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Desoneração da folha | O que está por trás do debate sobre a desoneração da folha de pagamento?

Após o veto de Lula à prorrogação da desoneração da folha de pagamento, abriu-se uma disputa entre aqueles que estão contra e os que, em defesa da responsabilidade fiscal, o apoiam. É preciso ver o que está por trás de cada um desses lados e por que nenhum deles representam uma saída para a classe trabalhadora.

quarta-feira 29 de novembro de 2023 | Edição do dia
(Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

No fim de agosto, foi aprovado na Câmara dos Deputados a prorrogação, até 2027, da desoneração da folha de pagamento para empresas de 17 setores e municípios pequenos, com 430 votos a favor, incluindo mais de 50 do PT, tendo sido aprovado no Senado no final de outubro. No entanto, o texto foi vetado integralmente pelo Presidente Lula.

O veto foi recebido com a já tradicional cantilena pelas entidades patronais dos setores afetados, com sua suposta preocupação com os empregos, falando que até 1 milhão de empregos estaria em risco. Somaram-se a eles centrais sindicais mais ligadas a patronal, Força Sindical, UGT, e CSB, repetindo o mesmo discurso.

A medida iria permitir que a contribuição patronal à previdência social seguisse sendo de 1% a 4,5% do faturamento total, em vez de 20% da folha de pagamento. Para as prefeituras de municípios com menos de 142 mil habitantes e sem regime próprio de Previdência, seria uma diminuição de 20% para 8% da contribuição sobre a folha. Apenas a diminuição para as empresas geraria um impacto de R$ 9,4 bilhões para as contas do INSS no ano que vem.

Se por um lado, essa medida é apenas um subsídio para a patronal, diminuindo seus custos trabalhistas, por outro lado a razão de Lula e Haddad para o veto é uma preocupação com o equilíbrio fiscal e com a capacidade de pagar a dívida pública, assunto que foi debatido recentemente neste diário.

A desoneração da folha foi uma medida implementada pela primeira vez em 2012, no governo de Dilma Rousseff, como parte da chamada Nova Matriz Econômica, com o objetivo autodeclarado de incentivar a industrialização do país e aumentar a competitividade. Na época, as alíquotas sobre o faturamento eram de 1% a 2%.

Durante o primeiro governo Dilma, as várias medidas de desoneração fiscal, além de subsídios em áreas como a energia e financiamentos, não impediram a queda do crescimento econômico e o seguimento do processo de desindustrialização, apesar de terem direcionado bilhões aos bolsos de muitos capitalistas.

O benefício da desoneração foi sendo prorrogado até 31 de dezembro de 2023, com um número variável de setores, que já chegou a 56, mas que desde o governo Temer são 17: calçados, call center, construção civil, comunicação, confecção e vestuário, empresas de construção e obras de infraestrutura, couro, fabricação de veículos e carroçarias, máquinas e equipamentos, proteína animal, têxtil, tecnologia da informação, tecnologia de comunicação, projeto de circuitos integrados, transporte metroferroviário de passageiros, transporte rodoviário coletivo e transporte rodoviário de cargas.

Segundo a Receita Federal, desde 2012, são R$ 139 bilhões que deixaram de ser arrecadados para as contas do INSS, ampliando o déficit da previdência. A diminuição da alíquota para prefeituras, que não está em vigor hoje, representaria uma renúncia de mais R$ 9 bilhões para 2024, totalizando R$ 18,4 bilhões a menos no ano.

O déficit na previdência foi a justificativa usada para defender as MPs 664 e 665, editadas por Dilma em 2015 e que restringem o acesso ao seguro-desemprego e as pensões por morte, e para a Reforma da Previdência em 2019 que, segundo o governo, poderia economizar até R$ 1 trilhão ao longo de dez anos. Fez-se uma escolha de jogar o custo da previdência para os trabalhadores, enquanto diminui para as empresas.

Além de aumentar a idade mínima e o tempo de contribuição, a reforma alterou a fórmula que dá o valor das aposentadorias. Segundo cálculos feitos pelos professores da FEA-USP Luís Eduardo Afonso e João Vinícius de França Carvalho, a Taxa de Reposição, calculada como a razão entre a primeira aposentadoria e o último salário, deverá cair cerca de 7 pontos percentuais com as novas regras, para 67,65%. Ou seja, a perda de renda dos trabalhadores ao se aposentarem pelo INSS chega a quase um terço.

Utiliza-se a ideia de que a desoneração aumentaria o número de contratações para justifica-la, o que não tem base na literatura, como disse Leandro Horie, economista do DIEESE, ao afirmar que “Não foi criado um aparato de avaliação mostrando que a política deu certo ou deu errado. [...] Alguns que dizem que deu certo, outros que deu errado. Os indicativos mais fortes são os de que deu errado”

A desoneração da folha, então, afeta as contas da previdência, não gera empregos e termina servindo apenas para diminuir os custos e, portanto, aumentar os lucros, de setores econômicos intensivos em trabalho, incluindo muitos dos que são líderes em mortes no trabalho, como a construção civil, além de setores como os call centers, famosos pelos assédios contra os funcionários e o desrespeitos aos direitos trabalhistas.

Se coloca, no entanto, também uma divisão. Por um lado os setores prejudicados pelo fim da desoneração, que soltaram um manifesto em maio, e por outro lado setores mais ligados ao mercado financeiro, que, em defesa do equilíbrio fiscal, se colocam a favor do veto, como Samuel Pessôa, colunista da Folha de São Paulo, e economistas de empresas financeiras, em declarações a mídia.

Lula, em seu veto, segue buscando a meta de déficit primário zero em 2024 que, apesar da polêmica, foi mantida pelo governo. Nesta semana foram revisadas as previsões para o déficit deste ano, que aumentaram para 1,7% do PIB, e que vão exigir um bloqueio de mais R$ 1,1 bilhão no orçamento de 2023. O governo se vê na situação de precisar economizar onde for possível, e ainda aprovar os aumentos de receita que tramitam no Congresso, para conseguir vislumbrar qualquer diminuição no déficit primário e manter sua promessa.

Portanto, se a desoneração em nada interessa aos trabalhadores, pelo contrário, o veto de Lula se dá por razões também alheias com qualquer preocupação com as aposentadorias. A divisão no movimento sindical se coloca também em linhas similares, com a CUT defendendo o governo, apesar de ter sido a favor da desoneração em diversos outros momentos.

A tendência é que o congresso derrube o veto de Lula, como já foi feito quando Bolsonaro vetou projeto similar, e mantenha a desoneração. Existem debates jurídicos sobre se é possível derrubar o veto apenas parcialmente, e nesse caso não estender a desoneração às prefeituras, ou se o veto será derrubado integralmente. Essa decisão será feita, no entanto, em base aos interesses políticos e as negociações entre empresários, prefeitos, congresso e governo, e não pelo direito. Haddad já disse que irá apresentar nova proposta, ainda esse ano, para chegar a uma solução que não inclua a derrubada do veto, que seria provavelmente por ampla vantagem.

A saída para os trabalhadores, em meio a essa situação, deve ser contra qualquer um dos dois setores em disputa, ao contrário do que fazem as centrais, e defender a revogação da reforma da previdência e o não pagamento da dívida pública, que é o que realmente motiva as retiradas de direitos e os cortes no orçamento.




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