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Declaração | Presos os mandantes e o planejador do assassinato de Marielle: mas é preciso seguir a luta por justiça

Hoje de manhã ocorreram as prisões do deputado federal Chiquinho Brazão (União Brasil - RJ) de seu irmão e ex-cacique do PMDB carioca Domingos Brazão, atualmente conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro e o delegado Rivaldo Barbosa, ex-comandante da polícia civil nomeado 12 dias antes pelo General Braga Netto, e empossado 1 dia antes do assassinato de Marielle no comando da Polícia Civil durante a Intervenção Federal militar no RJ que começa em fevereiro de 2018. O ministro da Justiça do governo Lula, Lewandoski, declarou em coletiva de imprensa que os trabalhos estão encerrados, considera o caso resolvido apontando mandantes, intermediários e executantes. Nossa luta para conhecer e punir cada envolvido nesse assassinato político precisa se redobrar porque ainda há muito a esclarecer e para que se possa enfrentar os problemas de fundo que esse assassinato revela.

domingo 24 de março | Edição do dia

6 anos depois do brutal assassinato político de Marielle Franco ainda pairam suspeitas sobre as motivações dos mandantes do crime. A luta contra a impunidade nesse caso é parte integral de revelar as assassinas estruturas políticas e militares do poder no Rio de Janeiro e no Brasil. Hoje a Polícia Federal executou à mando do ministro Alexandre de Moraes do STF a prisão de lideranças da influente família Brazão do Rio de Janeiro bem como do ex-chefe da Polícia Civil, Rivaldo Barbosa, nomeado por Braga Netto a seu cargo durante a intervenção federal no Rio de Janeiro e que é acusado pela PF de ser quem “planejou meticulosamente” a execução. Braga Netto, como se sabe, foi importante ministro de Bolsonaro e seu candidato a vice-presidente na eleição de 2022.

As prisões de hoje foram acompanhadas de outras 12 operações de busca e apreensão, inclusive do chefe do Departamento de Homícidios (DH), Giniton Lages, nomeado por Barbosa para obstruir o caso que ele teria planejado a execução a mando dos Brazão. Ainda não foi plenamente esclarecido o papel de Giniton Lages, Rivaldo Barbosa, Richard Nunes, e seu chefe, Braga Netto, na trama, mas é um fato que no exercício de seus mandatos desviaram a investigação para acusar o Curicica e Siciliano como mandantes. Meses depois do assassinato, Richard Nunes, Secretario de Segurança Publica interventor das Forças Armadas chegou a ser categórico em 14 de dezembro de 2018, antes do fim da intervenção federal, e era homem de confiança de Braga Netto. Já há fontes jornalísticas que apontam que a nomeação de Barbosa a chefe da polícia civil por Braga Netto teria sofrido oposição da inteligência deste órgão mas que mesmo assim o general teria decidido fazer isso.

Esse conjunto de operações de hoje seria decorrência da delação premiada de Ronnie Lessa, que confessou cometer o assassinato. Nesta delação ele teria afirmado que o mandante do crime foi Domingos Brazão, ex-deputado estadual do Rio de Janeiro e membro do Tribunal de Contas do Estado.

Domingos Brazão é um nome influente do MDB carioca, e é irmão de Chiquinho Brazão, deputado federal, e Pedro Brazão, deputado estadual. Seu reduto eleitoral é o Rio das Pedras, área dominada por uma milícia de peso do Rio de Janeiro. Domingos e Chiquinho foram citados no relatório final da CPI das Milícias, em 2008, presidida por Marcelo Freixo, então deputado estadual. E tal como acontece na prisão de hoje as investigações chegaram à cúpula da polícia civil, naquele momento em 2008 a Álvaro Lins, e agora a Rivaldo Barbosa - nome de Braga Netto, portanto da cúpula das Forças Armadas, no Rio de Janeiro.

Na versão veiculada na maioria da imprensa do dia de hoje a motivação da família Brazão para mandar executar esse crime, contratando caros matadores de aluguel, seriam seus interesses imobiliários em uma área de 1 condomínio que foram loteados pela milícia a que estão ligados na Zona Oeste do Rio de Janeiro e, Marielle queria dar outra destinação a dito condomínio. Outra motivação aventada da família Brazão poucas semanas atrás teria sido outra segundo a mesma grande imprensa burguesa havia divulgado, é o assassinato político como vingança a Marcelo Freixo, pois além de seu papel da CPI das Milícias em 2008, ele havia tentado barrar a nomeação de Domingos Brazão ao TCE, em 2015, e, em 2017, conseguiu barrar a indicação de outro capa-preta do MDB, Edson Albertassi, ao mesmo tribunal, por ter sido preso na Operação Cadeia Velha. Na entrevista do ministro Lewandowski e do chefe da Polícia Federal preferiram apontar a uma série de contextos de oposição de Marielle aos interesses dos Brazão. As motivações e conexões dos Brazão seguem sem estar esclarecidas com as operações de hoje e a própria família da vereadora segue lançando dúvidas.

Está muito claro como toda a grande imprensa omite o papel de Braga Netto e seus indicados à polícia civil do Rio de Janeiro no caso que aconteceu sob a intervenção federal. Trata-se de uma tentativa flagrante de poupar as Cúpulas das Forças Armadas de seu envolvimento direto ou indireto no caso. Familiares de Marielle reagiram com estranhamento sobre os desdobramentos incluírem a cúpula da polícia e suas motivações.

Outra possível ligação dos militares com o encobrimento do caso veio a público recentemente. O diretor da Abin durante o governo Bolsonaro, Alexandre Ramagem, utilizou o software israelense First Mile para espionar a procuradora do Ministério Público carioca Simone Sbilio, responsável pelas investigações. Na época a Abin era parte da estrutura do GSI e Ramagem era subordinado do general Augusto Heleno.

O que é um fato incontestável sobre o caso é a profunda ligação do Estado, de políticos a membros do TCE às Forças Armadas, com o submundo do crime carioca, e particularmente as milícias, incluindo tentativas de incriminar milicianos rivais. As milícias, inicialmente formadas por ex-policiais, sempre tiveram uma ligação profunda com praticamente todos os principais partidos da política fluminense. Se hoje sobressai sua ligação com Bolsonaro e seu séquito, durante muito tempo já foram ligadas ao MDB do próprio Domingos Brazão, mas também de Sergio Cabral, Pezão e Eduardo Paes, ou ao então DEM do ex-prefeito Cesar Maia e outros partidos.

Essa ligação da milícia com a política se explica por seu potencial eleitoral, já que forma currais em suas áreas dominadas. Segundo estudo do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismo (GENI-UFF), a área controlada pela milícia cresceu 387% entre 2006 e 2021, passando a controlar cerca de 10% da área territorial da Região Metropolitana, com mais de 1,7 milhão de habitantes. Apesar de não serem um grupo monolítico, contando também com diferentes facções que chegam a guerrear entre si, o apoio desses grupos paramilitares é um fator fundamental nas disputas eleitorais.

Retomando a tese inicial, se é possível ter certa certeza sobre os autores do crime serem Ronnie Lessa e Élcio Queiroz e a provável ligação com as milícias, os interesses políticos em, por um lado, dar uma solução, por outro as tentativas de impedir que se chegue às conexões e talvez até mesmo os reais mandantes, o profundo entrelaçamento dos envolvidos com setores dominantes da política, do Estado, e do crime organizado do Rio de Janeiro e os vários assassinatos de queima de arquivo, torna difícil dar certeza dos mandantes e suas motivações, ainda mais a partir de uma delação premiada, e nos coloca o questionamento se será possível revelar plenamente os mandantes do crime e todas suas conexões, o que só é possível aceitarmos que seja com provas irrefutáveis e não meras delações e que seja clarificado o papel das Forças Armadas.

A impunidade dos militares no governo da frente ampla de Lula-Alckmin é tal que até mesmo o golpe de 1964 é para o governo “página virada do passado”, bem como foi promulgada uma Lei Orgânica das Polícias que aumenta sua impunidade. Tais tipo de medidas acontecem ao mesmo tempo que são mantidas e aprofundadas as relações com o miliciano Waguinho, pai da ex-ministra do Turismo Danielle Waguinho, ilustrando como a conciliação do PT alimentou o MDB carioca amplamente relacionado às milícias e a esse assassinato político, como segue, no tempo presente, fortalecendo e alimentando alas da política carioca conectadas às milícias, não só Waguinho, como também Eduardo Paes, antigo entusiasta das milícias e que o PT compõe o gabinete de secretarias de sua prefeitura e busca indicar seu vice nas próximas eleições.

Desde o assassinato, viemos colocando como MRT que não seria possível resolver efetivamente este caso sem uma luta massiva, que impusesse uma investigação independente e uma efetiva luta pelo fim da impunidade. Isso não ocorreu até aqui e, com isso, segue a impunidade e as dúvidas pairando sobre o caso. Ao que parece, estamos prestes a ter notícias que supostamente resolveriam este crime bárbaro, que é uma ferida aberta do golpe institucional. Enquanto isso não se resolve e não se chega até as cúpulas deste crime bárbaro, seguiremos insistindo que é preciso uma luta nas ruas sem nenhuma ilusão nas forças repressivas e exigir que sejam publicizadas todas informações para que não exista impunidade neste caso de assassinato político.




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