Logo Ideias de Esquerda

Logo La Izquierda Diario

SEMANÁRIO

A colaboração de Hitler-Stalin

Resgates: Jean-Jaques Marie

A colaboração de Hitler-Stalin

Resgates: Jean-Jaques Marie

Desde que a Alemanha invadiu a URSS, a propaganda e a historiografia soviéticas apresentaram o pacto germano-soviético como o fruto da suprema habilidade de Stalin. Resultado de uma extensa pesquisa em documentação em vários idiomas, esses trechos do livro "A Colaboração Stalin-Hitler" (da editora francesa Tallandier), cujo autor, Jean-Jacques Marie, nos autorizou a republicar e traduzir, revisam de forma decisiva um dos maiores mitos do século XX. Publicado originalmente em francês na revista teórica RP Dimanche de Révolution Permanente, parte da rede de mídia La Izquierda Diario, e traduzido para o portugês para a edição brasileira.

Uma meia verdade é uma mentira

A meia verdade é frequentemente uma das formas mais hipócritas de mentira. Assim, a expressão oficial e ritual do "pacto de não agressão" para se referir ao acordo assinado entre a Alemanha nazista e a URSS em 23 de agosto de 1939 oculta a realidade ao mencionar apenas uma parte dela, que é de longe a menos importante e significativa.

Vamos recordar os fatos: em 19 de agosto, Molotov enviou ao embaixador alemão Schulenburg um projeto de pacto de não agressão. No dia seguinte, foi assinado em Berlim um acordo comercial germano-soviético. Na noite de 20 para 21, Hitler enviou uma mensagem urgente a Stalin apoiando o rascunho transmitido por Molotov, insistindo que fosse assinado sem demora e pedindo que Ribbentrop fosse recebido urgentemente em Moscou devido à "insuportável tensão entre Alemanha e Polônia", para poder atacar esta última. A resposta afirmativa de Stalin pavimentou o caminho para a guerra contra a Polônia.

Da não agressão à colaboração

Mas, acima de tudo, sua breve resposta de dez linhas continha quatro linhas que normalmente são suprimidas: "O acordo do governo alemão de concluir um pacto de não agressão permitirá liquidar a tensão política e estabelecer a paz e a colaboração (!) entre nossos países".

Stalin propôs, portanto, a Hitler passar do simples pacto de não agressão de dez anos, assinado no dia seguinte, ao que geralmente é reduzido como o acordo entre os dois líderes, para a "colaboração", ou seja, a aplicação conjunta de decisões e iniciativas comuns.

Entre um pacto de não agressão e a "colaboração", que Hitler aceitou imediatamente, havia mais do que um passo, até mesmo um gigante, que foi concretizado em protocolos secretos sobre a divisão da Europa e no fornecimento por parte de Stalin a Hitler, durante vinte meses, de muitas das matérias-primas necessárias para sua guerra.

Essa "colaboração" entre a Alemanha nazista e a URSS se materializou poucos dias depois com a invasão conjunta - embora atrasada - da Polônia, da qual Stalin se apropriou de um terço do território.

Um silêncio acidental?

Quase todos os historiadores, incluindo Oleg Khlevniouk, que desta vez considerou "difícil avaliar o papel desempenhado por considerações de caráter moral (!) ou emocional nas decisões de Stalin", esquecem ou ignoram sua proposta de "colaboração", embora o Pravda de 7 de outubro de 1939 se referisse a ela, colocando-a, é verdade, na boca de Hitler, mas sem a menor reserva.

Até mesmo o antissoviético "Livro Negro do Comunismo", publicado em 1997, cinco anos após a resposta de Stalin ter sido oficialmente publicada em 1992 em Moscou nos "Documentos de Política Externa Soviética" (volume 22, página 624), não diz nada a respeito. O que é ainda mais curioso é que enquanto o historiador Dmitri Volkogonov a publica na íntegra na edição russa de seu livro "Stalin", a edição francesa suprime a frase e a substitui por três pontos [1].

Suprimir a proposta de colaboração de Stalin para Hitler reduz seu acordo a um simples pacto oficial de não agressão, geralmente justificado pela atitude complacente do governo britânico e de seu dócil aliado francês em relação à Alemanha nazista, complacência materializada pelo Acordo de Munique de 30 de outubro de 1938, que entregou a Tchecoslováquia a Hitler. Sua supressão permite repetir indefinidamente a cantilena do pacto de não agressão isolado, que Stalin deveria ter aceitado para enfrentar a ameaça de guerra iminente.

