O sistema carcerário brasileiro é um retrato incontestável do racismo institucional e esmagador do Estado brasileiro. 67% dos presos são negros. Cerca de um terço dos que estão atrás das grades nunca foram julgados, e muitos continuam presos mesmo depois de terem cumprido a pena.

Rafael Braga tornou-se um ícone desse sistema injusto após ser o único entre centenas ou até milhares de presos nas manifestações de junho de 2013 a ter permanecido atrás das grades, enfrentando processo judicial em regime fechado. Além desse escandaloso tratamento diferenciado dado a Rafael, nitidamente por ser ele negro e morador de rua, o mais incrível foi o “crime” cometido por ele: portar um frasco do produto de limpeza Pinho Sol, que, segundo o julgamento proferido pelo juiz Guilherme Schiling, era um “artefato explosivo”. O laudo feito pela polícia no produto, à base de álcool, dizia que ele possuía “mínima aptidão para funcionar como coquetel Molotov.”

Sim, claro: quantos manifestantes já não usaram seus perigosos frascos de produtos de limpeza para agredir a polícia e perturbar a ordem desse justo sistema social? Em um de seus relatos sobre o que ocorreu no dia de sua prisão, Rafael disse: “Os policiais me chamaram (‘vem cá moleque’) e atendi. Começaram a me dar porrada e depois me levaram para a cela da Delegacia da Criança, perto do casarão onde eu deixava as minhas coisas. Me tiraram uma hora e meia depois, mais ou menos, e quando cheguei na 5ª DP, a garrafa de Pinho Sol não tinha mais a cor do produto. Estava com uma cor mais clara e um pedaço de pano na boca da garrafa. Eles forjaram. Não sei por que tiveram o prazer de mentir e fazer isso comigo.”

A condenação de Rafael foi a cinco anos e dez dias em regime fechado. Em outubro de 2014, após mais de um ano encarcerado por essa farsa jurídica e a despeito de mobilizações de organizações de esquerda e de direitos humanos de todos os tipos, foi concedido a ele o regime semiaberto por “bom comportamento”.

Logo depois, um novo capítulo da bizarra demonstração de como a justiça funciona: seu advogado postou uma foto de Rafael em frente ao muro da casa de detenção onde cumprta a pena com a seguinte legenda: “Você só olha da esquerda pra direita, o Estado te esmaga de cima para baixo.” Em decorrência disso, a diretora do Instituto Penal condenou Rafael a dez dias na solitária por haver infringido o artigo 59 do regulamento, que diz ser passível de punição “veicular de má-fé, por meio escrito ou oral, crítica infundada à Administração Prisional”.

Mas se você acha que acaba por aí, está enganado: em janeiro desse ano, Rafael foi à padaria. A tornozeleira que monitora todos os seus movimentos o acompanhava. Ele foi, subitamente, detido por dois policiais da UPP da comunidade Vila Cruzeiro, onde mora, e que o acusaram de envolvimento com o tráfico. “Os policiais já chegaram xingando, pondo a mão no peito dele, dizendo que ele era bandido, para ele falar logo que era bandido, e ele dizia que não, que era trabalhador”, conta o advogado Lucas Sada, do Instituto de Defensores de Direitos Humanos (IDDH).

Boletim de Ocorrência feito após nova detenção de Rafael.

Levado a um beco, Rafael foi torturado pelos policiais com socos no estômago e ameaça com um fuzil. Incriminaram Rafael com um saco contendo um rojão e 0,6 g de maconha, 9,3 g de cocaína, e disseram que o estuprariam, gritando ‘fala se não a gente vai te comer!’, se ele não admitisse que o material plantado era seu. Ele foi levado à delegacia, onde o delegado se recusou a ouvir uma testemunha que presenciara todo o ocorrido, e o mesmo ocorreu com o juiz da audiência de custódia, o que fez com que Rafael fosse transferido para o presídio de Água Santa.

Nesta terça-feira, 12 de abril, ocorreu a primeira audiência do caso, e também um protesto organizado em defesa de Rafael Braga. A súmula 70 do código penal diz que: "O fato de restringir-se a prova oral a depoimentos de autoridades policiais e seus agentes não desautoriza a condenação". O que, na prática, determina que a palavra dos policiais que forjaram o flagrante é prova suficiente contra Rafael, como na primeira vez em que foi preso.

Na audiência de hoje foram ouvidas duas testemunhas: um dos policiais que prendeu Rafael e a testemunha de defesa, que viu que ele não possuía nenhum dos itens plantados pela polícia. O outro policial não foi ouvido por está de licença médica, e prestará depoimento apenas na próxima audiência, marcada para o dia 11 de maio.

Não podemos admitir que Rafael Braga continue atrás das grades. É tarefa de todos os que lutam contra o racismo e a violência policial lutar para que ele seja libertado e todas as acusações sejam retiradas, bem como pela punição de todos os policiais envolvidos nos flagrantes forjados e os juízes responsáveis pela condenação de Rafael.

Veja informe de um dos advogados que cuida do caso de Rafael a respeito da audiência de hoje: