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Gênero | É preciso organizar a luta independente do governo para que a lei de igualdade salarial seja efetivada

Impor a Igualdade Salarial exige organizar uma luta com independência do governo que mantém o trabalho precário e as reformas.

Tassia ArcenioProfessora e assistente social

quinta-feira 6 de julho de 2023 | Edição do dia

A lei da igualdade salarial, 14.611/ 2023, sancionada na última segunda-feira (3) pelo presidente Lula e publicada no Diário Oficial da União desta terça-feira (4), teve origem no PL 1.085/2023, anunciado no 8 de março e aprovado pelo Senado em 1º de junho.

A lei que no papel prevê que, no caso de discriminação por motivo de gênero, mas também de raça, etnia, origem ou idade, o pagamento das diferenças salariais devidas não afasta o direito de quem sofreu discriminação, promover ação de indenização por danos morais, é na realidade uma atualização do artigo 510 da CLT, que previa multa igual a um salário-mínimo regional e o dobro no caso de reincidência. Agora, a multa seria em dez vezes o valor do novo salário devido pela patronal ao trabalhador discriminado.

Além disso, a lei exige publicação semestral de relatórios de transparência salarial pelas empresas com mais de 100 trabalhadores.

A batalha por "igual trabalho, igual salário" é uma demanda histórica do movimento de mulheres e uma lei que faça referência a esse direito elementar é impacto direto da força que esse movimento expressou internacionalmente nos últimos anos.

Mas as mulheres sabem na pele que há leis que existem apenas “no papel”, e prova disso é que a própria CLT e até a Constituição Federal teoricamente já previam igualdade salarial entre homens e mulheres. Sem contar outras leis, como a Lei Maria da Penha, que apesar da sua existência, o Brasil seguiu batendo recordes de feminicídios, alcançando a revoltante marca de uma mulher morta a cada 6 horas em 2022.

Além disso, é impossível neste país falar em igualdade salarial para as mulheres quando o governo Lula-Alckmin mantém todas reformas fruto do golpe e do governo de extrema-direita de Bolsonaro, que atacam sobretudo os direitos das mulheres.

As mulheres são maioria entre terceirizadas e, portanto, foram as mais afetadas pela reforma trabalhista. As mulheres negras ganham 60% a menos que os homens brancos. Isso não significa, necessariamente, que em uma mesma empresa exista essa diferença no mesmo tipo de trabalho entre uma mulher negra e um homem branco. Essa porcentagem existe porque as mulheres negras estão nos piores postos de trabalho, terceirizados, precarizados, como empregadas domésticas. E essa é inclusive, a porta de entrada para o trabalho análogo à escravidão que vemos em distintos lugares do país também estampado com o rosto de mulheres negras.

Se hoje, portanto, a terceirização e precarização têm rosto de mulher e especialmente mulher negra, uma lei de igualdade salarial é insuficiente para realmente garantir essa igualdade porque trata apenas da igualdade entre trabalhos de mesmo ofício.

Outra questão que escancara os limites da lei, é que ela relega à justiça, tantas vezes escancaradamente machista e falha com o direito das mulheres, o dever de obrigar que de fato essa igualdade exista.

A questão, entretanto, não é somente um problema de insuficiência da medida em si. Mas sim da política de conjunto: ao mesmo tempo em que Lula sanciona esta lei, seu governo já anunciou que não vai revogar as reformas. E mais, já prepara o que certamente resultam em novos ataques para as mulheres, como o arcabouço fiscal e o marco temporal que atinge em cheio às mulheres indígenas.

O mesmo governo Lula-Alckmin que sancionou essa lei continua sustentando todos os setores que se beneficiam da terceirização do trabalho, que tem representantes importantes dentro da própria frente ampla que o elegeu.

É o mesmo governo que, frente a realidade escandalosa de que os lares chefiados pelas mulheres negras são os que mais sofrem pela fome, fortalece o agronegócio com um investimento recorde, destinando 340 bilhões para o plano Safra. É esse governo que enquanto as mulheres seguem morrendo por aborto clandestino, se alia com conservadores de todo tipo, chegando a nomear a reacionária Daniela do Waguinho como Ministra do Turismo.

Veja também: “Manifesto contra a terceirização e a precarização do trabalho: contra a terceirização, pela erradicação do trabalho escravo, a revogação integral da “reforma” trabalhista e o reconhecimento dos plenos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras em plataformas digitais”.

Longe de ser uma “tendência” ou algo “natural” ou “biológico” ou “essencial” e típico do sexo feminino, as tarefas e as funções que explicam o aumento da diferença salarial fazem parte, sobretudo, da manutenção do sistema capitalista, e por isso, as medidas efetivas para arrancar a igualdade salarial passam pela autorganização das mulheres de forma independente de todo governo aliado aos empresários, banqueiros e capitalistas.

Socializar o trabalho doméstico e de cuidados, lutar pelo fim da terceirização e contra a precarização do trabalho é crucial em qualquer batalha por igualdade salarial.

Nossa luta pela igualdade salarial entre homens e mulheres, negros e brancos é uma luta de toda a classe trabalhadora, unificando essa batalha com a luta contra o arcabouço fiscal e o marco temporal e por revogação integral de todas as reformas já.

Para isso, é preciso arrancar um plano de lutas das centrais sindicais que seguem em trégua e nos inspirar nos ares internacionais da luta de classes: como vemos hoje em Jujuy na Argentina com uma forte rebelião popular, unindo trabalhadores e indígenas para enfrentar o legado reacionário da direita dura neste país ou na França, que logo depois da marcante batalha contra a reforma da previdência de Macron, tem as ruas tomadas por protesto por justiça ao jovem argelino Nahel, vítima de violência policial.




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