A liquidação do "monstro infantil"

O pacto foi concluído com um protocolo secreto que estabelecia uma estreita colaboração entre a Wehrmacht e o Exército Vermelho, cuja autenticidade foi reconhecida pelo governo soviético às vésperas do desaparecimento da URSS. De acordo com este "protocolo estritamente secreto", como o acordo era descrito, as duas potências signatárias "discutiram em conversas estritamente confidenciais a questão da definição de suas esferas de influência no Leste Europeu", resumindo, as formas de dividir o Leste Europeu, começando pela Polônia, onde a Wehrmacht entrou em 1º de setembro de 1939 e derrotou o exército polonês em três semanas.

O Exército Vermelho entrou na Polônia na noite de 16 a 17 de setembro. Eles conquistaram territórios onde a maioria da população era bielorrussa e ucraniana, que inicialmente os receberam com simpatia, mas as prisões e deportações realizadas pelo NKVD logo as fizeram desaparecer.

Em seu relatório ao Soviete Supremo da URSS, Molotov congratulou-se com o sucesso da cooperação germano-soviética: "Um golpe bastante breve contra a Polônia, primeiro pelo exército alemão e depois pelo Exército Vermelho, foi suficiente para que nada restasse deste monstruoso filho do Tratado de Versalhes".

Em 28 de setembro de 1939, Ribbentrop retornou a Moscou e assinou um segundo protocolo secreto com Molotov, que ajustava a divisão territorial feita após o primeiro. O Pravda de 30 de setembro de 1939 publicou uma declaração de Ribbentrop, que estava encantado: "A amizade germano-soviética foi definitivamente estabelecida".

A confirmação no Pravda: Hitler está a favor da "colaboração" com Moscou

Uma semana depois, o Kremlin menciona publicamente a colaboração com o Führer. Em 7 de outubro de 1939, a agência Tass divulgou um comunicado intitulado "Trecho do discurso de Hitler perante o Reichstag", publicado no Pravda do mesmo dia, sem nenhum comentário. Depois de destacar que o Estado polonês foi construído "sobre os ossos e o sangue dos alemães e russos", Hitler assegura: "A Rússia não vê nenhuma razão que impeça o estabelecimento de uma estreita colaboração entre nossos Estados (...) O pacto com a URSS (...) é a base de uma colaboração duradoura e positiva entre Alemanha e Rússia (...) No leste da Europa, os interesses da Alemanha e da Rússia coincidem completamente".

Essa confirmação pública por parte de Hitler da "colaboração" entre Moscou e Berlim obviamente só pode aparecer no Pravda por ordem de Stalin.

Quando Moscou alimentou a máquina de guerra nazista

Em 24 de outubro de 1939, a URSS e a Alemanha nazista assinam um tratado comercial que prevê o fornecimento, por parte da URSS para Berlim, de uma longa lista de matérias-primas indispensáveis para o esforço de guerra alemão, e que o bloqueio marítimo imposto pela marinha britânica proíbe a Alemanha de obter de seus numerosos fornecedores tradicionais. À cooperação política, Stalin adiciona a cooperação comercial.

Um erro de cálculo de Stalin

Desde setembro, Stalin insistiu em exigir que a Finlândia movesse sua fronteira para o norte em relação à URSS, que ele considerava estar muito perto de Leningrado. O governo finlandês se recusa. Então Stalin imita... e melhora a provocação montada por Hitler para invadir a Polônia em setembro. Em 31 de agosto de 1939, Hitler enviou prisioneiros alemães disfarçados de soldados poloneses para violar a fronteira alemã, provocando assim a intervenção vingativa da Wehrmacht. Stalin, por sua vez, faz sua artilharia bombardear a vila fronteiriça soviética de Mainila em 26 de novembro de 1939 e acusa a Finlândia por essa agressão, após enviar agentes da NKVD disfarçados de soldados finlandeses para invadir e saquear uma vila fronteiriça soviética, então, na manhã de 30 de novembro, o Exército Vermelho invade a Finlândia.

