*Contribuição sobre o debate da efetivação dos trabalhadores e trabalhadoras terceirizadas sem necessidade de concurso público ou processo seletivo para discussão na reunião da Coordenação Nacional da CSP-Conlutas que irá ocorrer no próximo dia 06 de novembro. Este texto sintetiza as posições do Movimento Revolucionário de Trabalhadores e do grupo de mulheres Pão e Rosas.

Nesta breve contribuição buscaremos sintetizar o problema da terceirização do trabalho no Brasil e qual é o programa que a CSP-Conlutas deveria levantar diante desta situação.

Para um breve resgate histórico, vamos relembrar que em 1995, primeiro ano do governo FHC – coalizão entre o PSDB, DEM (ex-PFL), PPS e PMDB, havia 1,8 milhão de terceirizados formais no país. Esse período se caracterizou como a instauração acelerada da terceirização em diversos ramos da economia, incluindo a administração pública.

Porém, nos primeiros dois anos do governo Lula, em 2005, os terceirizados já eram 4,1 milhões, um crescimento de 127%. Pode-se deduzir que Lula assumiu seu primeiro mandato, em 2003, recebendo uma “herança” de menos de 4 milhões de terceirizados. Depois dos dois mandatos de Lula e o primeiro de Dilma Rousseff, o número de terceirizados chegou a 12,7 milhões, em 2013, um aumento de 217% em oito anos. Se FHC e os tucanos foram contra os trabalhadores, os governos Lula e Dilma não ficaram devendo nada.

Segundo estudo da própria Central Única dos Trabalhadores (CUT) e do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), esses 12,7 milhões de terceirizados representam (26,8%) do mercado de trabalho formal, recebiam, em dezembro de 2013, 24,7% a menos do que os que tinham contratos diretos (efetivos) com as empresas, trabalham três horas semanais a mais que os efetivos e estão mais suscetíveis a acidentes e morte no trabalho. De cada 10 acidentes de trabalho, no país, oito são com terceirizados.

O caso da Petrobrás é ilustrativo. A presidente Dilma presidiu o conselho de administração da empresa de 2003 a 2010. De 2005 a 2012, o número de terceirizados cresceu 2,3 vezes na Petrobrás e o número de acidentes de trabalho cresceu 12,9 vezes. Nesse período, 14 trabalhadores efetivos (próprios da empresa) morreram em acidentes. Entre os terceirizados foram 85 mortes.

A terceirização, além de incrementar a superexploração dos trabalhadores e elevar os lucros dos empresários, concorre diretamente para garantir aos governantes e funcionários políticos a “cobertura legal” para fazer contratos de negócios com centenas de empresas prestadoras de serviços e vendedoras de suprimentos, se constituindo na principal fonte de corrupção, como se vê na Petrobrás, envolvendo empresas privadas “contratadas” de todos os portes. A extensão e profundidade da terceirização explicam o nível de corrupção “em escala industrial” que temos visto nos governos do PT, garantindo novas fontes de lucro para essas empresas e renda “extra” para os funcionários políticos – parlamentares, dirigentes partidários, assessores e governantes. O PL 4330 veio para ampliar esse propósito, ampliando a terceirização também para as atividades-fim, o que é um grande ataque. Porém, o ataque da terceirização já vem ocorrendo há muitos anos e com aval de muitos setores.

Este cenário desnuda por completo o papel das centrais sindicais, principalmente a CUT, mas também os parlamentares e membros do PT (e seus aliados do PCdoB) que se calaram diante de tamanha violência capitalista contra os trabalhadores. Na verdade, a CUT, assim como a CTB, sempre defenderam manter a terceirização, exigindo apenas que fosse “regulamentada”, conservando a divisão dos trabalhadores em “efetivos” e “terceirizados”, com direitos e salários rebaixados, tudo para favorecer os capitalistas. Por isso é impossível acreditar no discurso dos burocratas da CUT e do PT de que estão, junto com Dilma, contra o PL 4330 e a terceirização.

O Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, principal sindicato da CUT, vem há anos tentando impor um acordo com os patrões das grandes montadoras de automóveis que significaria, na prática, acabar com as mínimas proteções legais contidas na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). O famigerado ACE (Acordo Coletivo Especial) proposto por esses sindicalistas da CUT e do PT definia que os acordos feitos pelos sindicatos diretamente com as empresas valeria acima dos direitos contidos na CLT. Atualmente é o Programa de Proteção ao Emprego, que reduz a jornada com redução salarial, o novo programa que a CUT está implementando nas fábricas, como parte do plano de ajustes do governo Dilma-Lula. Na prática, as burocracias sindicais nestes 12 anos de governo Dilma-Lula cumpriram um papel de contenção do movimento operário de massas garantindo que estes ataques fossem passando aos poucos, resultando no estrondoso número de 12,7 milhões de terceirizados.

