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Reflexões sobre a devastação ambiental e genocídio indígena na ditadura militar brasileira

Rosa Linh

Reflexões sobre a devastação ambiental e genocídio indígena na ditadura militar brasileira

Rosa Linh

Esse texto possui algumas reflexões iniciais sobre os crimes anti-indígenas e ambientais da ditadura militar brasileira, procurando começar a extrair lições da luta e resistência do movimento ambientalista e indígena, e estabelecer a necessidade de uma estratégia operária, socialista e revolucionária, capaz de unir a classe trabalhadora e os oprimidos em chave anticapitalista.

“Ecologia sem luta de classes é jardinagem” - Chico Mendes

Esse texto possui algumas reflexões iniciais sobre os crimes anti-indígenas e ambientais da ditadura militar brasileira, procurando começar a extrair lições da luta e resistência do movimento ambientalista e indígena, e estabelecer a necessidade de uma estratégia operária, socialista e revolucionária, capaz de unir a classe trabalhadora e os oprimidos em chave anticapitalista.
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“A deterioração ambiental vai muito além da poluição industrial. Há outras formas de degradação, tanto em zonas urbanas quanto em zonas rurais, que constituem a poluição da pobreza ou do subdesenvolvimento”, essa foi a declaração do ministro José Costa Cavalcanti em 1972 ao discursar como chefe da delegação brasileira na primeira Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente, em Estocolmo na Suécia. Como sintetiza artigo da HCSM da Fundação Oswaldo Cruz, a posição do Brasil foi clara: nações mais pobres deveriam primeiro converter os baixos níveis de renda por meio de estímulos ao desenvolvimento e, somente depois, lidar com o impacto ambiental causado pelas atividades econômicas.

Essa foi a tônica da política ambiental nos anos de ditadura militar, análoga à famosa frase do economista e ideólogo do “milagre econômico”, Delfim Netto, “é preciso fazer o bolo crescer para depois dividi-lo”: por detrás de uma suposta defesa da segurança nacional, da integração e desenvolvimento do Brasil, o golpe militar, após aplastar o processo revolucionário operário e camponês que sacudia o país, com apoio e financiamento das potências imperialistas em particular dos Estados Unidos, promoveu um grande aprofundamento na devastação ambiental.

Em especial com a derrota dos levantamentos de 1968, com o financiamento astronômico dos EUA, e que depois faria explodir a dívida externa nacional, o chamado “milagre econômico”, com cifras de crescimento de até 10% ao ano, apoiou-se com peso num verdadeiro ecocídio. Por um lado, produziu-se uma acelerada industrialização e um êxodo rural maciço, apoiada no brutal arrocho salarial, eliminação de direitos sindicais, políticos e civis nos anos de chumbo, tendo como consequência o processos de favelização dos centros urbanos e uma profunda precarização da mão de obra negra; por outro, a ditadura levou a frente a “integração” da região norte brasileira, com projetos de infraestrutura megalomaníacos, o que veio acompanhado com uma profunda degradação dos ecossistemas, concentração fundiária e de renda, e um salto histórico no genocídio dos povos originários.

“Integrar para não entregar”

As perspectivas de ocupação e integração da região norte brasileira já eram um debate entre as classes dominantes a tempos, mas foi com a ditadura militar que essa perspectiva foi levada a cabo. “Esse sonho de ocupar a Amazônia com a agropecuária vem desde o Brasil Império”, afirma Nathalia Capellini, historiadora e pesquisadora em ditadura militar na Amazônia no Instituto Superior de Genebra. Como afirma a historiadora, a primeira tentativa de ocupação do território ocorreu no Estado Novo (1937-1945), quando Getúlio Vargas lançou a “Marcha para o Oeste”, no entanto só na ditadura militar (1964-1985) é que o Estado investiu recursos em políticas de ocupação. Em Reigota (1997,p. 59), temos que “era necessário conquistar o vazio verde, ou seja, a Amazônia, para garantir a integridade do território nacional e as riquezas da potência emergente”, uma visão intrinsecamente ecocida do regime, na qual a natureza é apenas um apêndice do acúmulo de capital da burguesia à revelia das condições de vida das massas e do meio ambiente. Nesse sentido, a propaganda do regime, enquanto prendia, torturava e matava líderes sindicais, estudantis e camponeses, era de que a exploração e integração da região norte e seus grandes projetos de infraestrutura iriam gerar emprego e terra, que os problemas da reforma agrária seriam resolvidos com o preenchimento populacional na floresta Amazônica, considerando a região como um grande vazio demográfico. Foi nessa dinâmica que se acentuaram os processos de grilagem legalizada de terras públicas e invasões. O lema de Castelo Branco “integrar para não entregar” era a tônica ufanista e ultra-nacionalista do regime, de que assim supostamente se estaria defendendo as riquezas nacionais - a grande questão é: que “defesa” foi essa e para quem?