Dada a disparidade entre os dois exércitos em termos de efetivos, tanques e aviões, Stalin espera uma vitória rápida. Mas o Exército Vermelho, enfrentando uma resistência maciça, enquanto Stalin só conhece o ataque frontal mortal, fica estagnado e permanece estagnado por três meses. Quando o armistício é assinado em 12 de março de 1940 à noite, o balanço é pesado: o Exército Vermelho, cujas fraquezas Stalin expôs assim a Hitler, perdeu 126.875 homens entre mortos, desaparecidos ou prisioneiros. Isso é seis vezes mais do que o exército finlandês. Além disso, a aviação soviética demonstrou sua fraqueza em face de um adversário quase desprovido de aviação. Stalin sabe disso; ele declarará a seus convidados em 7 de novembro de 1940: "Nossas aeronaves só podem permanecer no ar por trinta e cinco minutos, enquanto as dos alemães e ingleses podem fazê-lo por várias horas".

O balanço político da aventura finlandesa é mais grave do que o balanço militar. Pouco depois, Hitler declara ao embaixador americano na Bélgica: "A guerra soviético-finlandesa nos ensinou muito. Não tenho dúvidas de que meus exércitos entrarão na Rússia como uma faca na manteiga".

Stalin, agente comercial de Hitler

A desventura finlandesa leva Stalin a multiplicar as concessões a seu aliado temporário. O negociador do Ministério das Relações Exteriores alemão, Karl Schnurre, fica impressionado com a complacência dos negociadores soviéticos: "durante as longas negociações, o desejo do governo soviético de ajudar a Alemanha tornou-se cada vez mais evidente [2], assim como o desejo de fortalecer firmemente a compreensão política mútua na resolução de questões econômicas".

Em um memorando enviado a Berlim em 26 de fevereiro de 1940, Schnurre detalhou a impressionante lista de mercadorias, incluindo todos os metais essenciais para a máquina de guerra nazista, que a URSS de Stalin, em conformidade com o acordo assinado, comprometeu-se a entregar à Alemanha nazista nos doze meses seguintes em troca de protótipos de máquinas, patentes e planos, pagos a um alto preço, e armamentos e equipamentos modernos, incluindo torres de navios, que Berlim entregarou com uma lentidão inversamente proporcional à rapidez com que a URSS cumpriu suas entregas até o último dia: "900.000 toneladas de petróleo, 100.000 toneladas de algodão, 500.000 toneladas de fosfatos, 100.000 toneladas de minério de cromo, 50.000 toneladas de minério de ferro, 300.000 toneladas de sucata e ferro fundido, 2.400 quilogramas de platina", além de manganês, vários metais, madeira e outros materiais primários.

Finalmente, ele adicionou a esta lista uma relação de matérias-primas que a URSS se comprometeu a fornecer à Alemanha nazista nos 18 meses seguintes para ajudá-la a produzir o equipamento que ela deveria fornecer... mas que forneceria com moderação: "3.000 toneladas de cobre, 950 toneladas de estanho, 500 toneladas de molibdênio, 500 toneladas de tungstênio, 40 toneladas de cobalto"... Esses números não serão igualmente fantasiosos e manipulados como os das estatísticas oficiais? De forma alguma, já que Schnurre acrescenta: "A situação em relação à entrega de matérias-primas pela Rússia continua satisfatória" e lista as entregas soviéticas realizadas desde o início do ano: 632.000 toneladas de trigo, 232.000 toneladas de petróleo, 23.500 toneladas de algodão, 50.000 toneladas de manganês, 6.700 toneladas de fosfato, 900 quilogramas de platina…

O Transiberiano a serviço de Hitler

O último serviço prestado por Stalin a Hitler, diz Schnurre: "A União Soviética nos propõe [portanto, não é uma resposta a um pedido dos nazistas, mas uma iniciativa do próprio Kremlin] o direito de trânsito de e para a Romênia, Irã, Afeganistão e os países do Extremo Oriente" utilizando o Transiberiano, sobre o qual o Kremlin propõe reduzir para a Alemanha as tarifas de transporte em 50%.

Abrir assim um acesso direto aos fornecedores do Oriente Próximo e Ásia para permitir à Alemanha nazista escapar do bloqueio marítimo organizado pela Inglaterra foi um grande serviço prestado a Hitler. Não poderia ser mais cortês, amável e cooperativo.

Segundo o Pravda de 13 de fevereiro de 1940, o acordo de 11 de fevereiro "responde aos desejos dos governos de ambos os países quanto à elaboração de um programa econômico de troca de mercadorias entre Alemanha e URSS (...) Prevê a exportação de matérias-primas da URSS para a Alemanha, compensada por entregas de produtos industriais da Alemanha para a URSS (...) A intenção é aumentar ainda mais no futuro as entregas mútuas de mercadorias".

