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MÃOS LIMPAS | Operação italiana que inspira Lava Jato serviu na política mas não contra a corrupção, dizem juízes

Operação que inspirou Lava Jato mudou a política da Itália mas não a corrupção, revelam envolvidos juízes da "Mãos Limpas" em entrevista ao Estadão.

Leandro LanfrediRio de Janeiro | @leandrolanfrdi

domingo 15 de outubro de 2017 | Edição do dia

Foto: Dida Sampaio

Neste domingo o jornal Estado de São Paulo publicou entrevistas com Gherardo Colombo e Piercamilo Davigo, investigadores da operação italiana que é objeto de inspiração política e acadêmica de Dallagnol e Moro. Na entrevista os pretori de assalti como eram conhecidos a turma de Dallagnol e Moro naquele país confirmam como a operação serviu para mudar todo sistema partidário, mas deixar intocada a corrupção. O resultado principal da operação Mãos Limpas foi um aumento repentino das privatizações e mudança da localização da Itália no capitalismo mundial como mostraremos.

Nas entrevistas os italianos também mostram como a Lava Jato é mais repressora e arbitrária que sua operação mãe e ficam surpresos com a concentração de poderes que tem Sérgio Moro e nenhum deles tinha.

Mãos Limpas e uma Itália mais capitalista, mas tão ou mais corrupta

Gherardo Colombo afirma taxativamente que a corrupção continua assolando o país, só teria mudado a forma como ela se relaciona com a política, ele diz: “Eu penso que o nível de corrupção na Itália seja mais ou menos o mesmo. Pessoas corruptas são encontradas em toda parte. Na época, a corrupção era muito ligada ao financiamento ilícito dos partidos políticos. Hoje não é mais assim.” O outro entrevistado deixa transparecer que teria até se agravado a corrupção, mesmo que sob outras formas.

As mudanças na forma da corrupção foram acompanhadas de uma implosão do sistema partidário (preservando figuras e ajudando o mafioso Berlusconi a chegar ao poder), um processo que pode transcorrer com relativamente pouca luta de classes graças ao papel do PC italiano (que também foi afetado) em garantir que os sindicatos não interviessem com uma política própria em meio à crise que abatia o país.

Piercamilio Davigo relata um dos resultados da operação “cinco partidos desapareceram nas eleições. Três deles tinham mais de cem anos. Todavia a mudança foi mais formal que real, no sentido que as pessoas estavam em novas legendas”. Graças a abuso de poder da Mãos Limpas, sua arbitrariedade e o claro interesse de autor-preservação dos políticos corruptos Berlusconi, bilionário mafioso dono do maior conglomerado midiático, pode chegar ao poder para mudar toda legislação e salvar a maioria dos políticos.

É claro que o interesse político de preservação pesou, mas tal como suas contrapartidas tupiniquins os italianos messiânicos só observam falhas nos outros. O resultado da reação dos políticos corruptos continua Davigo, o atual presidente da Corte de Apelações (STF italiano) foi que “muitos processos foram concluídos com sentenças de absolvição não porque os acusados eram inocentes, mas porque as provas colhidas foram anuladas. E o resultado foi a queda de condenações por corrupção. Nos anos 2000, o número de condenações foi um décimo do de 1995. De tal forma, a Itália registra hoje um número de condenações por cem mil habitantes inferior ao da Finlândia, que é o país menos corrupto do mundo.

Nessa entrevista para o Estadão o presidente do STF italiano deixa parecer que a explosão de partidos centenários e tentativa de mudar todo o regime político tenha sido uma conseqüência imprevista, mas não foi isso. Em artigo sobre as Mãos Limpas, Sérgio Moro torna esse resultado um programa político: “A deslegitimação do sistema foi ainda agravada com o início das prisões e a divulgação dos casos de corrupção. A deslegitimação, ao mesmo tempo em que tornava possível a ação judicial era por ela alimentada (...) a deslegitimação foi essencial para a própria continuidade da operação mani pulite.” (“Operação Mãos Limpas: a Verdade sobre a operação italiana que inspirou a Lava Jato”, Porto Alegre: CDG, 2016. Páginas 876-877)

Antes da operação a Itália mostrava uma tentativa de ter uma política (imperialista) própria no Mediterrâneo criando complicações aos planos americanos no Oriente Médio e exibia empresas que competiam em mercados mundiais importantes. Depois da Mãos Limpas, a Itália é um terceiro ou quarto (senão quinto violino) no projeto imperialista da União Européia.

No livro elogiado por Davigo como melhor relato da operação a conclusão que se chega é que o principal resultado duradouro da operação foi um “choque de capitalismo” na Itália. Essa conclusão fica expressa não só na letra do autor mas também em citações de empresários.

