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Crise climática | Seca nos rios Negro e Solimões revela tragédia capitalista de queimadas na Amazônia e avanço do agro

terça-feira 17 de outubro de 2023 | Edição do dia
Foto: Terra

O rio Negro atingiu nesta segunda (16) o nível mais baixo em 120 anos de medição em Manaus, quebrando o recorde negativo de 2010 e confirmando a seca de 2023 como a mais severa dos últimos tempos na amazônia brasileira. Segundo o Porto de Manaus, analisados e estudados pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), a cota do rio ontem foi de 13,59m. Em 24 de outubro de 2010, a cota foi de 13,63 m, o pior registro até ontem. No ano passado, o dia mais seco do rio em Manaus foi 28 de outubro, quando a cota foi de 16,19. No ano de 1963 também houve um momento em que o rio ficou abaixo de 14m, em 30 de outubro, com 13,64 m.

No médio Solimões, igarapés secaram completamente, com comunidades ribeirinhas e indígenas buscando água potável por quilômetros com galões de água nos ombros, porque as embarcações não conseguem acessar. Nas Terras Indígenas Porto Praia de Baixo e Boará/Boarazinho, na região de Tefé, o Solimões virou um deserto, com bancos de areia a perder de vista, segundo a Folha de S.Paulo. Os povos originários não conseguem escoar as produções de farinha e banana e o consumo da água parada em igarapés provoca surtos de diarreia, vômito, febre e dor de estômago.

Isso se deve, em enorme parte, às queimadas na Amazônia promovidas pelo governo Bolsonaro, em benefício do agro e do capital estrangeiro. Suas declarações incendiárias e suas ações de flexibilização do código ambiental jogaram gasolina na sanha de lucro dos ruralistas da soja. É também resultado de anos e mais anos em que todos governos, de FHC a Lula e Dilma, deram muitos bilhões ao agronegócio, que quer mais e mais terras para pastagens e soja.

As queimadas foram organizadas consciente e criminosamente pelo latifúndio: houve um “dia do fogo” em 2019 publicado e convocado por jornais do sudoeste do Pará. A região que mais teve queimadas foi a da BR-163, que liga o norte de Mato Grosso a portos no Pará, justamente a estrada que Bolsonaro tanto propagandeou estar asfaltando, em uma política de governo que sempre constava nos editoriais da grande mídia como uma das realizações do governo reacionário.

De acordo com os dados do Programa Queimadas do Inpe, as queimadas em todo o território nacional aumentaram 82% em 2018, em relação ao mesmo período de 2018, e mais da metade destes focos estavam na Amazônia.

Essa política de devastação ambiental representa a combinação dos interesses provenientes da ganância ilimitada dos ruralistas, potencializada pela mentalidade obscurantista e reacionária da extrema-direita, que refutou o próprio conhecimento científico ao negar o aquecimento global e afirmar o terraplanismo.

Mas é a conciliação de classes que fortaleceu a extrema-direita. Sob os governos anteriores do PT, os grandes ruralistas tiveram porta-vozes destacados nos ministérios, por exemplo com a ex-presidente da CNA, Kátia Abreu (ex-PDT, atual PP), e amplo estímulo para expandir seus latifúndios, com a disponibilização de enormes financiamentos para seguir aumentando as safras recordes que teriam como destino abastecer os vorazes mercados chineses. Enquanto o agronegócio representava 12% do PIB em 1984, tendo caído a 6% em 1993 – subindo novamente sob FHC a níveis próximos do final da ditadura – aumentou vertiginosamente nos governos do PT, alcançando 23,5% do PIB em 2015, mesma porcentagem encontrada em 2017. Essa nova fração do agronegócio teve importante atuação para a aprovação do golpe institucional, tornando-se uma das forças protagonistas da reacionária agenda golpista que encontrou em Bolsonaro, ainda que um herdeiro ilegítimo, um aliado para a aplicação dura dos ataques econômicos e retrocessos ambientais que tomaram o país.

