Logo Ideias de Esquerda

Logo La Izquierda Diario

SEMANÁRIO

59º CONUNE | UJS, tire as mãos de Honestino Guimarães!

Rosa Linh

59º CONUNE | UJS, tire as mãos de Honestino Guimarães!

Rosa Linh

No 59º Congresso da UNE, após a Juventude Faísca Revolucionária escorraçar o juiz do STF apoiador do golpe de 2016 e que votou contra o piso da enfermagem, Luiz Roberto Barroso, a direção majoritária da UNE soltou uma nota acusando “grupos minoritários de desrespeitar a democracia e os familiares de Honestino Guimarães”, estudante da UnB e presidente da UNE morto pelo regime militar homenageado na mesa de abertura. A UJS usa o nome de Honestino e apaga seu legado para justificar a aliança com o judiciário anti-operário que deixou impune toda casta militar e empresarial que promoveu os mais diversos crimes na ditadura, tudo isso em nome de “defender a democracia contra o fascismo”. Que democracia é essa? O 59º CONUNE referendou a subordinação da UNE ao governo de frente ampla de Lula-Alckmin. Nesse sentido, é preciso que a UJS tire as mãos de Honestino e nos debruçar sobre as lições de sua trajetória para preparar os combates do futuro.

“E se não achar meu caminho, basta-me crer procurá-lo de coração” - Honestino Guimarães.

O 59º CONUNE referendou a política burocrática da ala majoritária, subordinando a UNE ao governo de frente ampla Lula-Alckmin. Não à toa, prevaleceram mesas e plenárias esvaziadas de conteúdo, mas cheias de reitores, ministros e até o próprio Lula, passando muito longe das trabalhadoras da enfermagem, dos povos indígenas e outros setores oprimidos. Por isso, era tão necessário transformar a figura de Honestino Guimarães em um mártir inerte, imaculado e sem contradições, retomá-lo para reafirmar a narrativa de que contra o bolsonarismo é preciso apoiar um governo que aprovou um ataque neoliberal aplaudido por Bolsonaro, o Arcabouço Fiscal; que aprova uma reforma tributária de mãos dadas com Tarcísio de Freitas, Zema, a FIESP e a FEBRABAN; cuja base parlamentar votou favoravelmente ao Marco Temporal racista e anti-indígena; que mantém todas as reformas neoliberais do bolsonarismo e do golpe institucional de 2016 intactas. Que democracia é essa que precisa ser defendida? Era de especial importância para a UJS retomar Honestino para justificar a vinda de Barroso, um ministro do STF que apoiou o golpe de 2016 e votou contra o piso salarial da enfermagem, tudo em nome de referendar a frente ampla com a direita e os grandes empresários “contra” Bolsonaro. É esse mesmo judiciário reacionário que, longe de defender a democracia, foi um pilar fundamental para manter impunes todos os torturadores, os responsáveis militares e civis pela ditadura militar, endossando uma transição pactuada para um regime “democrático” burguês, preservando essas forças autoritárias que depois sairiam da caserna para apoiar cada ataque contra os trabalhadores nos últimos anos.

Como dizia Walter Benjamin, é preciso escovar a história a contrapelo, contrapor a narrativa dos poderosos e desvendar as lições que o passado nos legou e transformar o presente. Por isso, escrevo esse texto.

Um pouco de história

Falemos de Honestino. Ele era estudante de geologia da UnB. Representava um daqueles estudantes que foi arrastado pelos acontecimentos convulsivos da época, o ascenso operário-camponês dos anos 60, sua traição que culminou no golpe militar de 64, o maio de 68. Ele fundou e foi presidente da FEUB (Federação dos Estudantes da Universidade de Brasília), entidade colocada na clandestinidade e que depois se tornaria a precursora do DCE da UnB, que depois levaria seu nome. Preso por quatro vezes durante sua militância, foi eleito presidente da UNE em 1971, mudou-se então para São Paulo, vivendo na clandestinidade até o ano de 1973 quando desapareceu a mando da ditadura.

Na época de sua atividade militante, o movimento estudantil estava atravessado por importantes debates de estratégia. Retomá-los é fundamental para pensarmos qual papel os estudantes podem desempenhar em futuras convulsões sociais. Uma das correntes hegemônicas da época era a AP (Ação Popular), advinda da juventude católica de esquerda, a JUC, que dirigia a UNE ao lado do PCB no pré-golpe de 64. Com uma política traidora do stalinismo, com base na sua tese do “socialismo em um só país”, o PCB dividiu o movimento camponês armado que expropriava os latifúndios, as grandes greves operárias e a efervescência estudantil chamando a confiar no governo democrata burguês de Jango e não numa luta independente e auto-organizada. A estratégia de colaboração de classe levou a uma derrota amarga e sem combate. Nesse contexto, o PCB, grande partido hegemônico na esquerda, cai em enorme descrédito.