Moscou concluiu este acordo oito meses depois. Em 5 de outubro de 1940, o Pravda anuncia "a assinatura de um acordo sobre comunicações ferroviárias entre a URSS e a Alemanha, que prevê comunicação direta tanto para passageiros quanto para mercadorias entre a URSS e a Alemanha. As negociações foram conduzidas em um ambiente amistoso".

Schnurre destaca finalmente a pontualidade dos soviéticos nas entregas: "Claro, isso requer grandes esforços de sua parte. Os russos entregam pontualmente o volume de matérias-primas estabelecido pelo acordo". Esta pontualidade, completamente incomum na vida econômica da URSS, onde atrasos na entrega - sem mencionar deficiências - são frequentes, é resultado de uma decisão política de alto nível.

Isso leva Schnurre a afirmar: "Tenho a sensação de que poderíamos apresentar demandas econômicas a Moscou, ultrapassando até mesmo o quadro dos acordos de 10 de janeiro de 1941 e que poderiam satisfazer as necessidades econômicas em dimensões mais amplas do que o acordo definiu".

Os negociadores soviéticos, devidamente instruídos, impressionam Schnurre: "Durante as longas negociações, o desejo do governo soviético de ajudar a Alemanha tornou-se cada vez mais evidente [3], assim como o desejo de fortalecer firmemente a compreensão política mútua na resolução de questões econômicas"...

“Um novo passo na realização do programa econômico elaborado por ambos os governos em 1939.”

Em 18 de dezembro de 1940, Hitler, desejando finalmente expandir o espaço vital alemão até os Urais, ordena a seu Estado-Maior que conclua os preparativos para a invasão da URSS até 15 de maio de 1941. Este é o plano Barbarossa. O adido militar soviético em Berlim, o general Toupikov, informa Stalin sobre a decisão e anuncia a invasão da URSS para março de 1941.

Stalin, convencido de que está manipulando Hitler, ignora a informação, assim como ignorará todos os avisos dos serviços soviéticos. Segundo o marechal de artilharia Voronov, Stalin estava convencido de que "a guerra entre a Alemanha fascista e a União Soviética só poderia eclodir como resultado de uma provocação da camarilha militar fascista e temia sobretudo tais provocações", chegando mesmo a atribuir o ataque de 22 de junho de 1941, o início da Operação Barbarossa, a supostas provocações de generais nazistas descontentes com a colaboração entre ele e Hitler, e retardando um dia inteiro a resposta do Exército Vermelho.

Assim celebra o Pravda em sua edição de 11 de janeiro de 1941 o novo acordo comercial assinado no dia anterior entre a URSS e a Alemanha, que "regula a troca de mercadorias entre a URSS e a Alemanha até 1º de agosto de 1942", data proposta pelos alemães para encobrir o calendário da invasão prevista da URSS para 15 de maio de 1941 pelo plano Barbarossa definido em 18 de dezembro de 1940. No comunicado do Pravda, expressa-se a grande satisfação do Kremlin: "O novo acordo (...) constitui um novo passo na realização do programa econômico elaborado pelos dois governos em 1939".

A soma das entregas fornecidas por ambas as partes excede largamente os limites definidos no primeiro acordo. A URSS fornece à Alemanha matérias-primas industriais, produtos petrolíferos e produtos alimentícios, especialmente trigo. A Alemanha deve fornecer à URSS maquinaria industrial. A URSS continua a fornecer à Alemanha nazista as matérias-primas de que esta necessita e continuará a cumprir todos os pedidos feitos por Berlim, incluindo uma contribuição final ao esforço de guerra alemão que Stalin faz entregar até 21 de junho de 1941 à noite.

Ajudar Hitler contra os comunistas alemães

Stalin também prestou ajuda a Hitler contra os comunistas alemães. Em fevereiro de 1940, entregou à Gestapo um primeiro destacamento de trinta comunistas alemães que haviam emigrado para a URSS, incluindo Margarete Buber-Neumann, esposa do antigo líder do Partido Comunista Alemão e editor-chefe de seu jornal Die Rote Fahne, Heinz Neumann, a quem Stalin havia mandado fuzilar em 1937. No total, segundo Margarete Buber-Neumann, o NKVD entregou à Gestapo 150 comunistas alemães ou simpatizantes... que, não compreendendo a natureza do stalinismo e o propósito do gesto de Stalin, os considerou agentes soviéticos!

