Estávamos acostumados com uma constante alternância entre o termo "onda azul" ou "onda cor-de-rosa" na noite da votação francesa. Desta vez, quem apareceu no quadro eleitoral foi uma onda azul-marinho (que em francês se diz “bleu Marine”, aqui numa alusão à líder da Frente Nacional). O partido, de fato, não deixou de mentir nas pesquisas. Embora houvesse que estudar com precisão o enraizamento e a profundidade da Frente Nacional no eleitorado popular e operário, lamentavelmente, Le Pen não se enganou ao declarar na noite do primeiro turno que “a Frente Nacional é o primeiro partido da França”. O partido claramente lidera em pelo menos seis das 13 regiões e está em estreita ligação com a direita na Normandia (região do noroeste francês).

Além disso, em muitos lugares o Partido Socialista aparece em terceiro lugar, com exceção do oeste na Bretanha e na região Aquitaine-Poitou-Charentes, onde os Socialistas lideram. Mas o fracasso também é doloroso para a direita, que apresenta candidatos de unidade Republicanos-MoDem (coalisão entre o Partido Republicado e o Movimento Democrático de Bayrou) na maioria dos círculos eleitorais. A onda azul não terá vez e a direita não dá valor à desconfiança do eleitorado popular e juvenil com respeito ao governo. A família Le Pen está a um passo de ganhar em Nord-Pas-de-Calais-Picardie (região unificada ao norte) e na Provence-Alpes-Côte-D’azur (também chamada PACA).

Ao que diz respeito às reações políticas, todos foram muito enfáticos na noite de domingo. O Bureau Político dos republicanos tomou uma posição contra qualquer possibilidade de uma fusão ou retirada de suas listas em favor dos Socialistas, seguindo a proposta do ex-presidente Nicolas Sarkozy. O secretário geral do Partido Socialista Francês, Jean-Christophe Cambadélis, veterano em manobras de todo o tipo a serviço do Palácio do Eliseu (sede da Presidência da França) e do Matigon (residência oficial do Primeiro Ministro). Cambadélis arrisca tudo pelo poder: a direção do PS irá tentar transformar uma derrota total em “uma derrota que seja menos má”, assim limitando os estragos.

O PS anunciou, sem consultar localmente os seus candidatos, que estava retirando suas listas em Nord-Pas-de-Calais-Picardie e em PACA em nome da “oposição republicana”, nova denominação da “frente” com o mesmo nome e com quem estão comprometidos. Mas para Cambadélis, o sacrifício não deveria ser em vão.

Dramatizando essa retirada e fazendo pesar sobre a direita a responsabilidade de recusar qualquer "retirada, acordo técnico ou abordagem”, o PS pode justificar a sua manutenção em todas essas regiões, onde está na terceira posição, e onde espera ter uma nova mobilidade do eleitorado de esquerda no dia 13 dezembro; bem como um relatório de votos de suas "reservas", frente ao anuncio de apoio ou unidade dos componentes dos partidos Front de Gauche (Frente de Esquerda) e do EELV (Europa Ecologia – Os Verdes), quando a barreira dos 5% foi aberta para as listas da esquerda governamental. O assunto dá uma reviravolta mais complicada para a direita que apresentava listas unificadas desde o primeiro turno e que dispõe de poucas reservas.

Mas independente desse calculo político-eleitoral, muitos são os socialistas responsáveis por esse “21 de abril” regional. Na França, desde essa data a expressão significa a eliminação eventual (em uma eleição presidencial) do candidato principal da esquerda ou da direita, em favor do candidato da Frente Nacional ou, de um terceiro candidato menos favorito. A FN teve sua melhor pontuação de todos os tempos, duplicando ou até, talvez, triplicando seus resultados de 2010. Mas são os socialistas (e acessoriamente à direita quando estava no poder) que criaram o monstro, com sua política antipopular de austeridade, ligada nesses últimos tempos, a uma reviravolta ultrarreacionária que se fortaleceu logo depois dos atentados de 13 de novembro em Paris. A partir de agora, o presidente, François Hollande começa a vasculhar o programa da FN para adiantar suas propostas de “luta antiterrorista” que não protegem de nenhuma maneira contra o terrorismo, mas que para Hollande tem o mérito de reforçar a vigilância policial generalizada da população e de dividir nossa classe.

Em todas as regiões a “esquerda da esquerda”, mostra sua subalternidade total com respeito a essa esquerda do governo da qual era solidária, até ontem liderada pelos executivos regionais e a quem tem dado mostras de boa conduta votando pelo estado de emergência e seu prolongamento, e “uivando com os lobos”; quando os manifestantes do dia 29 de novembro foram presos e detidos provisoriamente. Pierre Laurent como as demais figuras do Front de Gauche chamam, sem hesitar, os eleitores a votarem pelo Partido Socialista em todos os lugares onde seja possível, inclusive chama a votar por Christian Estrosi, o intendente racista de Niza, ou Xavier Bertrand, o “senhor trabalho” de Chirac e Sarkozy, no norte.

No primeiro turno e mais além de nossas divergências políticas, nós convocamos os eleitores a votarem pelas únicas listas que englobam uma independência politica dos trabalhadores, as listas de Lutte Ouvrière (luta operária). Frente ao fortalecimento subsequente da erosão do quadro politico-institucional, diante de uma direita que vai rebocar a extrema direita e uma esquerda no governo que aplica de maneira conjunta o programa de Medef (Movimento de Empresas da França - Patronal) e do FN; não cabe aos trabalhadores e trabalhadoras, nem aos jovens conscientes decidir quem, direita ou esquerda, deverá subir ao poder nos municípios no dia 13 de dezembro; se de qualquer maneira irão nos hostilizar mais ainda. Estamos tratando da defesa da nossa classe que deve estar organizada e construindo uma alternativa política radicalmente antissistema, anticapitalista e internacionalista. E esse objetivo não pode ser levado adiante no segundo turno, a não ser através da abstenção do voto ou votando em branco.