O resultado surpreendeu a todos. Nem mesmo as pesquisas burguesas previam um resultado tão contundente. Com mais de 98% das mesas apuradas, o Rechaço alcançou 61,9% dos votos contra 38,1% do Aprovo. O Rechaço ganhou na maioria das cidades. Várias cidades da Região Metropolitana que no segundo turno presidencial rejeitaram fortemente Kast, agora votaram pelo Rechaço.

A votação expressa um giro à direita da situação política. A direita tradicional e a extrema-direita de Kast comemoram e buscam enterrar as reivindicações de outubro e tudo o que a rebelião representou. Boric convocou todos os partidos nesta segunda-feira para preparar uma nova fraude constituinte, mas a direita fortalecida decidiu esperar para impor seu programa em outro momento. Devemos combater a ofensiva da direita e a nova “cozinha” (acordos constitucionais pelas costas do povo) que não trará nada de favorável à classe trabalhadora.

Mas o resultado também expressou uma ampla votação em rechaço à situação econômica e social no governo de Gabriel Boric. Apesar da surpresa, esse resultado não caiu do céu. Não é por acaso que a direita tem feito uma campanha totalmente demagógica falando de previdência, saúde e moradia para defender todo o legado da ditadura. O governo de Boric, o Partido Comunista e a Frente Ampla ao lado da antiga Concertación, fizeram uma campanha na qual entregaram à direita todas essas pautas. Governaram implementando políticas muito bem-vistas pela direita e pela antiga Concertación para que os trabalhadores paguem pela crise: ajuste fiscal e gratificação salarial miserável, consolidando definitivamente os roubos dos fundos de pensão. As reformas de Boric foram adaptadas às demandas do grande capital, como o aumento do salário mínimo corroído pela inflação. Os setores políticos que eram pelo Rechaço fizeram demagogia com as angústias da vida dos trabalhadores e a precarização para ganhar apoio político.

O governo não tomou nenhuma medida para diminuir os impactos da crise econômica e social. Lamentavelmente, neste contexto de campanha demagógica da direita, essas insatisfações foram usadas para fortalecer a direita. Ao mesmo tempo, enquanto a Convenção falava em plurinacionalidade em favor do povo mapuche, o governo mantinha a política de militarização tal qual o governo Piñera.

O discurso do governo e a campanha do Aprovo reeditaram a "política de consensos" da antiga Concertacion. Até mesmo iniciaram um novo acordo para alterar a nova Constituição antes que o povo pudesse votar no plebiscito. Durante as últimas semanas preparam um novo “acordo de unidade nacional” junto com a direita e trabalharam por um novo processo constituinte mais limitado e anti-democrático. Depois do resultado, o governo reforçou este chamado.

O governo de Boric é uma continuação do Acordo de Paz e da Nova Constituição. Agora, muitos dos que promoveram o Aprovo pretendem culpar o povo pelo resultado. Mas como saímos da rebelião popular que fez tremer todo o regime de transição para este triunfo esmagador do Rechaço? A Convenção não foi o triunfo da rebelião popular como dizem a Frente Ampla, o Partido Comunista, os Movimentos Sociais Constituintes, a ex-Lista Popular, a Coordenadora Plurinacional e grupos como o MIT de María Rivera. Ao contrário, foi o principal mecanismo idealizado pelos partidos do regime e pelas potências capitalistas para desviar e neutralizar a rebelião popular. O próprio Boric foi um dos protagonistas do Acordo de Paz e da Nova Constituição que salvou o governo Piñera e manteve a impunidade a esse governo por violações de direitos humanos. Isso abriu caminho para a direita, que ganhava espaço e se fortalecia ao desviar a luta de classes para a arena institucional.

A Convenção Constitucional permaneceu totalmente alheia às demandas populares e subordinada às instituições burguesas. A revolta, não tendo a classe trabalhadora no centro, poderia ser desviada instalando ilusões na Convenção e na Nova Constituição, e em que os problemas estruturais do Chile herdados da ditadura poderiam ser resolvidos com uma mudança constitucional controlada e sem tocar no pilares do capitalismo chileno. O Partido Comunista e a CUT foram atores fundamentais para isso.

Não há dúvida de que quem capitaliza o resultado eleitoral são os partidos do Chile Vamos e os antigos concertacionistas do Rechaço como Ximena Rincón, Matías Walker, Ricardo Lagos e companhia. Mas é hipócrita culpar o povo sem explicar como passamos de uma rebelião popular contra o legado da ditadura para um triunfo tão avassalador do Rechaço.

Neste momento, será fundamental lutar contra a ofensiva de direita que buscará enterrar definitivamente todas as reivindicações da Rebelião e denunciar fortemente o novo pacto de unidade nacional promovido pelo governo com todos os partidos governistas e de oposição, e seu novo processo constituinte fraudulento e antidemocrático. É fundamental colocar um programa no centro para que os grandes empresários paguem pela crise e não os trabalhadores. É preciso preparar as condições para retomar as ruas e as reivindicações de outubro, lutando para acabar definitivamente com todo o legado da ditadura, única forma de avançar de uma perspectiva de greve geral para uma Constituinte Livre e Soberana. Para preparar essa perspectiva, é fundamental promover a luta por um programa emergencial diante da crise econômica e social em um momento em que a inflação devora salários, aluguéis e contas aumentam e as condições de vida se tornam mais precárias. É fundamental reagrupar as diversas organizações sindicais e sociais em torno desta perspectiva. Os dirigentes sindicais e sociais devem acabar com a trégua com o governo e parar de esperar que suas demandas sejam atendidas por meios institucionais, e por isso devemos lutar pela independência do governo e dos empresários.

São demandas fundamentais, como por um aumento geral e imediato de salários reajustados de acordo com a inflação dos alimentos e um salário mínimo e pensão de $ 650.000 pesos; pela redução da jornada de trabalho e distribuição do trabalho entre empregados e desempregados sem redução salarial; por um congelamento dos preços de serviços básicos como água, luz e combustíveis, e pela desapropriação sem indenização e sob a gestão de seus trabalhadores de todas as empresas de serviços básicos que especulam sobre preços, como aconteceu no caso da Metrogás. Além disso, lutar pelo julgamento e punição dos repressores.