Um petroleiro da Total, petroleira francesa onde está tendo um processo de greve, diz com orgulho a seus colegas: “Não estamos sozinhos. Normandia, Flandres, La Mède, Donges também estão em greve hoje.” Uma operária imigrante na Itália levanta uma faixa: "basta soldi ai richi " (chega de salvar os ricos). Uma delegada dos mais de 25 mil professores de Chicago levanta a mão a favor da greve: “pela reabertura segura das escolas”. Uma enfermeira do Hospital Universitário de São Paulo se junta ao piquete: “Fui vacinada, mas os terceirizados não.” No hospital de Yangon (Mianmar) uma enfermeira não se cala de forma alguma e faz greve contra o golpe militar.

Um mundo cada vez mais em crise

2021 começou como um ano complicado. O FMI tenta disfarçar seu pessimismo com previsões de uma "retomada" da economia que não chega a reverter nem metade da queda de 2020. Além disso, as novas ondas de contágio sacodem o tabuleiro e desencadeiam uma guerra pelas vacinas no melhor estilo "salve-se quem puder" .

Mas vamos falar do momento atual da classe trabalhadora. O “Monitoramento da Organização Internacional do Trabalho: COVID-19 e o mundo do trabalho” apresentado há poucos dias é direto: “Em 2020, perderam-se 8,8% das horas de trabalho no mundo. Isso é equivalente a 255 milhões de empregos de jornada integral. Quatro vezes mais do que durante a crise financeira de 2009”.

O golpe, entretanto, não é igual para todos. A perda de empregos na faixa etária de 15 a 24 anos foi mais que o dobro da de adultos. “Corremos o risco de ter uma geração perdida”, dizem.

Em um interessante artigo publicado no semanário Ideas de Izquierda [semanário semanal do La Izquierda Diario argentino] deste domingo, Michel Husson alerta que as organizações internacionais esperam que o desemprego continue a aumentar, apesar da atividade econômica estar "se recuperando". Em outras palavras, os capitalistas tentarão "sair da crise" aumentando a exploração dos trabalhadores. Husson diz que a classe empresarial começa a ensaiar "diferentes formas de ajustes trabalhistas: destruição total, falências, planos sociais, aposentadorias antecipadas, licenças especiais, extensão e flexibilização da jornada de trabalho, ampliação de trabalho por aplicativo e trabalho no domingo, tudo isso será implementado”.

Esse plano já começou. A luta de classes ainda não está à altura dos primeiros ataques, é verdade. Mas não estamos começando do zero.

Em 2019 assistimos a um “retorno da luta de classes”, com verdadeiras rebeliões populares, já que a crise começou muito antes da pandemia. Os "Coletes Amarelos", as revoltas na Argélia e no Sudão, os protestos em massa contra a fome no Iraque e no Líbano. A ruidosa negação do "modelo de Hong Kong". As revoltas em Porto Rico e no Haiti. A rebelião no Equador contra os planos do FMI e no Chile contra os 20 anos de patrimônio econômico e político de Pinochet. Em 2020, apesar do vírus e das quarentenas, vimos as greves na Colômbia, as impressionantes mobilizações contra a polícia racista nos Estados Unidos se que espalharam para outros países, a rebelião social e a crise do regime no Peru, e “a maior greve geral da história”, com 250 milhões de trabalhadores na Índia.

A pandemia, de certo forma, suspendeu alguns desses processos, mas a crise econômica, as penúrias das massas e os planos capitalistas anunciam novos choques entre classes. As medidas de contenção estatais e o papel dos dirigentes sindicais garantem que a luta de classes não exploda por enquanto. Mas o descontentamento cresce.

Na Argentina, vimos as ocupações de terras em meados de 2020 e as lutas por salários que fecharam o ano. Neste início de ano, no La Izquierda Diario temos mostrado novas respostas à tentativa de descarregar a crise sanitária nos corpos e no bolso dos trabalhadores. O setor de saúde luta por salários e condições de trabalho, os jovens da Hey Latam se colocam contra o fechamento, a greve da Subte [metrô de BuenosAires, NdT] luta para que respeitem as licenças para maiores de 60 anos. Há conflitos aeronáuticos na Latam e no GPS, numa lista que inclui camponeses do noroeste, viticultores, trabalhadores da indústria da televisão, da indústria pneumática e também motoristas. Também há conflitos com os professores, que estão alertas para as condições de retorno às salas de aula. Isso tudo para citar apenas alguns exemplos.

E fevereiro está apenas começando.

Mas temos que olhar para além de nossos locais de trabalho, e ir além de nossas fronteiras. A pandemia mostrou como o mundo está interconectado, e o quão internacionais são os lucros dos Estados e das grandes empresas. Por isso, acompanhar atentamente as primeiras lutas que nossos irmãos de classe estão liderando, aqui e ali, é a chave para ter uma visão global dos tempos que estão por vir.

