Um apoiador do Partido Bharatiya Janata (PBJ) usando uma máscara do Primeiro Ministro Indiano Narendra Modi festejando no dia de divulgação dos resultados da eleição geral da Índia. Manjunath Kiran/AFP/Getty Image

Artigo de Raju J. Das, publicado na tribuna aberta do Left Voice

A virada da Índia para a direita, como em outros lugares do mundo, está sendo causada pela crise econômica e política da burguesia. A contínua crise do capitalismo na era neoliberal está produzindo, de forma generalizada, privação econômica, alienação, desemprego, estagnação salarial e angústia de pequenos produtores rurais.

Essa situação econômica e política, combinada com a falta de uma visão alternativa, permitiu que o Partido Bharatiya Janata (PBJ) implantasse uma narrativa ideológica Hindu-nacionalista e um culto à personalidade do seu líder, Narendra Modi, para mobilizar apoio em massa, particularmente apoio Hindu.

Sobre o PBJ

Em 2019, o PBJ adquiriu um mandato avassalador nas eleições Lok Sabha. Conseguiu 303 cargos por conta própria, de um total máximo de 542 cargos, e se estabeleceu como o partido mais favorecido dos Capitalistas indianos. O Partido do Congresso Nacional Indiano, que governou a Índia por 55 dos últimos 72 anos de independência, venceu apenas 52 cargos. Enquanto isso, a Frente de Esquerda foi decimada eleitoralmente, vencendo apenas 5 cargos em toda a nação. Desses 5 cargos, o maior partido comunista da Índia, o Partido Comunista da Índia (Marxista) [ou PCI(M)] venceu apenas três.

Um partido pró-negócios e Hindu-nacionalista, o PBJ é afiliado à União Democrata Internacional, uma aliança global de partidos de direita que inclui os Conservadores Britânicos. O PBJ fez campanha nas últimas duas eleições sob a liderança de uma pessoa, Narendra Modi. Modi apareceu em cena em um mndo pós 11 de Setembro que estava nas garras de uma violenta Islamofobia. O comunalismo endurecido de Modi se encaixou bem neste clima global. Em 2002, pelo menos 1.000 cidadãos muçulmanos foram massacrados por multidões Hindus no estado de Gujarat, onde Modi dirigia o governo. Muitos, incluindo indivíduos da sua própria administração, acreditam que Modi permitiu deliberadamente a chacina. Os Muçulmanos não foram apenas deixados desprotegidos, como também após os motims não foram disponiblizadas instalações de socorro adequadas para as vítimas. Ao se referir às mulheres afetadas pelos motims anti-Muçulmanos, Modi disse: “Devemos administrar centros de ajuda, centros abertos produtores de crianças?” Um jornalista disfarçado que cobria os motims disse, “Eu conheci alguns dos principais burocratas e oficiais que trabalharam para o Sr. Modi em 2002. Eles confessaram sua cumplicidade nos motims de Gujarat; um se gabou para mm que o Sr. Modi deixou a violência piorar, para que isso o ajudasse na sua reeleição” (Ayyub, 2019).

Modi herdou seu comunalismo do RSS (Rashtriya Swayamsevak Sangh ou Corpo Voluntário Nacional), o qual ele entrou quando menino e mais tarde trabalhou em período integral. Estabelecido em 1925 (o mesmo ano em que o PCI veio a existir), o RSS – cujo braço político é o PBJ – é uma organização fascista que adquire inspiração do Nazismo (ver Ahmad, 2015-172-174). Nos seus primeiros anos, quando o país estava em meio a uma feroz luta anticolonial, o RSS considerou os Muçulmanos como maiores inimigos que o governo colonial Britânico e tiveram pouco envolvimento no movimento libertário da Índia. Como um homem comprometido do RSS, Modi acredita na ideia de tornar a Índia em um estado Hindu teocrático, parte do projeto fascista. Para ser claro, como Harman (2004) diz, “a palavra ‘fascismo’ é frequentemente usada de maneira muito leve.” Entretanto a Índia ainda não tenha se tornado fascista, há tendências fascistas que estão se tornando mais fortes, graças as forças do PBJ/RSS.