Como ressalta o antropólogo Fred Lucio, professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), a necessidade de acesso a áreas remotas estava junto de uma suposta segurança nacional: "Havia uma preocupação com as fronteiras do Brasil. A defesa da Amazônia fazia parte do fantasma da segurança nacional". Por um lado, existia todo um medo do fantasma do comunismo e das guerrilhas agrárias, e por outro um interesse das potências imperialistas de assegurar e aprofundar a exploração primitiva de capitais na maior floresta equatorial do mundo, cujo valor geopolítico era e até hoje é decisivo, possuindo a maior biodiversidade do planeta, a maior bacia hidrográfica do mundo e sendo extremamente rica em minérios. O que vimos com a ditadura, longe da “defesa da Amazônia”, foi a exploração, devastação e abertura para capitais estrangeiros de forma sistemática.

Com isso, estima-se que na década de 1970 o desmatamento tenha pela primeira vez atingido grandes proporções, com 14 milhões de hectares devastados. Entre diversos crimes ambientais da ditadura, podemos citar a generalização do modal energético de usinas hidrelétricas como as de Tucuruí (1975) - cujos impactos constam perda de ecossistemas locais, grande emissão de gases de efeito estufa em sua construção, perda de biodiversidade, e que foram detalhados em estudo de Philip M. Fearnside - de Balbina, Itaipu e Ilha Solteira. Também se investiu na energia nuclear, com as usinas de Angra 1 e Angra 2, com seu potencial para desastres catastróficos.

A Transamazônica talvez seja um exemplo emblemático das grandes rodovias que cortavam e levavam a destruição na Amazônia, uma verdadeira demonstração da razão instrumental torpe da burguesia, na qual o ser humano está desbravando e conquistando a natureza, como se fosse alheia a ela. Não à toa, conforme registrou o jornal O Estado de S. Paulo, o então ministro dos Transportes, Mário Andreazza dizia que a Transamazônica "simboliza o poder criador do homem brasileiro e sobretudo a atitude de uma nação jovem e corajosa, decidida a enfrentar com firmeza e determinação todos os problemas que lhe dificultam o acesso ao pleno desenvolvimento econômico e social".

Professor da Universidade de Bristol, no Reino Unido, o biólogo Filipe França explica que a construção de rodovias em regiões florestais acarreta dois danos ambientais e, nesse sentido, analisar a Transamazônica é mergulhar em "um clássico exemplo". O primeiro é, justamente, o desmatamento e a remoção florestal, que acarretam a fragmentação da floresta e criação de ilhas de vegetação, levando à mortalidade de espécies e redução da diversidade genética. Já o outro são os caminhos que vão se formando a partir da estrada principal, criando-se caminhos secundários extra-oficiais que se tornam vetores de degradação ambiental em nome dos lucros. Além disso, sua construção atingiu pelo menos 29 grupos indígenas, dentre eles, 11 povos que viviam completamente isolados.

Outro ponto relevante a ser mencionado foi que a concentração fundiária e a desigualdade no campo cresceram vertiginosamente. De acordo com Martins (1980), em 1975, 52% dos estabelecimentos rurais possuíam menos de dez hectares e abrangiam apenas 2,8% da área total. O exemplo emblemático da colossal extensão dos latifúndios é figurada pelo Projeto Jari, comandado pelo bilionário empresário americano Daniel Keith Ludwig que chegou a possuir mais de 4,6 milhões de hectares na divisa entre o Pará e o Amapá.

Contudo, do ponto de vista numérico, os projetos de colonização tiveram resultados módicos, assentando cerca de 39.948 famílias (CARVALHO FILHO, 1997) - o que no entanto não significa que o impacto ambiental dessa empreitada tenha sido menor. O que de fato recebeu a esmagadora maioria dos investimentos e incentivos da ditadura foram os grandes projetos de desenvolvimento rural, destacando-se a expansão da fronteira agrícola a partir da década de 1960 voltando-se para a Amazônia brasileira.