Vamos fazer um tour rápido primeiro. Nos Estados Unidos: 6.000 trabalhadores da Amazon no Alabama estão travando a maior luta de sindicalização da história da empresa; em Hunts Point, um dos maiores mercados de Nova York, trabalhadores brancos, negros, latinos e imigrantes triunfaram após dias de greve; a isso se soma a luta dos professores de Chicago. No México, após greves nas maquiladoras de Matamoros, houveram conflitos na Interjet, hospitais e universidades. No Brasil, o fechamento da Ford não será tão pacífico ao que parece, e há lutas no setor de saúde, trabalhadores municipais e bancários. No Estado Espanhol houve nesta sexta-feira uma greve no Metrô e nos trens da Renfe, além de uma onda de lutas no País Basco. Na Inglaterra, quase 5.000 trabalhadores no aeroporto de Londres (Heathrow) iniciaram uma série de greves na sexta-feira. Na França os trabalhadores da Total Grandpuits estão há um mês em greve e há lutas em laboratórios (Sanofi), ferrovias (Infrapôle), logística (Tarn), elétrica (Schneider), bem como entre professores e enfermeiras de vários bairros. A Itália sai de uma greve geral de um setor dos sindicatos, com conflitos também na FedEx, Zara e principalmente na saúde.

Nos últimos dias também ocorreram dois eventos importantes. No Haiti assistimos a uma forte greve geral liderada por motoristas, professores e trabalhadores têxteis, com dois temperos especiais: a exigência de que o Presidente Moïse renuncie à sua posição e o repúdio à "violência nas ruas" que muitos ligam ao partido no poder. Na Índia, uma rebelião camponesa contra a lei de reforma agrícola está abalando o país. No final de 2020 a rebelião havia se fundido com uma greve geral de 250 milhões de trabalhadores, mas as centrais operárias e camponesas hoje evitam essa unidade.

De nossa rede internacional de jornais temos refletido esses conflitos e intervindo em muitos deles com os agrupamentos de classe dos grupos que fazem parte da Fração Trotskista.

Como já dissemos, se os compararmos com os ataques, a resistência ainda é incipiente, em muitos casos isolados. Mas deve-se prestar muita atenção a eles. Conheça-os, divulgue-os, mostre solidariedade. Tire conclusões. Desde o início da pandemia, são as primeiras respostas da classe que maneja todas as alavancas da economia. A classe que tudo cura, ensina, transporta e produz. O fim ainda não está dado.

Agora, vamos às cinco lutas desta semana que valem a pena conhecer.

1. Chicago: um exemplo de luta pelo retorno seguro às escolas

"Queremos escolas seguras." A jovem professora Hallie Trauger tem esse pôster na capa de seu computador. Enquanto lecionava, ele protestava contra o plano de volta às aulas das Escolas Públicas de Chicago (CPS). A medida foi votada por uma assembleia de 600 delegados.

A luta acontece poucos dias após a ascensão de Biden, no calor de outros processos como a luta dos trabalhadores da Amazon e Hunts Point. Milhões de trabalhadores esperam que as coisas mudem sem Trump. Mais cedo ou mais tarde, o Partido Democrata vai esclarecer que as coisas não vão mudar tanto.

A onda do coronavírus já deixou mais de 450 mil mortes naquele país, principalmente em comunidades latinas e negras. Como um ativista disse à Left Voice : “A luta por um plano de reabertura seguro é a mesma luta que todos os trabalhadores enfrentam. Não queremos marginalizar ainda mais as famílias trabalhadoras ou submeter seus filhos a condições inseguras”.

O mais interessante é uma proposta de "protocolo para um retorno seguro" que foi votada. Exigem exames e vacinas, equipamentos e outras providências para famílias carentes, que a comunidade participe da mesa de negociação, bem como o controle das condições de trabalho por meio do ensino auto-organizado. Eles propõem "eleger comitês de segurança e higiene em cada escola, com membros eleitos que incluem delegados e especialistas independentes, com as atribuições de interromper o trabalho se as condições não forem seguras".

As negociações continuaram neste fim de semana e os professores continuaram em greve.

2. Itália: três crises, uma greve geral

A situação na Itália é complicada. Soma-se à crise econômica e de saúde uma política: o primeiro-ministro Giuseppe Conte teve que renunciar.

Mas nos últimos dias as notícias também vinham das ruas. Uma greve convocada pelos sindicatos militantes (SI Cobas e Slai Cobas) desencadeou mobilizações em Milão, Torino, Piacenza, Bolonha, Roma e Nápoles, para onde convergiram trabalhadores e estudantes.

A greve foi concentrada no setor de logística, onde trabalham muitos imigrantes, mas também em alguns ramos industriais. Trabalhadores em luta, como rodoviários, e trabalhadores dos correios (SDA e Fedex), também fizeram parte da mobilização.