Além disso, como ministro-chefe de Gujarat, Modi promoveu abertamente as piores formas de capitalismo neoliberal. Disfarçado de desenvolvimento, ele desenrolou um processo que supervisionou a transferência de recursos públicos (como por exemplo terrenos e empréstimos de bancos estatais) para grandes negócios e a supressão de direitos democráticos de trabalhadores. Modi vive por dois lemas: “O Governo não tem nada de ser negócio” e “Mínimo governo e máxima governância.” Ele tenta estabelecer em escala nacional seu modelo Gujarat – uma combinação de comunalismo insensível e capitalismo cruel em sua fachada neoliberal nua. Alguns vêem nele dois Modis diferentes: um Modi comunal-fascista e um Modi amigável aos negócios. Por exemplo, o notório escritor Arundhati Roy uma vez disse isto sobre Modi: “De ser este sujeito sacarino abertamente comunal, cuspidor de ódio, ele passa a vestir o terno de um homem corporativo, e, vocês sabem, agora tenta atuar no papel de um estadista, o qual ele não está conseguindo, na realidade.” (citado em: Smith, 2014). Na verdade, estes são apenas dois lados da mesma moeda, pintados com a falsa imagem de estadista.

Partido do Capitalismo

O governo de 2014-2019, liderado pelo PBJ, foi um dos piores governos nos 70 anos da Índia pós-colonial. Além da desaceleração econômica, houve a maior taxa de desemprego dos últimos 45 anos, estagnação salarial, aumento na desigualdade econômica e uma crise rural sem precedentes, com fazendeiros esmagados por dívidas e desapropriação coercitiva resultando em um ascendente número de suicídios. Também, houveram ataques aos direitos democráticos. Ainda assim, o governo foi reeleito. Porquê e como?
Durante este período houveram protestos massivos de fazendeiros. Milhões de trabalhadores aderiram à greves de nível nacional organizadas por partidos de esquerda, incluindo uma nos dias 8 e 9 de janeiro de 2019, onde entre 150 e 200 milhões de trabalhadores participaram, tornando-se a maior greve do mundo naquele momento. Ainda assim, a raiva dos trabalhadores à nível de ação sindical não foi expressa politicamente como votos contra o PBJ. Na verdade, muitos dos eleitores que apoiam a Esquerda votaram à favor do PBJ em algumas regiões.
Entre a crise econômica e a crise de lucros, a classe de negócios estava ansiosa para reformas pró-investidores que aumentariam seus lucros. Eles financiaram a eleição do PBJ. A máquina eleitoral do PBJ também fez uso total de instituições coercitivas e ideológicas estatais e não estatais (por exemplo a RSS), um processo que contribui para a gradual e desnivelada emergência de um estado fascistizante.

Com a crise da capacidade de lucros, e quando o capital financeiro pode se movimentar rapidamente para dentro e fora de um país, o estado capitalista busca gastar menos tempo em processos democráticos e acelerar o processo de tomada de decisão. Decisões que favorecem capitalistas devem ser tomadas mais rapidamente e com ausência de oposição, incluindo oposição que vem debaixo. Isso cria condições para a emergência de políticos de personalidade, que por sua vez produziu um sistema presidencial na prática, e que contribuiu para a vitória do PBJ em linha com a agenda corporativista. As políticas da personalidade são um aspecto do Bonapartismo, permitindo uma pessoa (como por exemplo, Modi) e as pessoas devotas àquela pessoa tomarem rapidamente decisões pró-negócios parcialmente por controlar todas as partes do estado, incluindo a imprensa, e pelo corporativismo. É importante relembrar de alguns pontos de Trotsky (1934) aqui. Ele diz: “entre democracia parlamentar e o regime fascista uma série de formas transicionais emerge, uma delas o Bonapartismo, que representa o governo dos mais fortes e as partes mais firmes dos exploradores.” Ele adiciona: “o Bonapartismo dos dias de hoje pode ser nada mais do que o governo do capital financeiro que direciona, inspira e corrompe os picos da burocracia, da polícia, da casta de oficiais e da imprensa.”