Esta situação coloca um problema estratégico para o movimento operário brasileiro. Que programa levantar? Nós viemos insistindo que o programa levantado especialmente pela CUT é completamente equivocado, pois pretende “regulamentar” pra manter a terceirização existindo, quando devemos acabar com ela. Outras centrais sindicais que sequer citamos aqui cumprem o papel de garantir a terceirização sufocando as inúmeras lutas operárias que surgiram de setores terceirizados – que além de tudo não contam com a organização sindical – se utilizando muitas vezes de “bate-pau” para esmagá-las. Mas há muitos setores na própria esquerda que, em nome da “ética do concurso público” defendem que o programa para acabar com a terceirização é a abertura de concursos públicos e que todos os terceirizados que estão atualmente trabalhando em contrato precário deveriam prestar este concurso também.

O problema central aqui é que esta resolução desconsidera a situação atual dos trabalhadores terceirizados (condições de vida). Impor concurso público para os terceirizados significa diretamente a demissão em massa de milhões de trabalhadores. Se não fosse assim o que explica que os terceirizados são terceirizados e não estão trabalhando atualmente como funcionários públicos efetivos? Os concursos públicos se por um lado buscam garantir uma padronização na captação de novos funcionários, também terminam sendo um filtro que restringe a entrada de setores que tiveram menores possibilidades de estudo e condições de vida mais precárias.

Nós partimos de uma visão que os terceirizados ao cumprirem suas funções na prática, ou seja, o fato de estarem exercendo elas significa que não necessitariam fazer uma prova para “comprovar” sua capacidade de exercer algo que já está exercendo. Na realidade, quem passou por cima do “concurso público” foram as instituições públicas que decidiram terceirizar. Terminaria sendo hipocrisia jogar as preocupações com o nepotismo ou o famoso "quem indica" como argumento para impor aos terceirizados a escolha entre o trabalho precário ou o desemprego. Como poderiam os sindicatos de esquerda dizer aos trabalhadores que "para trabalhar recebendo metade ou um terço do salário, vocês serviram, mas agora que conquistamos a substituição por efetivos, para trabalhar em condições mais decentes, não servem mais”? Neste sentido, a resolução imediata do problema, que deveria ser encarada como uma “reparação” a estes 12,7 milhões de terceirizados, seria assumir a realidade de que eles já cumprem tal serviço e portanto não precisariam comprová-lo, passando a serem considerados como efetivos de tal instituição. A igualdade de direitos e salários com certeza lhes concederá condições de igualdade para melhor desempenhar suas funções.

Esta posição política foi construída em muitos anos de prática na luta de classes, em especial na Universidade de São Paulo com a atuação do Sindicato dos Trabalhadores da USP, onde dezenas de greves de trabalhadores terceirizados estouraram e puderam contar com o apoio ativo de um Sindicato que contém em seu estatuto a definição de que o terceirizado também deve ser considerado sua base, defendendo assim o programa de efetivação de todos sem necessidade de concurso público. Ao mesmo tempo, o Sintusp levanta a igualdade de direitos imediata (restaurantes, circular, hospital, esporte). As diversas greves com as quais nos deparamos em geral tinham como pauta o pagamento dos salários, pois muitas das empresas terceirizadas contratadas pela USP simplesmente sumiam e deixavam os trabalhadores na mão. Na maioria destas lutas a força dos trabalhadores terceirizados, com apoio do Sintusp, de intelectuais e estudantes, conseguiu impor o pagamento dos salários. Porém, em meio a esta luta uma lição foi tirada: não é possível que a cada ano tenhamos que lutar pelo elementar pagamento dos salários, é preciso acabar com a terceirização. E para acabar com a terceirização sem “demissão em massa” dos terceirizados, é preciso que sejam efetivados. Essas lições foram amplamente debatidas entre trabalhadores da USP, estudantes, professores e até mesmo juízes do trabalho como o Professor Jorge Luis Souto Maior que passou a defender esta posição depois de atuar lado a lado com as trabalhadoras em greve.

Alguns setores da esquerda rechaçam este programa dizendo que vai significar a volta do “trem da alegria” (como se ele tivesse acabado) ou a possibilidade de “terceirizados milionários” serem efetivados. Quanto a estes argumentos, nos parece que não tem nenhuma força de contraposição com a defesa geral. Por acaso há 12,7 milhões de “terceirizados milionários” no nosso país? Quem são e onde estão? Obviamente que o programa da efetivação está destinado a resolver um problema das grandes massas operárias do país, diga-se de passagem com rosto de mulher, mulher negra, nordestina, imigrante. Inclusive uma lei que defenda a efetivação dos terceirizados poderia ter dispositivos que inibissem qualquer forma de corrupção ou benefício de setores que estão se apropriando das instituições públicas, como os “terceirizados milionários”. Entretanto, colocar isso como um argumento para na prática não defender a efetivação significa virar as costas para os 12,7 milhões de terceirizados que em sua maioria ganham menos que o salário mínimo em nosso país.

Defendemos que a CSP-Conlutas vote imediatamente levantar com centralidade o programa de efetivação de todos os terceirizados e terceirizadas sem necessidade de concurso público ou processo seletivo.