Liquidar a Comintern para agradar ao denunciante do "judeo-bolchevismo"

Stalin também quis submeter a Comintern, fantasma da Internacional Comunista, à sua colaboração com Hitler. Assim, no início de setembro de 1939, Wilhelm Pieck, membro do Bureau Político do PC alemão, apresenta ao secretariado da Comintern um projeto de panfleto para ser difundido na Alemanha, Tchecoslováquia e Áustria. Embora o panfleto vitupere os imperialistas anglo-franceses, também denuncia "o grande capital financeiro alemão" e convida os trabalhadores alemães a "libertarem a Alemanha do fascismo hitleriano e da dominação do capital financeiro por meio da revolução socialista".

Seguindo as instruções de Jdanov, porta-voz de Stalin, o secretariado da Comintern apaga as palavras "fascismo" e "hitlerismo" do panfleto, mas mantém a denúncia do "grande capital alemão". Isso é demais para Stalin, que ordena a proibição da difusão do maldito panfleto nos três países mencionados. Este é apenas o começo, ainda modesto.

Um ano depois, em 20 de abril de 1941, Stalin declara aos membros do Bureau Político e ao secretário-geral da Comintern, Dimitrov, que é preciso se preparar para dissolver a Comintern: "A questão da existência da Comintern a curto prazo, das novas formas de relações internacionais e da atividade internacional nas condições de uma guerra mundial são colocadas de maneira forte e clara".

Uma reunião do secretariado da Comintern, em 12 de maio, foi dedicada inteiramente a preparar essa dissolução, que Stalin considerou tardia demais para aplacar Hitler. Ele se contentou em oferecê-la a Churchill e Roosevelt em 1943.

Goebbels sempre satisfeito com Stalin

Em 22 de setembro de 1939, o ministro da propaganda nazista, Joseph Goebbels, anotou em seus diários: "Até agora, os russos têm cumprido todas as suas promessas". Em 15 de março de 1940, ele confirmou: "Agora somos aliados da Rússia. Até agora só temos tirado vantagem disso". Em 13 de maio de 1941, às vésperas da iminente invasão da URSS, ele repete: "Stalin continua agindo de acordo com nossa satisfação".

A catástrofe iminente

Na noite de 20 de junho de 1941, o comandante do porto de Riga anuncia por telefone a Mikoian, encarregado da frota soviética, que os vinte e cinco navios alemães atracados no porto estão se preparando para partir no dia seguinte, sem terem completado o carregamento ou descarregamento de mercadorias. O comandante do porto quer bloqueá-los. Mikoian informa imediatamente a Stalin, que responde: "Seria uma provocação. É impossível fazer isso. Devemos dar a ordem de não impedi-los! Que os navios partam!".

Ao mesmo tempo, os navios soviéticos atracados nos portos alemães foram bloqueados. Stalin não se abalou. Ele fez com que todos os pedidos alemães fossem entregues na tarde de 21 de junho.

O jogo duplo de Beria

Lavrenti Beria, então chefe do NKVD, enviou a Stalin, em 21 de junho de 1941, duas notas significativas que refletiam a confiança cega de Stalin em seu próprio gênio e em sua capacidade de manobrar Hitler. Por um lado, ele o informava sobre os preparativos da agressão alemã e, por outro, para evitar parecer desafiar o líder supremo, que rotulava todas essas informações de desinformação, fingia apoiar sua cegueira.

Beria pede a retirada do embaixador soviético em Berlim, Pavel Dekanozov, que, segundo escreve, "continua me bombardeando com ’desinformação’ sobre uma suposta agressão da URSS preparada por Hitler. Ele me informou que esta ’agressão’ ocorreria amanhã [...] O general major Toupikov, o adido militar em Berlim [...], este general estúpido, afirma que três grupos de exércitos da Wehrmacht atacarão em direção a Moscou, Leningrado e Kiev".

Ele também atacou um "tenente-coronel, que também mente ao afirmar que Hitler concentrou 170 divisões contra nós em nossa fronteira ocidental". Beria, conhecedor do gosto de Stalin pela mais baixa adulação, acrescenta: "Mas eu e meus homens, Iósif Visariónovich, lembramos firmemente sua perspicaz predição: Hitler não nos atacará em 1941".

Em uma segunda nota, ele sintetiza os relatórios (precisos) dos agentes secretos ao anunciar que "serão reduzidos a pó nos campos, por desinformação sistemática, como cúmplices de provocadores internacionais, que gostariam de nos confundir com a Alemanha".

