Em evento dia 28/10/16, na UnB, onde veio lançar seu novo livro A difícil democracia: reinventar as esquerdas, 2016, publicado pela Boitempo/Sinpro-DF, ele nos concedeu uma rápida entrevista onde foca lições da derrocada do PT, a questão da “democratização da democracia”, e propriedade privada e pública no socialismo. Boaventura tornou-se mais conhecido no Brasil depois que, em 1994, lançou o livro Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade.

Muito lido pela esquerda antiglobalização no período da Restauração [queda do muro stalinista, avanço do neoliberalismo, retrocesso na subjetividade revolucionária], em seu último livro, Boaventura propõe combinar democracia participativa com democracia parlamentar, representativa [p. 179]. Ali ele também critica o neoliberalismo por ser o modelo mais antissocial do capitalismo dos últimos 50 anos [p. 186]. Com uma certa tendência a restringir a luta de classes a um “conflito distributivo” [p. 191], não é típico que Boaventura discuta o papel do sujeito político ou o mesmo o programa econômico de estatização dos oligopólios capitalistas. Neste novo livro que lançou em Brasília, deita elogios, no caso da Grécia, à unidade em volta do Syriza, e, no caso de Portugal, à aliança de esquerda entre o PS – PC, ou bloco de esquerda; e vê com esperança, na Espanha, a possibilidade de um pacto entre o Partido Socialista e o Podemos.

Pelo peso que possui em certa esquerda acadêmica é importante debater seu pensamento. Vejamos sua breve entrevista.

ED – Em poucas palavras, qual a principal lição que podemos tirar da derrocada do PT para a esquerda brasileira que está em construção?

BSS - Duas lições, a primeira é que não se pode governar à maneira antiga para outros objetivos. Quem está no poder hoje numa sociedade capitalista sabe que estar no governo não significa dominar o poder social; isso significa governar contra a corrente. E para governar contra a corrente tem que governar de outra forma e tem que ter tolerância zero com a corrupção e não pode fazer coalisões contra [a natura].

ED - Você fala muito em “democratizar a democracia”; em termos populares como traduzir isso?

BSS- Facilmente, os partidos são instituições fundamentais para a democracia; se os partidos não forem democráticos nunca construirão a democracia. Temos que começar por democratizar os partidos e para isso é preciso que os partidos se habituem a ter formas internas democráticas, de democracia participativa e que sejam elas e não as conveniências do seus líderes ou as conveniências do dinheiro que decidam quem são os candidatos e quem são os políticos.

ED - Se pensarmos em perspectiva, em transição para uma sociedade emancipada, socialista, na sua opinião, a propriedade privada vai coexistir com a pública, os oligopólios, por exemplo, privados, vão coexistir com a economia pública?

BSS - Não digo os oligopólios, a Constituição da Bolívia, que é muito curiosa sobre isso, indica uma serie de formas de propriedade: a propriedade individual privada, propriedade comunitária, a propriedade associativa, a propriedade cooperativa; pode haver várias formas de propriedade sobretudo num período de transição; nós precisamos - na ideia que temos hoje de uma sociedade socialista – que ela seja economicamente diversificada. O que é muito importante é que não seja a economia capitalista a decidir e a determinar quais são as regras e as funções das diferentes formas de propriedade e da organização econômica; hoje já há muita organização econômica que não é capitalista, cooperativas no campo, economia informal, de mercado etc. O que é preciso é que sejam protegidas por lei e que essa diversidade seja assegurada. Sendo ela assegurada não haverá lugar, naturalmente, para os oligopólios.