A CONSOB, órgão regulador da bolsa de valores italiana não tem a menor dúvida do resultado. No livro que nosso juiz de Curitiba e nosso procurador italiano elogiam como o melhor relato da operação italiana afirma: “Sem a mãos limpas não teria acontecido a reviravolta das privatizações” (Operação Mãos Limpas: a Verdade sobre a operação italiana que inspirou a Lava Jato, página 53). Em menos de três anos da operação já haviam sido privatizados a empresa estatal de petróleo (ENI), bancos, empresas estatais de seguros...

Os superpoderes de Moro e do judiciário brasileiros seriam inconstitucionais na Itália

Aprendendo bem com o exemplo italiano e conseguindo importar mecanismos jurídicos dos EUA e da Alemanha, como a “delação premiada” e a “teoria do domínio do fato” quando alguém pode ser condenado por presunção de conhecimento de um assunto, sem nenhum rigor de provas, o judiciário brasileiro tem poderes que chocam os italianos.

Colombo, ao menos que tange à entrevista, não concorda com prisões preventivas só para arrancar uma confissão ou delação, já Davigo não, parece partir de um pressuposto similar aos magistrados brasileiros: presunção de culpa. Colombo se diz chocado com “super-poderes” de Moro.

Diz Colombo “Notei que o juiz (Sérgio Moro) que fez a investigação contra Lula é o mesmo da sentença e isso me deixou um pouco surpreso porque aqui na Itália isso não poderia acontecer.”

Antes disso ele relata na entrevista como há um sistema, previsto constitucionalmente, com mais garantias e controles maiores que o brasileiro: “Na Itália, existe o Ministério Público que faz a investigação. Há o juiz da investigação preliminar que controla a atividade do Ministério Público e que emite todos os procedimentos que restringem em qualquer medida a liberdade, como a custódia cautelar na cadeia, as interceptações telefônicas e por aí vai. Quando a investigação acaba, é um outro juiz, um juiz para a audiência preliminar, que decide se vai mandar a julgamento o acusado ou mesmo se recusa a abertura do processo. Mas não é ele que condena porque a condenação só pode ser emitida por um tribunal, que é um juízo diferente e, para os casos de corrupção, é o juízo de um colegiado, composto por três pessoas.”

O magistrado italiano também afirma que em seu país a prisão preventiva, tão abundante em nosso país onde 40% da população carcerária em sua maioria pobres e negros nem julgados foi, que em seu país esse tipo de prisão só pode ocorrer mediante comprovação de que haverá continuidade do delito ou perigo de fuga. E ainda, para constar ou como um contraponto a seus colegas brasileiros, Colombo diz: “Não se pode pôr na cadeia uma pessoa para fazê-la falar. Ok?”

Já nas palavras do presidente do equivalente do STF italiano melhor prender pois aguardando julgamento podem chantagear (presumindo culpa): “Se o investigado por corrupção decide colaborar, torna-se inidôneo para cometer esse crime, pois ninguém mais pegará dinheiro com ele e ninguém também dará dinheiro para quem delata. O problema são aqueles que mantêm a capacidade de chantagem porque se mantiveram em silêncio. E estão em condição de chantagear os cúmplices que não foram descobertos. Assim, é necessário ter a custódia cautelar e o cumprimento da pena na prisão porque os priva da possibilidade de chantagear.”

Os entrevistados pelo Estadão, para os fins do Estadão, não mostram como sua atuação política serviu para planos políticos específicos em relação a seu país, nem muito menos transparecem as suspeitas de ligação com interesses norte-americanos (também levantados na Mani Pulite). Mas entre o que dizem e o que omitem fica claro como a Lava Jato Brasileira bebe do pior da operação italiana, para tornar o judiciário mais político e repressor, rasgar direitos constitucionais, aumentando o que o Estado brasileiro já faz com os pobres e, sobretudo os negros.

Assim fica claro que lá, tal como aqui, o que menos importou aos capitalistas, a quem o sistema político deve servir, foi o combate à corrupção. O Estado é capitalista – não poder ser neutro, sempre é bom lembrar a certas esquerdas brasileiras que esperam que Moro ou Janot sirvam de agentes progressistas – e como tal o Estado deve servir aos interesses da classe dominante. Tal como a Mãos Limpas, a Lava Jato foi primeiro erguida aos céus para atacar o sistema partidário e promover privatizações, alcançado esse objetivo é guardado o ostracismo, salvo se o imperialismo ou agora o Exército. que tem se pronunciado em prol da Lava Jato, consigam impor maiores mudanças que deem uma cara anticorrupção a velhacas posições anti-operárias e pró-imperialistas.




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