Seguro da precisão de suas informações, ele fornecia assim a Stalin os dados necessários para compreender a situação, que no dia seguinte não poderia ser acusado de ter ocultado, ao mesmo tempo que elogiava a insondável vaidade do Líder cego, que permitia ou fazia publicar na Pravda e no Izvestia "poemas" de esforçados versificadores que asseguravam a Stalin: "As estrelas da alva obedecem à tua vontade. Teu genial incomparável alcança os céus", ou ainda: "Stalin, tu és mais alto que os altos espaços celestes". Outro o deifica: "Oh, tu, Stalin, grande líder dos povos, / tu que deste à luz o homem, / tu que fertilizaste a terra!". Um quarto o louva como "infinito, eterno". O último jura que "tudo obedece à sua vontade". Como não se sentir capaz de dominar Hitler?

Hitler controlado por Stalin?

Essa convicção o leva a ordenar a execução dos quatro soldados comunistas alemães que desertaram em junho: dois em 4 de junho, um em 18 de junho, outro em 21 de junho. Segundo Jean Lopez e Lasha Otkhmezuri, "todos revelaram suas opiniões comunistas e anunciaram o iminente ataque. Todos foram executados como provocadores". É o penúltimo favor que Stalin faz a Hitler.

Em 22 de junho de 1941, às 00h30, o soldado comunista alemão Alfred Liskov desertou e cruzou a fronteira soviética arriscando sua vida para alertar o Exército Vermelho que a Wehrmacht atacaria às 3 da manhã. Stalin, informado imediatamente, ordena executar este "provocador". É o último favor que Stalin faz a Hitler para prolongar a existência de uma colaboração agonizante. A Wehrmacht ataca na hora marcada, salvando assim temporariamente Liskov, cuja provocação estava sendo vigorosamente desmascarada pelo NKVD.

Isso marcou o fim da colaboração pela qual ambos os protagonistas sentiam uma vaga nostalgia. Em 17 de setembro de 1944, Hitler declarou a seu médico, Dr. Giesing: "O único adversário que é mais ou menos do meu tamanho é Stalin. Não posso negar-lhe meu respeito... quando considero o que ele fez à Rússia". Segundo a filha de Stalin, Nadezhda Alliluyeva, seu pai "considerava o pacto de 1939 como uma obra-prima de sua formidável astúcia" e muito depois da guerra repetiria, como se tornara seu costume: "Mesmo assim, com esses alemães teríamos sido invencíveis".

Agosto-setembro de 1944: "A renovação sem palavras do pacto Ribbentrop-Molotov" (Czapski)

A colaboração entre Stalin e Hitler, descartada em 22 de junho de 1941, se expressará uma última vez, novamente às custas dos poloneses, três anos depois, de uma forma evidentemente não confessada e inesperada. Em 1 de agosto de 1944, enquanto o Exército Vermelho avançava para Varsóvia, que havia sido ocupada pela Polônia várias semanas antes, a capital que Hitler detestava se levantou sob a liderança da Armia Krajowa (AK), o exército nacionalista polonês.

Os insurgentes assumiram o controle de dois terços da cidade. A Wehrmacht, reforçada por batalhões das SS e destacamentos do exército colaboracionista russo de Vlassov e do exército ucraniano fascista de Bandera, desencadeou uma matança. Stalin não podia aceitar uma insurreição cuja liderança lhe escapava.

O Exército Vermelho parou por muito tempo, depois avançou por cinco dias para dar um pequeno impulso à insurreição, que alguns poucos pacotes de comida lançados pelos aviões soviéticos pretendiam alimentar. A insurreição foi esmagada em 2 de outubro, deixando para trás 180.000 mortos e pilhas de ruínas. Antes de tomar Berlim, Stalin deu seu último presente a Hitler.


veja todos os artigos desta edição
FOOTNOTES

[1D. Volkogonov, Stalin, edición rusa, vol. 2, p 30. Edición francesa (en un solo volumen): Staline: Triomphe et tragédie, Flammarion, 1992, p. 266.

[2Sublinhado por Jean-Jacques Marie.

[3Sublinhado por Jean-Jacques Marie.
CATEGORÍAS

[Adolf Hitler]   /   [Guerra]   /   [Stalinismo]   /   [Alemanha]   /   [Joseph Stálin]   /   [URSS]

Resgates: Jean-Jaques Marie

Comentários