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França | A Lei de Imigração na Assembleia: uma ofensiva de brutalidade histórica contra os estrangeiros

O texto traduzido a seguir é de autoria de Raji Samuthiram, e foi publicado originalmente no "Révolution Permanente”, o jornal francês da Rede Internacional do Esquerda Diário.

terça-feira 5 de dezembro de 2023 | Edição do dia

O debate sobre a imigração travado pelo governo francês expressa a cruzada anti-migratória, marcada pela xenofobia e a islamofobia, que a França e as outras potências, vem desenvolvendo por meio do governo de Emmanuel Macron, fortalecendo essa política de Estado trágica, totalmente endereçado à burguesia francesa e com políticas que permitem um constante crescimento da extrema-direita no país.

Não é de agora, no entanto, que a política racista de Macron se expressa, e desde que o presidente governa na França as políticas de repressão apenas se intensificam, atacando deliberadamente setores oprimidos da sociedade, crianças e mulheres majoritariamente, em um ataque direto a todos os imigrantes. Não à toa, o governo de Macron é responsável pela repressão violenta a tantas greves e protestos recentes na França, como os coletes amarelos, em 2018, e de diversas greves que se seguiram no país. São sucessivos ataques que seu governo provoca à classe trabalhadora, como a recém promulgada Reforma da Previdência. Recentemente, também, a polícia de Macron reprimiu os atos pró-Palestina em Paris, com gás lacrimogêneo e caminhões de água para dispersar os manifestantes.

Essa política de Macron e do Estado francês é totalmente alinhada ao imperialismo internacional, e à manutenção do Estado de Israel, um enclave imperialista no Oriente Médio. As políticas francesas de bloqueio e perseguição aos imigrantes estão lado-a-lado com essa concepção de acordos diplomáticos e alinhamento com Israel, fundamentam a importância da luta da classe trabalhadora francesa, por seus direitos e pelos setores oprimidos internacionalmente. E que essas lutas também ressoem internacionalmente, com uma luta pelo fim das opressões e brutalmente anticapitalista, contra esse regime que destrói o planeta e precariza a vida de bilhões.

No Brasil a questão se expressa de diferentes formas. A começar a postura de Lula em relação ao governo francês e as simpatias diplomáticas sobre Israel e tantos outros temas. Da mesma forma, a luta contra a perseguição aos imigrantes franceses é uma luta fundamental contra as opressões do capitalismo, que se configura da mesma forma em nosso país como a luta do povo indígena, dos quilombolas e tantos grupos assolado por ataques frontais do Estado brasileiro. Uma luta fundamental pelos direitos de populações que são massacradas pela mão armada do Estado, tanto aqui quanto na França, e, o que é tema central do texto de Raji, legislações e políticas à direita dentro dos grandes espaços nacionais. Aqui no Brasil, o governo ter aberto mão do veto do Marco Temporal, para usá-lo como moeda de troca pelo arcabouço fiscal, é uma legislação de “brutalidade histórica”, assim como o autor expressa o texto exposto na Assembleia Nacional Francesa.

Os debates na Assembleia Nacional devem se centralizar no aspecto dos "empregos em alta demanda", mas se mostram favoráveis ao governo francês, enquanto se produz na assembleia um texto com conteúdo de brutalidade histórica, em meio a uma guinada à direita e ao endurecimento autoritário e xenófobo do regime de Macron.

Examinada nesta semana na comissão de leis da Assembleia Nacional, a Lei de Imigração tornou-se um verdadeiro registro do racismo de Estado após passar pelo Senado, produto de uma escalada entre a maioria de direita, a extrema direita e os macronistas. Além dos ataques ao acesso ao RSA (Renda de Solidariedade Ativa), à APL (Ajuda social à moradia) e ao alojamento de emergência, por exemplo, o aspecto repressivo é o elemento que mais se acentuou: o aumento do número de prisões administrativas e de efetivos policiais para estrangeiros, restabelecimento do crime de permanência irregular, facilitação das deportações e retirada de autorizações de residência...

Uma versão rígida de um texto já ultra-xenófobo, cuja passagem pela Assembleia Nacional não mudará a perspectiva. Embora o uso do artigo 49-3 ainda seja possível em caso de necessidade, o governo quer demonstrar sua capacidade de encontrar um compromisso com setores da direita. Além das divisões entre os defensores de uma abordagem dura e de um compromisso com o executivo, delineia-se um texto de uma brutalidade histórica, inseparável do endurecimento do regime nos últimos anos e sua cristalização nas últimas semanas na afirmação de um pólo reacionário que criminaliza o apoio à Palestina e deseja aprovar essa lei atroz sobre a imigração.

