Foto: Germano Lüders

A carta foi publicada ontem à noite. Nela há críticas pela falta de atenção ao distanciamento social, a necessidade de vacinação mais abrangente rapidamente, entre outras medidas, e exigem uma resposta unitária e que essa seja dada ou pelo governo federal ou pelo consórcio de governadores, claramente servindo de indicação ao STF – que pautará isso em breve – de qual o posicionamento de parte das finanças.

Na carta dizem com todas as letras que a resposta à pandemia dada pelo governo federal dificultará a retomada econômica e esta é a verdadeira preocupação dos signatários: seus lucros e a possibilidade de luta de classes, coisa que até o FMI alerta vendo o nível de descalabro catastrófico da gestão da pandemia em nosso continente, e particularmente em nossas paragens.

A carta é recheada de hipocrisias, tais como a crítica à dupla jornada das mães, vinda de gente que sempre defendeu a Lei de Responsabilidade Fiscal, a reforma trabalhista, o teto de gastos e tantas outras medidas que levam a cortes nos gastos sociais e fazem aumentar o trabalho (não-remunerado) das mulheres, recaindo sobre elas o peso de parte expressiva do trabalho de reprodução social. A carta não oferece nenhuma crítica a governadores, mostrando qual o alinhamento político dos signatários, e isentando de corresponsabilidade Doria, Castro, Leite, etc, do crescente número de mortos em seus estados. Em resumo gostariam que a linha nacional fosse basicamente a de Leite ou Doria e sua demagogia “científica” mas que na prática coloca os trabalhadores a se exporem ao vírus de modo idêntico ao de Bolsonaro. Evidentemente não há preocupações com gastos públicos com saúde e assistência social, com quebra das patentes para produzir medicamentos e vacinas, nem falar reconversão industrial. 300 mil mortos depois o discurso mudou, mas o lucro segue sendo a prioridade.

Além do lucro a preocupação se localiza em meio a uma crescente preocupação nacional e internacional com a possibilidade de luta de classes no país, o que aí sim colocaria em risco seus lucros. Essa preocupação já se expressou na decisão de Fachin em anular os julgamentos de Lula em Curitiba e transferi-los a Brasília, reabilitando, pelo menos até agora, seus direitos políticos. Para parcela do clube do milhão e do bilhão Lula não é um bicho-papão, sabem como ele entregou lucros recordes aos banqueiros, como nunca mexeu em nada da “herança” de FHC, e, como ficou patente em seu discurso não agiria diferente perante o legado do golpe institucional.

A carta foi assinada por parte da fina flor das finanças tucanas e de Temer, incluindo Pedro Malan, Edmar Bacha, Pérsio Árida, Pedro Parente, Ilan Goldfajn. Ela também inclui os CEOs da Itaú e da Credit Suisse Brasil. Duas coisas são dignas de chamar atenção: em primeiro lugar que a carta não é endereçada a Bolsonaro e, em segundo lugar nela não constam figuras de proeminência na atualidade em outros pesos pesados das finanças, tais como o Bradesco, Santander, Safra e XP Investimentos.

Não endereçar a Bolsonaro indica que se não partiram abertamente à oposição e defesa da retirada do presidente para colocar o também super-reacionário Mourão, no mínimo já trabalham que não há como mudar a linha do governo federal sem enfraquece-lo, fortalecendo governadores, STF, Centrão. Trata-se de, com desculpas da pandemia e da economia publicar um manifesto em prol do “golpismo institucional” (em detrimento do golpismo bolsonarista e parcelas da forças armadas que sigam alinhadas ali).

A ausência de algumas assinaturas relevantes pode indicar duas coisas: a) divisão entre eles, ou b) que parcelas das finanças não queiram publicamente se associar a esse tipo de movimentação política, preferindo manter mais portas abertas com Bolsonaro jogando um jogo mais “à la centrão”. Pode haver as duas coisas nas ausências. Novos fatos ajudarão a compreender as ausências e o nível de fissura ou ruptura das finanças com o governo Bolsonaro.

Algo já podemos “precificar” para usar o jargão desses signatários: quando as finanças recalibram sua política, mostrando fissuras ou rupturas com quem tanto lucraram, como andam fazendo com Bolsonaro e Guedes, há movimentos por baixo muito maiores. Esses senhores, na fase imperialista do capitalismo, detêm a contabilidade, expectativa de vida, detalhes pessoais de cada cidadão e empresa, sabem farejar que há o potencial de algo novo. Aguardar 2022 é justamente fazer o jogo hipócrita desses senhores, deixar que cada dia sejam contabilizados mais mortos, que cada dia a saúde pública esteja mais degradada, que cada dia os trabalhadores percam mais direitos, mas que surja a esperança de deixar tudo isso intacto (e perdoado como diz Lula) desde que o discurso mude. Precisamos de algo muito maior que mudanças de discurso e isso só pode acontecer contra os banqueiros e, superando todos aqueles que queiram conciliar com eles, só assim salvaremos vidas, empregos, direitos.