Nessa perspectiva, os agrotóxicos foram peça fundamental para a consolidação do modelo agroindustrial promovido pela ditadura no Brasil, a “revolução verde” à brasileira, como afirma artigo já citado aqui, no qual o Programa Nacional de Defensivos Agrícolas (PNDA), criado em 1975, estimulou a produção nacional de agrotóxicos, entre eles, inseticidas organoclorados, como DDT e Dieldrin, proibidos em outros países.

Segundo o artigo, 85% do total de vendas de agrotóxicos em 1976 haviam sido financiados pelo crédito rural, isto é, um investimento massivo do Estado, com subsídios e incentivo fiscal, a esses produtos, mesmo com inúmeros deles com potencial cancerígeno e de danos imediatos à saúde dos trabalhadores e de contaminação alimentar.

Relatório Figueiredo, criação da FUNAI e o aprofundamento do genocídio indígena

Como afirma o relatório da Comissão Nacional da Verdade, apenas na investigação de dez povos, foram estimadas mais de 8 mil mortes de indígenas provocadas pelo governo militar. No caso do povo yanomami, segundo a comissão, não há um número oficial de mortos, mas se estima que chegue aos milhares.

As estradas construídas pela ditadura na Amazônia, ao invés de interligar e promover o desenvolvimento econômico e social, promoviam rotas para os invasores garimpeiros e fazendeiros acumularem capital, pilharem as riquezas naturais, e isso foi feito à base da violência mais espúria e legalizada. Baseada no lema da ditadura, “uma terra sem homens para homens sem terra”, a ditadura tornava norma e generalizou a acumulação primitiva de capital na Amazônia às custas dos povos originários.

Um dos documentos mais macabros desse período é o “Relatório Figueiredo”, produzido por Jader de Figueiredo Correia a pedido do Ministro do Interior Afonso Augusto, contando com mais de 7 mil páginas de relatos do genocídio, com estupros, assassinatos, tortura, guerra bacteriológica, intoxicação química, escravidão, abuso sexual, entre outras atrocidades. Esse relatório foi produzido em 1967, no entanto “desapareceu” e só foi encontrado em 2012 quando das investigações da Comissão da Verdade. Povos inteiros do Maranhão foram erradicados, e outros no Mato Grosso quase foram dizimados. Das 134 pessoas acusadas a partir do relatório, nenhuma foi sequer julgada e muito menos punida devido à Lei de Anistia.

A partir dessa documentação, a ditadura fez uma “reforma dentro do golpe”, abolindo o antigo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), criado em 1910, e fundando a FUNAI. Sob a liderança de Marechal Rondon e sua visão positivista de “ordem e progresso” reacionárias, o lema do SPI era “morra se necessário, mas nunca mate”, baseada na crença de que os indígenas deveriam poder se desenvolver no seu próprio ritmo e, com assistência e proteção do Estado, eles acabariam preferindo se integrar à sociedade brasileira, mais desenvolvida e moderna. Essa premissa, no entanto, possuía uma dimensão racista intrínseca, na qual a “assistência”, na prática, foram os crimes praticados pelos próprios agentes do Estado que o relatório denuncia.

Nessa medida, a FUNAI, longe de ser uma instituição destinada a “proteger” ou garantir os direitos dos povos originários, estava também baseada no racismo de Estado. Sob a presidência de José de Queiroz Campos, foi criada a Guarda Rural Indígena (GRIN), uma força paramilitar composta por indígenas para patrulhar a zona rural, um salto de qualidade pautado na militarização da política indigenista. São inúmeras as denúncias de arbitrariedades e violência. Há também relatos de que essas milícias permitiam, com uso da força, que grupos fundamentalistas religiosos entrassem nos territórios indígenas para “evangelizar”, como aconteceu com a South America Indian Mission Inc., que posteriormente entraria em conflito com os Xavante e Nhambiquaras.

Temos então a promulgação do Estatuto do Índio em 1973, marcando esse momento de transição. No antigo SPI, os indígenas eram tidos como “relativamente incapazes” e precisavam de assistência do Estado, mas com a FUNAI se passava à uma “tutela de direitos”. Seu primeiro artigo afirma: “regular a situação jurídica dos índios ou silvícolas e das comunidades indígenas, com o propósito de preservar a sua cultura e integrá-los, progressiva e harmoniosamente, à comunhão nacional” - ou seja, a visão racista e violenta de integração e contrária à auto-determinação dos povos originários permanece, ainda que com uma roupagem nova para evitar as fortes denúncias de genocídio veiculadas principalmente no exterior.