A direita e a majoritária ainda estão divididas sobre o texto

Entre dezenas de emendas, é especialmente o aspecto da regularização de trabalhadores que deve polarizar os debates nos próximos dias. Hoje, trata-se do artigo 4b, que substituiu o artigo 3 sobre "títulos de residência para ocupações em alta demanda", tornando consideravelmente mais rígidas as novas possibilidades, já muito limitadas, de regularização previstas na lei. Cada lado estabelece suas linhas vermelhas e usa este artigo como vitrine para exibir sua política migratória. Na quinta-feira, os deputados da maioria presidencial adotaram em comissão um primeiro "compromisso". A nova versão, de fato, não prevê um processo de regularização "discricionária" a critério do prefeito, como desejado pelo Senado, nem uma regularização automática, mas estabelece a possibilidade de o prefeito se opor à emissão do título de residência "em caso de ameaça à ordem pública, desrespeito aos valores da República ou mesmo poligamia". O ministro do Interior, Gérald Darmanin, também fez um novo aceno aos Republicanos (LR) e abriu caminho para a introdução de "cotas", por exemplo, de "8000, 10 000 ou 5 000" trabalhadores que poderiam ser regularizados anualmente.

Alguns dias antes, na quinta-feira, o porta-voz Olivier Véran assegurou que "as condições para um acordo estão se delineando", apontando o compromisso ultra-direitista no Senado como um exemplo da possibilidade de acordos com Os Republicanos. Por sua vez, Gérald Darmanin acredita que a maioria dos deputados votará a favor do texto, desde que sejam suprimidos os artigos mais emblemáticos da escalada do Senado, como a supressão do AME (Ajuda médica do Estado) e algumas modificações, marginalmente, do artigo 4b.
Para se tranquilizar, o governo pode contar com parte dos deputados dos Republicanos. O grupo se divide entre defensores de uma abordagem dura, essencialmente voltada para a exibição política e para se fazer passar por uma oposição, e defensores de um compromisso, mais propensos a votar a favor do texto. Em termos de conteúdo, pouco diferencia os diferentes campos, que se opõem em torno de linhas táticas. No último final de semana, dezessete deputados republicanos afirmaram, em uma tribuna, sua vontade de serem "construtivos" em relação ao projeto do governo, desde que este respeite "o espírito do projeto aprovado pelo Senado". Uma posição oposta aos seus líderes nacionais, Eric Ciotti e Olivier Marleix, que continuam a querer fazer crer que a lei não vai longe o suficiente, e ameaçam ocasionalmente com moções de censura. Preocupado em recusar a mão estendida ao governo, Marleix fez votar por aclamação a "linha vermelha" [uma linha a não se ultrapassar] de seu partido na terça-feira: não votar nada que resulte em "regularizações em massa" (uma referência falaciosa ao antigo artigo 3) e exigir uma lei constitucional que permita a organização de referendos sobre a imigração, uma reivindicação histórica da extrema direita.

A chamada "ala à esquerda" da maioria de Macron lamenta, por sua vez, a deturpação de seu texto original e defende o retorno a um texto "eficaz", eliminando as medidas adicionadas pela direita em sua escalada racista e garantindo a manutenção de um aspecto sobre as regularizações. Nesse sentido, o deputado macronista Sacha Houlié manifestou concessões à direita, ao mesmo tempo em que lembra o caráter xenófobo das medidas supostamente de esquerda que ele defende desde o início: "não é um convite para todos, não é para a vida toda. Regularizamos aqueles que estão aqui e aqueles que causam distúrbios à ordem pública, aqueles que não respeitam os valores da República, o prefeito pode se opor." Um discurso xenófobo que visa colocar os trabalhadores estrangeiros a serviço das necessidades dos patrões, longe dos discursos da direita sobre "regularizações em massa".

A esquerda institucional, unida contra a direitização do texto, mas para fazer o quê?

Em qualquer caso, além das posturas de cada um, um caminho parece se desenhar para o texto, com base em um acordo fundamental entre a direita e a maioria: fazer guerra aos imigrantes enquanto mantêm uma mão de obra que atenda às necessidades dos empregadores em setores sob alta demanda. Em caso de necessidade, o uso do artigo 49-3, agora amplamente banalizado, permitiria, de qualquer forma, a aprovação do texto, embora agisse como revelador da fragilidade do governo.

