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Crise no RS | Quando o mundo parece estar chegando ao fim

As mudanças climáticas provocadas pela relação predatória com o meio ambiente colocam dúvidas sobre o futuro da humanidade. As cenas dramáticas das inundações do Rio Grande do Sul retomam essa temática através de centenas de milhares de vidas que nunca mais serão as mesmas, seja pela perda de pessoas próximas ou pela destruição de suas casas, histórias e lugares que carregam a memória de muitas gerações.

Danilo ParisEditor de política nacional e professor de Sociologia

quinta-feira 9 de maio | Edição do dia

É amplamente conhecida a frase atribuída ao teórico norte-americano Fredric Jameson segundo a qual seria mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo. E isso não sem motivos. Proliferam-se como vírus produções da indústria cultural nas quais o mundo colapsa das diferentes formas possíveis, e dentre inúmeras variações - como invasões alienígenas ou ataques zumbis - a destruição do meio ambiente vem ganhando cada vez mais destaque nos roteiros das plataformas de streaming e cinema.

Estamos em um momento limite. Nunca antes na história da humanidade, a sensação da proximidade do “fim do mundo” se tornou tão tangível. Não o fim do mundo dos efeitos especiais, em que através de um choque com um meteoro tudo se transformaria em pó. Mas a destruição de diferentes modos de sociabilidade e de interação com o meio ambiente devido a condições cada vez mais adversas.

Um trabalhador de Porto Alegre dizia que não sabe o que sente, se felicidade por estar vivo ou triste por ter visto todo o seu mundo se perder. O mundo que se perde, vale dizer, é social e pertencente a uma parte da sociedade. Apesar de bairros nobres também terem sido afetados, o sentimento de perder o que não se pode reconquistar tem classe. E é para a classe dos que se perdem, ou seja, da classe trabalhadora e dos setores empobrecidos, que os maiores dilemas estarão colocados.

A “era dos extremos” do século XXI, sem dúvida, será também climática. E esses extremos irão provocar grandes choques e alterações na organização social que irão afetar em primeiro lugar os setores mais populares e empobrecidos da sociedade. Refugiados climáticos há muito tempo deixaram de ser um conceito “exótico” e tendem a ser uma tendência nos próximos anos.

As alterações dos índices globais de temperatura no mundo, da temperatura da superfície dos oceanos, as alterações no movimento das massas de ar, entre inúmeras outras variações, irão modificar os padrões de vida e presença humana na Terra de forma cada vez mais significativa.

O mundo cada vez alimentado por toneladas de gases produzidos por uma economia irracional superaquecem o planeta, o que gera mais calor. Mais calor é sinônimo de mais energia e daí se desdobram eventos climáticos cada vez mais dramáticos. Isso sem considerar os efeitos na biosfera, com alteração em ecossistemas inteiros.

A balela marketeira que dizia que a economia global estava caminhando para uma transição ecológica é cada vez mais difícil de engolir. Somente a eclosão da guerra na Ucrânia fez a Europa reabilitar grande parte das suas usinas térmicas com a queima de toneladas de carvão devido à interrupção do fornecimento de gás russo. De repente viraram fumaça as ilusões despertadas quando as grandes potências realizam encontros e mais encontros para votar pareceres que prometiam diminuir gradativamente sua emissão de gases poluentes.

No Brasil não é diferente. Comemora-se a redução do desmatamento, como se “pouco” desmatamento fosse uma notícia a ser celebrada. Considerando a devastação já causada, as metas não deveriam ser a partir dos percentuais de redução do desmatamento, mas os percentuais de reflorestamento. Uma discussão que sequer está colocada no debate público.

Não fosse a devastação que o agronegócio promoveu não somente no sul, mas também no centro-oeste no país, é muito provável que a situação atual das chuvas não seria a mesma. Especialistas e cientistas afirmam que o ar seco e quente gerado nessas regiões impediu as massas de ar mais frias e úmidas se alastrarem, o que amenizaria as precipitações em uma região concentrada.

Diante da catástrofe, os jornais convocam uma “união nacional”. Chefes de diferentes poderes prometem empreender esforços conjuntos para salvar as pessoas. Tudo vira um espetáculo. Uma avalanche de “boas ações” para escamotear o que deveria ser debatido urgentemente.

O agronegócio é isentado, não só nos impostos, mas também na responsabilidade. Possuem a maior bancada parlamentar no Congresso e lucram bilhões às custas de desmatar e destruir o meio ambiente. Cada milímetro de água que percorreu as ruas de diferentes cidades do Rio Grande do Sul é resultado dessa exploração predatória.

O neoliberalismo dos governos que não só não investiram na prevenção das alterações climáticas, mas que também privatizaram e precarizaram serviços de água e esgoto é poupado como um agente “esquecido”. Leite, Melo e os que vieram antes deles carregam esse programa econômico de ecocídio e massacre social. Para não falar do plano Safra de Lula, o maior da história, de 364 bilhões: uma injeção de verbas públicas nas colheitadeiras que percorrem as regiões que deveriam estar sendo preservadas e reflorestadas.

A depender desses, e para além deles, desse sistema de destruição permanente, o mundo terminaria como a animação Wall-E. Um futuro no qual robôs se encarregam de fazer a limpeza do mundo que sobrou.

Ao contrário de inofensivas, essas produções alimentam o fim inexorável de um mundo que já não pode ser recuperado. Assim como Malthus projetou a fome mundial com uma progressão aritmética e geométrica, essa ideologia acaba por estabelecer que existe apenas uma tendência, independente da ação humana.

É nesse ponto onde reside toda a questão. O fim do mundo que precisa ser decretado é de um modo de produção específico. Da relação predatória com o meio ambiente. Da expansão irrefreável do capital.

Mas como em tudo, a unidade dos contrários também poderá se revelar. Dos choques sociais produzidos por um novo padrão climático nasce uma nova necessidade, a de preservação da vida humana.

Um imperativo que se cruza com uma nova forma de organização do trabalho, de planejamento econômico e de estratificação social. Pressupostos que encontram elaboração e desenvolvimento na perspectiva comunista.

O capitalismo, esse é o mundo que precisa chegar ao fim.




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