Leia mais: O processo revolucionário que culmina no golpe de 64 e as bases para a construção de um partido revolucionário no Brasil

É nesse contexto que se rompem do PCB duas alas. A primeira, em 1962, dá origem ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB), que toma para si uma linha teórica maoísta, inspirada na Revolução Chinesa. No pós 64, vão surgindo ao longo dos anos dissidências estudantis que conformam uma linha mais próxima do guevarismo, com a estratégia foquista, inspirada na Revolução Cubana.

O maoísmo se baseava na estratégia de guerra popular prolongada, cuja dinâmica revolucionária seria apoiada no campesinato englobando setores da burguesia nacional, a pequena-burguesia urbana e o proletariado (bloco das 4 classes) para desenvolver uma revolução de libertação nacional (não uma revolução socialista) contra o imperialismo. Já o foquismo alçava a tática de guerrilha ao nível da estratégia, conformando um exército pequeno-burguês baseado no campesinato em geral no campo, mas também por vezes adaptado às áreas dos grandes centros urbanos, com o objetivo de se chegar à revolução social.

Nesse sentido, esses debates permeiam o movimento estudantil. No 27º CONUNE em 1966, a principal disputa foi entre a AP com a POLOP e dissidências do PCB, com a primeira aderindo a elementos da estratégia maoísta e a segunda o guevarismo.

Honestino se filiou à Ação Popular quando secundarista em 1963. Neste ano ocorre o I Congresso da organização, que aprova resoluções que não citam nominalmente o catolicismo de sua predecessora JUC, mas reafirmam uma “perspectiva do socialismo humanista”. Com o golpe de 64, a organização, que já possuía a maioria da UNE, conflui com os pressupostos da estratégia maoísta, em particular após 1966, após um atentado no Aeroporto de Guararapes, em Recife, que tinha como alvo Costa e Silva, por parte de um de seus comandos armados. O atentado fracassou e se começou uma “virada ideológica”, com envio de militantes para as fábricas e no campo, adotando a ideia de “guerra popular”. Ela se baseava na aliança entre operários, camponeses e estudantes que tinha como principal método as manifestações de rua – mesmo em momentos de refluxo das lutas –, e colocava que essa aliança serviria para a luta não somente para as pautas estudantis contra a ditadura, mas contra o regime militar e todas as suas políticas. Consideravam que a principal tarefa do movimento de massas era derrubar a ditadura e, apesar de não ter uma postura pacifista, como a do PCB, defendia os pressupostos de Mao Tse-Tung que levava à defesa de uma frente única com a burguesia nacional contra o imperialismo, diluindo o papel da classe operária como sujeito revolucionário e hegemônico.

Em outro polo, estavam as já mencionadas dissidências estudantis do “partidão” ao lado da POLOP que, influenciadas pela Revolução Cubana, passaram a adotar a estratégia foquista. Esse polo defendia que o movimento estudantil tinha que ter pautas próprias, tendo como centro somente a luta contra a política de ataque à educação do governo militar. Elas partiam de uma concepção de não aliança com a burguesia nacional sob nenhuma circunstância, mas não reconheciam o papel de sujeito revolucionário da classe operária. Ao longo dos anos, frações da AP se aproximaram à POLOP e do MR-8, como o PRT (Partido Revolucionário Tiradentes) defendendo o foco guerrilheiro.

No ano de 1968, com os ventos da luta de classes Internacional soprando desde o Maio francês, o Outono Quente italiano e a Primavera de Praga, o Brasil é sacudido por intensas greves operárias e mobilizações estudantis. Exemplos disso foram as grandes greves de Contagem (MG) e Osasco (SP), em que inclusive os “estudantes-operários” debatiam marxismo, revolução russa e outros temas com os trabalhadores. Os estudantes se colocavam lado a lado dos trabalhadores em apoio ativo à sua auto-organização, que acontecia pela política das oposições operárias, em especial a de Osasco, a qual, contra a estrutura sindical oficial dependente do Estado, ou seja, dos militares, formavam comissões de fábrica – processo interrompido pela derrota de 1968 e a adesão dos principais ativistas operários à estratégia guerrilheira. O movimento estudantil em geral foi incapaz de desempenhar um papel superior. É em 1968 que a ditadura desarticula o movimento estudantil reprimindo o Congresso da UNE em Ibiúna. Começa os anos de chumbo.

