bolsonaro". Como se reuniões entre as organizações e suas bases substituíssem espaços de auto-organização a partir dos locais de estudo e trabalho. Divergem sobre as datas e fazem disso um "grande debate" porque no fundamental da política (a defesa quase utópica do impeachment e a construção da candidatura de Lula e sua frente ampla com a direita rumo a 2022) estão todos de acordo. Juntos se calam sobre a paralisia das centrais sindicais e acompanham a UJS e o PT em discursos inflamados nos atos, encobrindo pela esquerda sua política. E quando convocam assembleias, pouquíssimos estudantes ficam sabendo delas e impedem a realização de votações.

É por isso que as manifestações do dia 11 foram incapazes de expressar a insatisfação dos estudantes com a situação das universidades e do país de conjunto. A esquerda deveria romper com essa política de subordinação à majoritária da UNE e articular nacionalmente um polo antiburocrático, que batalhe pela construção de assembleias de base com direito a voz e voto em todos os locais onde têm peso, votando exigências unificadas à UNE e às centrais sindicais e colocando a base dos estudantes como sujeitos dos rumos da mobilização. É somente a força da classe trabalhadora, junto aos estudantes, os indígenas, os negros, as mulheres e todos os oprimidos, que pode responder à grave situação pela qual passa o país. É essa aliança que pode derrubar Bolsonaro, Mourão e seus interventores, e também enfrentar o conjunto do regime político cada vez mais autoritário e degradado, que destrói nossas universidades e nossos direitos. A aliança entre estudantes e trabalhadores é o que pode responder à crise das universidades e batalhar por uma universidade a serviço da classe trabalhadora e do povo. É também através da luta de classes que se pode impor um programa de emergência à crise social e sanitária, e avançar na luta por uma assembleia constituinte livre e soberana, que coloque nas mãos das maioria da população as principais decisões sobre os rumos do país, onde possamos batalhar pela revogação das reformas, pela reversão das privatizações e por outras medidas que façam com que sejam os capitalistas que paguem pela crise.