Uma das coisas mais interessantes são as demandas que a jornada de luta levantou:

O impacto da greve e a simpatia dos trabalhadores que não puderam aderir devido à atitude traiçoeira dos grandes sindicatos (CGIL-CISL-UIL), mostra que existe um grande potencial de mobilização de trabalhadores e jovens que ainda não se manifestou.

“Facciamo pagare la crisis ai padroni”: vamos fazer os patrões pagarem pela crise, disse a bandeira de alguns piquetes. Em qualquer idioma isso tem que ser um grito de guerra.

3. França: um mês de greve na Total, um exemplo de como lutar

Grandpuits é uma das refinarias da petrolífera francesa Total, nos arredores de Paris. Há um mês seus trabalhadores lutam contra um plano que deixaria 700 famílias nas ruas.

A empresa defende um plano de "transição verde" que não é apoiado pelo Greenpeace, que apoia os grevistas. A empresa diz que as demissões são causadas pela crise, mas essa mesma empresa distribuiu sete bilhões de euros em dividendos em 2020.

Esse plano de demissões é um avanço do plano da burguesia de descarregar a crise nas costas dos trabalhadores, mas é necessário observar com atenção todo o caso, principalmente pelo que ele desencadeou.

No dia 4 de janeiro, começou uma greve por tempo indeterminado. Fizeram piquetes, elegeram um comitê de greve, lançaram um fundo de greve, formaram uma comissão de mulheres e foram visitar outras empresas. Assim, os trabalhadores conseguiram uma greve de solidariedade de 48 horas nas fábricas da Total na Normandia e outras cidades. "Reacender o fogo da solidariedade" foi o grito de guerra. Nós também o tornamos nosso.

Esta semana eles foram os protagonistas do “dia interprofissional” convocado por algumas centrais e sindicatos (CGT, FSU, Solidaires, UNEF, UNL), que lideraram a marcha em Paris.

Vale a pena se deter no "método Grandpuits" para fazer uma boa análise e pensar em como lutar:

Terça-feira, dia 9, é um dia chave para negociações. Enquanto isso, eles continuam sendo um exemplo. Como disse Anasse Kazib, ferroviário e também líder do CCR, “quando você levanta a cabeça, dá força a todos os trabalhadores que estão esperando que uma faísca exploda”.

4. Brasil: vacinas para todos

“Sou funcionária há 23 anos, mas eles não me vacinaram, não entrei na lista de prioridades”. Quem fala é uma funcionária do Hospital Universitário de São Paulo, Brasil. Eles receberam 200 vacinas para 2 mil funcionários.

Não são poucos. O critério de vacinação foi discriminatório. Para os terceirizados não houve vacinas. “Nossa vida vale menos”, disse uma faxineira ao Esquerda Diário. A maioria das trabalhadoras terceirizadas é precária, composta por mulheres negras.

Por outro lado, a luta não fez distinção entre trabalhadores. Dentre eles havia brancos, efetivos e vacinados, que aderiram a greve em apoio a seus colegas. Com uma primeira investida, conseguiram 500 doses. Eles continuaram ativos e conseguiram mais 800, enquanto defendem a bandeira que diz: "vacinas para todos". E continuam a lutar.

O Brasil é um dos países mais afetados pela covid-19. O outro vírus é o ajuste econômico. Já são 14 milhões de desempregados e as grandes empresas como Ford, Petrobras, Banco do Brasil, Correios e aplicativos de entrega aproveitam para levar adiante diversos ataques. Por isso, a luta no Hospital da USP é um grande exemplo.

5. Mianmar: da linha de frente contra a pandemia à linha de frente contra o golpe militar

A enfermeira levanta seus três dedos. Imita Katniss, a protagonista de Jogos Vorazes. Na saga, o gesto de despedida acaba se tornando um símbolo de rebelião contra os ricos que vivem protegidos por um exército.

Yangon se tornou o epicentro dos protestos contra o golpe. Na segunda-feira passada, o exército alegou "fraude" nas eleições que foram vencidas com esmagadora maioria pela Liga Nacional para a Democracia. Em nota no Esquerda Diário explicamos quem é quem na crise.

Na quarta-feira, 1.000 profissionais de saúde entraram em greve em 70 hospitais de todo o país. Eles convocaram uma conferência. “Não podemos aceitar a ditadura” , disse o doutor Htet Paing, rodeado de seus companheiros, com uma cara séria e dedos levantados. "Exigimos que todos os detidos sejam libertados."

São eles que enfrentam a batalha contra o COVID-19 em condições difíceis.

Com essa autoridade, apelaram à desobediência civil que está se espalhando pelo país. Os professores paralisaram nesta sexta-feira, assim como alunos, grupos de jovens e trabalhadores do setor público e privado. Nos bairros há panelaços e buzinaços. “Não vamos mais trabalhar com eles no poder. Queremos pôr fim ao golpe militar”, dizem.

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Como dissemos antes: essas lutas devem ser acompanhadas de perto e apoiadas. O vírus não tem fronteiras. Nem o plano dos capitalistas. Por que a classe trabalhadora deve ter?