Anos depois, a AP então se divide entre duas frações em 1971, ambas reivindicando o nome APML (Ação Popular Marxista-Leninista). A maioria se funde com o PCdoB, reivindicando o stalinismo ortodoxo. A minoria, na qual permanece Honestino, sucumbe à repressão da ditadura. É em 1973 que Honestino desaparece.

Qual Honestino a UJS gosta de retomar?

Nesse sentido, não podemos reivindicar a política de Honestino Guimarães, sua estratégia tinha como princípio a colaboração de classe e se mostrou falha com os acontecimentos da história. Mas podemos e devemos aprender com o passado. Em perspectiva, podemos dizer que existem três elementos que faltaram ao movimento estudantil naquele momento.

Primeiro de tudo, carecia a ambas as posições hegemônicas, guevarista e maoísta, uma estratégia que desse conta de organizar o movimento estudantil nacional desde as bases através da defesa de uma política de auto-organização. Isto é, uma estratégia que tivesse como objetivo a construção de assembleias massivas capazes de organizar comandos nacionais de estudantes e articular de forma massiva e nacional o movimento. Outra carência importante era a aliança incondicional com a classe operária e seu reconhecimento como sujeito revolucionário, pela sua posição na produção e, portanto, capaz de parar e transformar a sociedade desde as bases. Isso poderia ter generalizado os exemplos dos “estudantes operários”, entre outros exemplos como a solidariedade das ocupações universitárias às greves como na USP no antigo campus da Maria Antônia, auxiliando os trabalhadores a superarem as burocracias sindicais e unificar o conjunto da classe junto dos camponeses e oprimidos. Por fim, faltou ao movimento a bandeira da luta pela construção de um grande partido revolucionário da classe trabalhadora, que tirasse as lições das revoluções do pós-guerra, retomando o trotskismo e a estratégia-programa da revolução permanente, sendo capaz de dirigir o movimento de massas rumo à revolução social. Essa estratégia, resumidamente, baseia-se na incapacidade da burguesia nacional de resolver as questões democráticas como a reforma agrária (o que foi demonstrado com Jango e o golpe militar), sendo necessária uma política independente dos trabalhadores. Isso colocaria na ordem do dia avançar para a revolução socialista, expropriando e socializando os meios de produção desde a base. Nem a concepção de “guerra popular”, na qual a AP dissolvia o sujeito operário, nem o foquismo guerrilheiro que levou a aventuras ultraesquerdistas, liquidando a jovem vanguarda nas guerrilhas urbanas e rurais, separando-se dos centros operários, eram alternativas. Nessa dinâmica, em um país semi-colonial como o Brasil, a revolução só poderia se concluir e se completar a nível internacional.

Leia mais: O movimento estudantil até 1968: um debate de estratégias para enfrentar os desafios de hoje

O que tirar para os dias de hoje?

O mesmo PCdoB que falávamos acima, por meio da UJS, dirige a UNE há décadas. A conclusão daquela política ora maoístas, ora stalinista ortodoxa, era a colaboração de classe com a burguesia. Não à toa, assim como o PCB, cumpriu um papel de seguidismo das direções pelegas atreladas à ditadura no ascenso operário do final dos anos 70 que colocaram em cheque a ditadura. Com o desenvolvimento do PT e seu desvio para um projeto reformista e da ordem com a burocracia sindical de Lula e dos “sindicalistas autênticos”, o PCdoB divide tarefas com o PT ocupando a direção da UNE desde então. Foram peças importantes para que não houvesse qualquer questionamento pela esquerda da transição pactuada com a ditadura que deixou impune os militares, traindo as grandes greves operárias que poderiam ter colocado abaixo a ditadura com revolução.

Voltando a um passado recente, nos últimos anos essa mesma direção da UNE cumpriu um papel de desarticular e desviar a mobilização dos estudantes contra Bolsonaro, como no Tsunami da Educação, apostando nas vias eleitorais e institucionais. Apostaram todas suas fichas na eleição de Lula-Alckmin para desviar o descontentamento com o bolsonarismo para dentro das mesmas instituições que avalizaram o golpe de 2016, como o STF de Barroso. Querem reabilitar essa democracia burguesa degradada, querem salvar uma Nova República, surgida da transição pactuada, mas que já está morta. É por isso que retomam Honestino, querem convencer os estudantes que o caminho que precisamos confiar é na conciliação de classes. Um grande desserviço à sua memória!