Outro aspecto importante a ser destacado é a conexão com os interesses dos capitalistas estrangeiros. O agronegócio de grãos no Brasil é completamente cartelizado por traders imperialistas que dominam a distribuição de sementes transgênicas, agrotóxicos, fertilizantes, os silos, a logística e depois sua comercialização. As quatro traders que dominam o país são as americanas Cargill e ADM, a francesa Dreyfuss e a holandesa Bungee. Essas 4 empresas sozinhas detém 80% do comércio de soja do Mato Grosso, mas encontram crescente concorrência da chinesa COFCA, da russa Sodrujestevo, da japonesa Mitsui e do grupo Amaggi, de Blairo Maggi, ex-governador de Mato Grosso. Essas empresas comercializam sementes produzidas por empresas de capital europeu, como a alemã BayerCropScience que adquiriu a francesa Monsanto. Até mesmo o supostamente ecológico capitalismo norueguês lucra com a devastação brasileira, a maior empresa de fertilizantes do mundo, a estatal norueguesa Yara, tem mais de 25% de seu faturamento mundial no mercado brasileiro.

Hoje, o governo Lula-Alckmin quer mais margens de negociação pelos nichos de exploração neo-extrativistada Amazônia e o projeto de extração de petróleo em sua foz, junto a outros projetos como o Vale do Lítio de Minas Gerais. Novamente: é inquestionável que os imperialismo da UE e EUA devastam o planeta com suas multinacionais e fazem ecodemagogia nas cúpulas climáticas, fóruns internacionais, acordos comerciais e através do crescente greenwashing. Entretanto, não se pode combater o ecocídio imperialista explorando petróleo na foz do Amazonas, apostando em uma transição energética marcada pela preservação da lógica destrutiva da produção capitalista e por fora de medidas como uma reforma agrária radical que desaproprie o grande latifúndio a favor dos pequenos camponeses, trabalhadores rurais e povos indígenas.

É necessário impor a imediata suspensão de todos os repasses financeiros bilionários do plano Safra aos latifundiários e sua imediata aplicação em planos de combate ao incêndio, reflorestamento e gestão das florestas. É necessário uma reforma agrária radical que desmantele o latifúndio no país, distribuindo terra a quem deseja nela trabalhar, que garanta autonomia e integralidade das terras indígenas e quilombolas, e integre as pequenas propriedade de cinturões verdes nas cidades, com os pequenos proprietários no campo, com grandes fazendas e fábricas sob controle dos que nela trabalham. Frente aos bilhões de dólares exportados anualmente em soja, milho e carne às custas de devastação ambiental e humana, é preciso levantar uma campanha pela estatização sem indenização de todas traders e seus bilionários recursos financeiros, logísticos e tecnológicos. A posse dessas empresas implicaria em um monopólio estatal do comércio da soja, permitindo que essas riquezas não sirvam apenas a um punhado de imperialistas e latifundiários. Uma empresa estatal, controlada pelos trabalhadores, permitiria o uso das mais modernas tecnologias, hoje empregadas para o lucro e a devastação, para o desenvolvimento humano e de outro metabolismo, orgânico com a natureza e todos povos tradicionais e originários. Esses recursos sob controle dos trabalhadores permitiriam criar institutos de pesquisa junto de cientistas e populações da região para concretizar novas relações entre os seres humanos e destes com a natureza.

Um programa como este, operário e anticapitalista, seria uma poderosa alavanca na luta para os trabalhadores de todo país tomarem em suas mãos a luta por uma reforma agrária radical, junto dos camponeses, quilombolas e povos originários para abolir essa herança colonial e escravocrata do latifúndio, e oferecer terra, crédito e tecnologias a todos que queiram trabalhar nela.

A transformação dessa realidade perpassa por uma mudança radical da sociedade em que vivemos. Não há conciliação histórica possível entre uma produção voltada para o lucro – cuja dinâmica é a acumulação do capital – e qualquer coisa parecida com a utilização racional e ambientalmente correta dos recursos naturais. Somente a organização de uma sociedade emancipada das garras do capital e, portanto, com base nos produtores livremente associados poderá superar a exploração predatória da natureza, a crise climática e a miséria social na qual estamos submetidos.

Saiba mais: Queimadas em meio à seca fazem de Manaus um dos piores lugares do mundo para respirar




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