Nos últimos dias, ocorreu o assassinato brutal de Maria de Fátima Muniz, conhecida como Pajé Nega, liderança do povo Pataxó Hã-Hã-Hãe, pelas balas de fazendeiros com ajuda da Polícia Militar do governador Jerônimo Rodrigues (PT), na Bahia. Também a crise na Terra Indígena Yanomami segue com desnutrição e mortes, promovida pelo garimpo. Depois de anos de governo Bolsonaro, essas expressões demonstram o cenário revoltante da situação dos povos originários no Brasil, de responsabilidade do Estado capitalista, com a frente ampla de Lula-Alckmin sem responder a essa crise estrutural, preservando e fortalecendo os ruralistas
terça-feira 23 de janeiro | Edição do dia
Neste domingo (21), pelo menos 200 fazendeiros, do Movimento Invasão Zero, atacaram com armas de fogo a retomada do povo Pataxó Hã-Hã-Hãe no território tradicional Caramuru-Catarina Paraguassu, município de Potiraguá, no Sudoeste da Bahia. Policiais militares da Bahia estavam presentes com os fazendeiros. Foi ali que Maria Fátima Muniz de Andrade Pataxó Hã-Hã-Hãe, conhecida como Nega, foi assassinada a tiros e outras duas pessoas da comunidade foram feridas. O povo aponta, certeiramente e sem sombra de dúvida, os fazendeiros e a PM de Jerônimo como responsáveis pelo assassinato, resultado de uma operação de reintegração convocada aberta e ilegalmente, pois não havia qualquer decisão judicial para que isso acontecesse.
O fato é que, mesmo que houvesse decisão judicial, é um absurdo que os povos originários ainda tenham que se enfrentar com essa violência revoltante para garantir o direito a suas terras. É necessário apontar que parte fundamental dessa responsabilidade repousa sobre as instituições do Estado capitalista brasileiro, e um dos principais atores é o próprio Judiciário, através do Supremo Tribunal Federal (STF) e diversas decisões que atacam o direito à terra dos povos indígenas, o que tende a se aprofundar com a tese reacionária do Marco Temporal, aprovada pelo Congresso.
Nesse sentido, depois de anos de Bolsonaro, que dizia que não ia demarcar nem um centímetro de terra para indígenas e quilombolas, lideranças indígenas de peso da política nacional, como Davi Kopenawa, Cacique Raoni e Daniel Munduruku, denunciam que a conciliação de classes do PT não responde à crise estrutural dos povos originários. Do governo federal de Lula-Alckmin a seus governadores, a exemplo de Jerônimo Rodrigues, e também o ex-governador da Bahia Rui Costa e Fátima Bezerra, governadora do Rio Grande do Norte, o que é relegado a esse setor é morrer de fome ou de bala e não ter Terra Indígena demarcada.
A crise Yanomami em Roraima também segue, escancarando que, especialmente crianças e idosos da etnia enfrentam há anos estágio avançado de inanição, desnutrição grave, malária, verminose, pneumonia. O ator que nos aparece em primeiro plano é o garimpo, mas uma breve observação já nos permite enxergar o Estado, os governos e as instituições do regime, como apontado anteriormente, também estão por trás desse massacre e de todas as mazelas contra os povos originários.
Neste sábado, 20, completou-se um ano desde que o Ministério da Saúde decretou Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional, que supostamente tinha como objetivo restabelecer os serviços de saúde e socorrer parte dos cerca de 30,4 mil yanomami, além de combater a invasão de garimpeiros. Essa suposta preocupação do atual governo federal não surgiu à toa. Durante os anos de governo Bolsonaro, os povos originários foram um dos principais, senão o principal, ator de enfrentamento nacional, com expressivos acampamentos em Brasília, demonstrando uma brava força e nos dando uma dica de qual caminho seguir para combater o Marco Temporal, mas também todos os ataques contra a classe trabalhadora e o povo pobre, como as reformas, que não seria o Judiciário, o Congresso e o governo que poderiam responder. Essa herança de retirada de direitos, privatizações e precarização do trabalho deixada pelos anos de bolsonarismo e pelo governo golpista de Temer também é integralmente preservada pelo governo Lula-Alckmin.
“Ele está devagar. Não cumpriu o que me prometeu no dia da posse e por isso vou a Brasília bater na porta dele”, disse Cacique Raoni. E ainda denunciou as secas dos rios Negro e Solimões: “Falei com os espíritos e sei que os rios da Amazônia vão secar todos, não vai demorar. Mas ainda temos uma chance”. Antes dele, Kopenawa já dizia: “Esse decreto emergencial foi só para apagar fogo, como se bombeiros fossem ali só para apagar um foco do incêndio”, em entrevista ao jornal O Globo. Recentemente, Munduruku denunciou no X: “Os dados sobre a saúde dos Yanomami não deixam dúvidas: criar um ministério cirandeiro apenas para apagar o incêndio é replicar a velha política do pão e circo. Muita festa, muita viagem internacional, muito discurso, muito do mesmo e nada do necessário. Uma lástima!”.
Além disso, ao portal Vocativo.com, a professora da Universidade Federal do Amapá, Camila Soares Lippi, também reforça: “Desde o começo desse novo mandato, embora tenha sido mais atuante em relação à questão indígena do que o governo Bolsonaro, ele é um governo que tem procurado aí aliar as demandas dos grupos dos povos indígenas com as demandas do agronegócio, que são demandas que são irreconciliáveis. Mas o governo Lula não é novidade. (...) é um governo de conciliação de classes e que vem tentando aí conciliar”.
O governo federal destinou uma verba histórica do Plano Safra ao agronegócio, para garantir os lucros desses capitalistas, enquanto os povos originários morrem de fome e são assassinados. Fez demagogia com o veto ao Marco Temporal, ao mesmo tempo em que negociava como Congresso, para encobrir essa política nefasta. Além disso, a ideia de conciliação de uma frente ampla é incluir os partidos do agronegócio, permitindo que o agro continue atuando no campo, em base à violência, manutenção do latifúndio, destruição dos recursos naturais e garantindo que não haja demarcação de terras indígenas.
Os governadores do PT, que foram nos anos de governo Bolsonaro responsáveis por aprovar em nível estadual a Reforma da Previdência, são também responsáveis por essa situação. Isso está escancarado com Jerônimo Rodrigues, assim como no ataque ao Quilombo Quingoma no governo de Rui Costa da Bahia, e também por garantir que o estado do Rio Grande do Norte não tenha nenhuma Terra Indígena demarcada, afinal isso frustraria os planos da frente ampla de Fátima Bezerra, de fortalecimento das polícias e de conluios com as grandes oligarquias, latifundiárias, a exemplo dos Alves, mas também as dos Faria, dos Maias, monopolistas das águas, garantindo a sede no semiárido.
Para enfrentar os ruralistas e vingar Nega Pataxó, todas as lideranças assassinadas e cada vida Yanomami, é necessário uma luta independente, que não confie nas instituições desse regime político degradado, começando pela exigência às grandes centrais sindicais, como CUT e CTB, dirigidas pelo PT e pelo PCdoB, à União Nacional dos Estudantes (UNE), para convocarem manifestações nacionais por Justiça contra o assassinato de Nega na Bahia. Somente nossa força, de originários, trabalhadores e estudantes, unificada pode garantir que sejam realizadas investigações independentes para apurar os crimes, expropriar o garimpo e o extrativismo e garantir a demarcação imediata das Terras Indígenas, rumo a uma reforma agrária radical. Justamente o oposto do que vem apontando a conciliação de classes da frente ampla de Lula-Alckmin.
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