Indígenas eram presos sob pretexto de “vadiagem”, eram chicoteados, presos em solitárias. A ditadura chegou ao ponto de criar campos de trabalhos forçados para indígenas. O site "Memórias da Ditadura" relata "Em 1969 começou a funcionar no município de Resplendor (MG) o Reformatório Agrícola Indígena Krenak, um “centro de recuperação” de índios mantido pela ditadura militar. Indígenas de todas as regiões do Brasil foram jogados em suas celas, acusados por “crimes”, como desacato ao chefe do posto, vadiagem, consumo de álcool e pederastia (homossexualidade masculina). No Reformatório, os militares também forçaram a criação de milícias, e ensinavam aos recrutas técnicas de tortura, o que também se tornava um grave problema quando eles retornavam à suas aldeias.

De forma análoga à criação da FUNAI, na ditadura criou-se várias medidas legais de regulação ambiental, como o Código Florestal; a Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA), dando um marco legal para a questão ambiental, instalando uma estrutura burocrática de gestão do meio ambiente no país; a formação do Instituto de Pesquisa Ambiental na Amazônia (IPAM), o Estatuto da Terra em 1964, e a Secretária Especial do Meio Ambiente (SEMA). Ainda que essas entidades fossem inexistentes no pré-ditadura, isso não mostra preocupação ambientalista do regime, muito pelo contrário: como afirma o cientista Paulo Moutinho “muitas das ações de regulamentação tinham a ideia de ter controle sobre as áreas públicas do país, aquilo que era considerado uma reserva de terras, de ativos ambientais ou afetados principalmente por epidemias, com casos de omissão de vacinação”. A historiadora Nathalia Cappellini tem a tese de que a ditadura oscilou, com base na pressão de potências internacionais. No entanto, é preciso ver que, num momento em que a agenda ambiental se colocava na geopolítica mundial diante da necessidade de desviar as demandas mais radicais do movimento ambientalista que floresceu com o ascenso revolucionário de 1968, e com o surgimento do movimento ambientalista organizado no Brasil, o regime militar procurou criar uma burocracia e base legal para, por um lado, estabelecer consenso, sobretudo nas classes médias, e concatenar isso com seus interesses coercitivos do seu modelo de desenvolvimento agressivo.

Uma breve história da formação do movimento ambientalista e indígena no Brasil e a necessidade de uma política anticapitalista para a atualidade

Diante de tanta barbárie, foi durante a ditadura que o movimento ambientalista e indígena foram tomando corpo e se tornando os movimentos sociais que conhecemos hoje.

No movimento indígena foram surgindo organizações em meados dos anos 70 e 80, como o Conselho Indígena de Roraima (CIR), fruto da formação de Conselhos Regionais indígenas ao longo da década de 80, que coordenavam ações conjuntas para recuperação de terras; vemos surgir também a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN) de 1987 e a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) de 1989, que agregou cerca de 70 outras organizações. Uma característica política que marca o movimento dessa época é a compreensão de que são ações concretas de luta que, de fato, podem garantir direitos. Reflexo dessa organização e luta foi o asseguramento, pela primeira vez na constituição, do respeito e direitos de crença, terra e vida dos povos originários, e que cabia à União demarcar suas terras - uma premissa jurídica que não rompe com a relação de negação da autodeterminação das nações indígenas, que seguem sob tutela do Estado. Mesmo assim, essas garantias mínimas de direitos indígena hoje estão fortemente na mira do Marco Temporal.

Já o início do movimento ambientalista brasileiro se deu com a formação de ONGs por cientistas e ativistas, como por exemplo a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiental Natural (AGAPAN), liderada por José Lutzenberger, na qual se pautava principalmente críticas à sociedade de consumo e os modelos ecocidas de desenvolvimento, algo que possui uma pauta comum com a Articulação Antinuclear Brasileira (AAB). São várias as influências dos movimentos ambientais que se formam na Europa e nos Estados Unidos, que vão desde ideários de contracultura até questionamentos ao modo de produção capitalista. Alguns marcos importantes foram a criação, em 1976, da Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza (FBCN), bem como em 1978 com a Conferência Nacional sobre o Meio Ambiente. Em geral, e principalmente em meados dos anos 80, críticas mais anticapitalistas foram perdendo espaço para visões institucionalistas.