Falta ao movimento estudantil hoje questões análogas àquele tempo de Honestino. Assim como naquele tempo, a UNE precisa ser um instrumento que impulsione a auto-organização desde a base; que confie apenas e unicamente na aliança com a classe trabalhadora que tudo produz, e não nas instituições como o STF, o Congresso e as alianças com a direita. A UNE precisa ser independente dos governos e das reitorias! O que vimos nesse CONUNE foi o oposto disso.

Além do mais, o bloco da chamada “oposição de esquerda” acabou. Parte dele se jogou aos braços da UJS e do PT, como foi o caso da Juventude Sem Medo com Afronte/PSOL à frente, outra parte liderada pelos stalinistas da Correnteza/UP que estava mais preocupada em tirar fotos com Lula, Barroso e cia, junto da atuação apática da UJC/PCB e Juntos/PSOL. Nenhum desses blocos cumpriu um papel real de oposição, não são independentes nem política nem organizativamente. Nenhum plano de luta efetivo saiu desse CONUNE, e em boa medida isso se deve a essa oposição de fachada mais preocupada com seus cargos na direção do que com a luta. Apenas a Faísca Revolucionária, em um chamado permanente para a construção de um bloco independente dos governos e reitorias, saiu da rotina nesse CONUNE e estampou as capas da Folha de São Paulo, CNN e afins quando escorraçou Barroso em apoio às enfermeiras, quando chamou a esquerda a romper com a plenária com Lula e Camilo Santana e exigir uma luta consequente contra o Arcabouço Fiscal, Marco Temporal e a Reforma do Ensino Médio.

Vivemos em um momento histórico que se reatualiza a época imperialista de crises, guerras e revoluções, como dizia Lenin. A tarefa dos comunistas, é preparar os combates do futuro para que possamos vencer e derrubar o capitalismo. A grande lição de Honestino é essa: para vencer os exploradores, é preciso uma estratégia independente, operária e socialista. A auto-organizanização que faltou em 68, nesse CONUNE poderia ter dado lugar a um grande plano de lutas, com um comando nacional de delegados eleitos por cada universidade para barrar os ataques; a concepção de centralidade da classe operária, poderia ter se dado com voz às enfermeiras em luta! Não foi isso o que aconteceu. No entanto, havia um setor em meio a isso tudo crítico e disposto a tirar as conclusões corretas.

A firmeza de Honestino, sua energia de espírito, colocando sua vida à prova, organizando a paixão transformadora da juventude em prol do coletivo é impressionante, segue sendo um exemplo para as novas gerações. Ele foi o contrário do que muitos jovens estudantes da UnB estavam fazendo ao se acomodarem com o status quo, virando patrões, assumindo os cargos administrativos do aparelho de Estado da ditadura - algo muito mais próximo da burocracia da UJS que vende até a alma por cargos, é a polícia política burguesa dentro movimento estudantil. A questão de nossa época é refletir como conduzir essa paixão para uma estratégia correta, revolucionária. “Nada de novo no mundo se fez sem paixão”, dizia Hegel. A tarefa dos comunistas é subordinar essa paixão à razão, confluir o marxismo revolucionário com a classe trabalhadora. “E se não achar meu caminho, basta-me crer encontrá-lo de coração”, é a frase esculpida no monumento em sua homenagem na UnB. Por um lado, a paixão ardente de um mundo onde valha a pena se viver; por outro, o desencontro, a carência de uma teoria revolucionária para pavimentar uma estratégia revolucionária. Aos tantos estudantes de alma sincera e paixão ardente que se inspiram em Honestino, dizemos claramente: UJS, tire suas mãos dele! Com sua paixão, encontremos o tão desejado caminho tirando as lições da história e mudando o presente pela raiz. Não partimos do zero. Talvez àquela frase de Honestino se complemente melhor com a de Trótski:

“É por isso que a juventude se reunirá sob a bandeira daqueles que lhe trazem um futuro. Apenas a Quarta Internacional, porque representa os interesses históricos da única classe que pode reorganizar o mundo sobre novas bases, apenas os Bolcheviques-Leninistas podem prometer aos jovens um futuro no qual possam colocar suas habilidades em pleno uso. Dê um futuro à juventude, dê um futuro ao mundo!”


veja todos os artigos desta edição
CATEGORÍAS

[59º Conune]   /   [UJS]   /   [Faísca - Juventude Revolucionária e Anticapitalista]   /   [STF]   /   [Ditadura militar]

Rosa Linh

Estudante de Ciências Sociais na UnB
Comentários