A agenda do PBJ/RSS e a reeleição do governo do PBJ deixam claro que o efeito objetivo de tudo isso é desviar a atenção política da classe de negócios. Seu plano é ter o efeito objetivo de dividir as pessoas na base da religião e unir trabalhadores e exploradores Hindu sobre o nacionalismo Hindu. A dupla fascista portanto beneficia a classe capitalista. Quando aqueles do RSS e do PBJ, incluindo Modi, falam sobre a tarefa de erguer os Hindus de séculos de escravidão sob o domínio Muçulmano e Britânico, nem sequer uma palavra é dita por eles sobre o fato de que a nação de camponeses, trabalhadores e minorias oprimidas são escravos do 1% da população agora mesmo.

Assim como o capitalismo tem se escondido atrás de coisas como o neoliberalismo e ainda capitalismo piedoso, tendências fascistizantes têm se escondido atrás de um véu de políticas burguesas vis e serviço social burguês. A reeleição do PBJ é ajudada e se alimenta da crença comunalista enganosa de que os problemas populares são causados por diferenças entre religiões e não pelos processos sociais fundamentais como o capitalismo e as intervenções do estado capitalista.

O Papel da Esquerda e dos “Centristas-Burgueses”

É errado, entretanto, culpar somente o PBJ pela virada à direita da Índia. A falha em proteger os direitos democráticos, incluindo os direitos religiosos e de outras minorias, caracteriza o sistema burgês como um todo.
É a combinação conjuntural de a) uma comunalisação compreensiva do sistema político burguês como um todo, em um contexto de crise econômica e b) a absência de um bloco de oposição de esquerda com princípios para defender os direitos econômicos e políticos das classes trabalhadoras, que tem sido a condição para o mandato massivo que o PBJ recebeu no verão de 2019.

Modi, como seu partido, é autoritário. Mas há uma longa história de autoritarismo e militarismo na Índia antes da ascenção eleitoral do PBJ. A história de cerceamento de direitos democráticos, incluindo de trabalhadores contra seus empregadores ou de camponeses contra arrendadores na Índia, é longa. A resistência das pessoas contra o sistema tem sido esmagada desde a independência, frequentemente com extrema violência. Não se pode ser esquecido de que em Junho de 1975, Indira Gandhi impôs a Emergência, que suspendou a constituição da Índia e durou 19 meses. Considere a greve das ferrovias de 1974 que envolveu quase 2 milhões de trabalhadores, que foi derrotada pelo governo do Congresso na base de que ela era “motivada politicamente” (Frankel, 2005:528-530). O sistema político como um todo tem falhado em proteger direitos democráticos assim como atingir as necessidades econômicas populares.

O estado Indiano (isto é, todo o sistema político burguês) tem falhado sistematicamente em punir aqueles responsáveis por incitar atrocidades comunais contra minorias durante os regimes do Congresso e do PBJ.
Quando no poder, partidos não-PBJ (incluindo a Esquerda na Bengala) fizeram pouco para melhorar as condições econômicas dos Muçulmanos, mesmo que eles eram melhor protegidos contra a violência comunal. Estes partidos não fizeram muito pela representação política dos Muçulmanos também; Muçulmanos constituem 14% da população do país, mas a sua representação no governo permanece abismavelmente baixa em 4,7%, e a maior porcentagem desde 1950 foi menos de 9,5%. Seu fraco senso de secularismo tem dado ao claramente comunal PBJ a chance de desmerecer a legitimidade dos partidos que reinvindicam o manto secular.

O sucesso do PBJ está enraizado na crise capitalista e na necessidade objetiva de responder à potencial e real ameaça da política das massas, e seu sucesso está bem dentro dos limites da burguesia, com suas políticas refletindo a economia bruguesa e relações de classes.

Este artigo foi originalmente publicado no Left Voice, portal irmão do Esquerda Diário. Sua tradução para o português foi feita por Leonardo Masella.