Uma figura emblemática do movimento ambiental brasileiro foi Chico Mendes, um seringueiro que fundou a CUT no Acre e organizou a luta dos trabalhadores rurais contra os latifundiários na região. Pautava-se na estratégia do “empate”, na qual criava comunidades agrícolas auto-organizadas e sustentáveis, mas que no entanto não partia de uma estratégia mais global de luta pela reforma agrária e contra o latifúndio. No final de sua vida, afirmava ter se tornado um socialista, mas, contraditoriamente, Chico depositava confiança na Assembleia Constituinte de 88, símbolo da transição “democrática” pactuada com a ditadura; nesse mesmo ano foi assassinado a mando dos jagunços dos grandes fazendeiros. Sua vida e militância são um reflexo das contradições subjetivas da época. É um exemplo de luta abnegada contra a devastação ambiental, mas também da carência de uma estratégia anticapitalista e revolucionária contra a ditadura.

Para um debate mais profundo sobre a estratégia e interpretações da vida e luta de Chico Mendes, leia: Estratégia revolucionária, hegemonia e ecossocialismo: um debate com Michael Löwy (Parte II)
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Vivemos num mundo onde a catástrofe ambiental é cada vez mais urgente de ser detida e na qual as pautas indígenas são igualmente prementes. Foram vários anos de golpe institucional e de governo Bolsonaro, em que as Forças Armadas novamente sairam da caserna e voltaram para o centro da cena política nacional, e que o genocídio indígena e a devastação ambiental avançaram como nunca com a “passagem da boiada”. O governo Lula-Alckmin, que subiu na rampa do Palácio do Planalto junto do líder indígena Cacique Raoni, no entanto, registra recordes de desmatamento no Cerrado; o maior Plano Safra da história, reservando bilhões para o agronegócio; e a aprovação do Marco Temporal pelo Congresso. Com a criação do Ministério dos Povos Originários, com Sônia Guajajara (PSOL) à frente, vemos muito mais símbolos do que ações concretas. O fundamento da dominação imperialista e as relações econômicas que fazem do país uma semi-colônia baseada no extrativismo e na opressão indígena seguem plenamente vigentes.
A representação sem conteúdo anticapitalista, todavia, rapidamente se desmancha no ar, pois está sustentada por uma base fraca, que apenas desvia o potencial de luta disruptiva diante das contradições do sistema capitalista na questão ambiental e indígena. Pelo contrário, se de fato queremos levar a frente as demandas históricas do movimento ambientalista e indígena, como a demarcação de todas as terras indígenas, a reforma agrária e a preservação dos ecossistemas naturais nacionais; se queremos memória e justiça diante dos crimes ambientais e do genocídio indígena, a começar pelo fim da Lei de Anistia, precisamos tirar as lições do passado e construir uma alternativa independente do governo de frente ampla Lula-Alckmin que concilia e preserva os privilégios das forçar armadas.

Para construir uma relação harmônica entre ser humano e natureza, na qual o lucro não esteja acima da vida, e para estabelecer uma verdadeira integração solidária e não-violenta com os povos originários, é fundamental uma estratégia anticapitalista e revolucionária, construindo uma aliança entre a classe trabalhadora que tudo produz, por meio de seus sindicatos e organizações de classe, com o movimento ambiental e indígena, contra o imperialismo, a burguesia nacional e seu balcão de negócios, o Estado burguês. Uma perspectiva não-institucionalista e sim baseada na luta de classes e na auto-organização operária e popular, com a perspectiva de um socialismo desde abaixo e internacional, na qual a ciência, tecnologia e a produção sejam planejadas de forma racional e harmônica para as grandes maiorias, não para um pequeno punhados de capitalistas. Em outras palavras, uma sociedade comunista.

CARVALHO FILHO, J. J. Política Fundiária. São Paulo em Perspectiva, v.11/no 2, p. 26-34, 1997.

MARTINS, J. S. Expropriação e violência (A questão política no campo). São Paulo: Hucitec, 1980.

REIGOTA, Marcos. Meio Ambiente e Representação Social. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 1997.


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Rosa Linh

Estudante de Ciências Sociais na UnB
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