A natureza do texto, que se mostra totalmente coerente com o projeto inicial de Macron, apaga, no entanto, qualquer possibilidade de aprovação da lei em aliança com setores da esquerda institucional, mesmo que parlamentares do PCF, PS e EELV tenham assinado uma tribuna em apoio ao "título de residência para ocupações em alta demanda". Nesse contexto, após criar a ilusão de um texto progressista de maneira escandalosa, o PCF, o PS e o EELV parecem agora querer participar de uma frente de oposição à lei com a França Insubmissa.

Em crise desde 7 de outubro em relação à questão palestina, que levou o PS a declarar uma "moratória" sobre o trabalho em conjunto com a França Insubmissa, o ex-NUPES anunciou a retomada de um trabalho conjunto. O principal objetivo dessa aliança seria "impedir as ideias mais reacionárias da extrema direita e opor uma contra-narrativa sobre a acolhida dos migrantes", de acordo com o ecologista Benjamin Lucas.

Concretamente, os deputados querem se opor à retórica sobre a "submersão migratória" e defender emendas “assinadas por representantes dos quatro partidos que formavam antes o NUPES. Uma para proibir os testes ósseos em crianças e jovens estrangeiras isoladas, outra para proibir o aprisionamento de menores em centros de detenção". E uma terceira, finalmente, para ampliar a regularização a todos os trabalhadores estrangeiros e não apenas aqueles em "empregos em alta demanda", resume o Libération. Uma oposição à retórica reacionária do regime que permanece ambígua, ao tentar emendar medidas profundamente xenófobas, como a regularização condicional, e continuar mantendo a incerteza sobre o "título de residência para ocupações em alta demanda", ao qual "alguns socialistas, comunistas e ecologistas são favoráveis, explicando que é melhor do que nada".

Da mesma forma, se a França Insubmissa se posiciona à esquerda de seus aliados, defendendo, por exemplo, o princípio da regularização de todos os sem-papéis, a organização não exige a retirada da lei e não seguirá uma tática de obstrução parlamentar, como fez para a reforma das aposentadorias. Sua abordagem na comissão de leis consiste em "destruir o que o Senado apresentou", segundo o insubmisso Andy Kerbrat, para "voltar a um texto discutível". Uma posição em desacordo com o caráter inteiramente reacionário da lei, que evidentemente não é passível de emendas ou negociações.

Sendo o artigo 49-3 ou não, é preciso lutar contra a lei de imigração nas ruas

Independentemente da versão final do texto, esta promete ser um ataque racista e xenófobo de grande magnitude, que não pode ser tornada suportável por alguns artigos adicionais ou uma "batalha cultural", como deseja o NUPES. A lei de imigração deve ser combatida firmemente, assim como todas as medidas autoritárias que se multiplicam neste momento: criminalização do apoio à Palestina, prisão de militantes, dissolução de organizações...

Isso é o que reivindicam 14 coletivos de trabalhadores sem-papéis, a Marcha das Solidariedades e mais de 200 organizações que convocam a mobilização pelo recuo da lei, explicando: "esta lei não se contenta em querer ’tornar a vida impossível’ para os imigrantes e todos os estrangeiros, assediados pela polícia, presos, expulsos. Ela é justificada repetidamente pela ideia, fundamentalmente racista, de que os imigrantes, ou seja, os negros, árabes, asiáticos, muçulmanos, com ou sem documentos, nascidos na França ou no exterior, seriam potencialmente perigosos e aproveitadores do sistema de proteção social."

Uma primeira data de mobilização está marcada para 18 de dezembro, o Dia Internacional dos Migrantes. Um dia que deve ser amplamente promovido, e durante o qual será urgente apresentar o desafio de um plano de batalha à altura do ataque. Até o momento, as lideranças sindicais permanecem em grande parte passivas em relação à lei, enquanto muitos sem papéis continuam greves duras, como os trabalhadores da Emmaüs, ou morrem em canteiros de obras, como os trabalhadores da construção do Grande Paris. Essa falta de resposta abrangente deixa o caminho livre para o governo avançar e para a direita e extrema-direita imporem sua escalada racista até mesmo nas ruas.

É através da mobilização em massa e de uma campanha contra essa lei que será possível fazer ouvir uma voz alternativa e construir a oposição ao projeto, além do estreito recinto da Assembleia Nacional, onde reina a xenofobia de Estado. O movimento operário deve estar à altura do ataque que representa a lei de imigração, utilizando seus métodos para conquistar a revogação da lei de imigração e de todas as leis racistas, bem como a regularização de todos sem condições! Uma mobilização ainda mais essencial à medida que a extrema-direita não esconde mais sua vontade de atacar novamente os bairros populares e as ameaças aumentam contra as agendas militantes. Urgente é organizar uma frente ampla de todo o movimento social e operário para impedir os ataques e garantir nosso direito de nos mobilizar.




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