Juventude

Durante as férias, UFRJ vota corte às bolsas de permanência

Antes do começo das aulas e sem o conhecimento de boa parte dos estudantes, o Conselho Universitário, com a presença do DCE, votou a proposta da reitoria de uma "reformulação" que é, de fato, um corte à assistência estudantil na UFRJ. A BAP, a BAUX e o auxílio moradia foram extintos.

Faísca Revolucionária

@faiscarevolucionaria

terça-feira 19 de fevereiro de 2019| Edição do dia

Na última quinta-feira (14/02), o Conselho Universitário da UFRJ (ConsUni) se reuniu e votou pelo fim das então vigentes modalidades de auxílio estudantil, em uma “reformulação das Bolsas” que na prática reduz a quantidade de verba bolsas de assistência estudantil. A três bolsas de auxílio aos estudantes existentes na UFRJ foram extintas. Estas eram a BAP (Bolsa acesso e permanência), que rendia a estudantes que entraram na universidade com cotas de renda - renda per capita mensal de 0,5 a 1,5 salário mínimo - um valor de R$460,00 mais auxílio transporte durante os primeiros dois períodos de estudo; a BAUX (Bolsa auxílio), que pagava a estudantes com renda mensal per capita de 1,5 salário mínimo ou menos, mediante edital, um valor de R$610,00 (R$460,00 mais auxílio transporte); e o Auxílio Moradia no valor de R$ 1260,00 para alunos não abrigados pelos alojamentos da UFRJ. O fim das bolsas se dá em um contexto de quedas sucessivas do orçamento do Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) destinado à assistência estudantil da UFRJ e vem na esteira de uma série da ataques anunciados à educação pública e à permanência estudantil nas universidades, representada pela recente fala do ministro da educação de Bolsonaro, Ricardo Vélez Rodríguez contra o direito dos mais pobres de acesso à universidade.

O fim destas bolsas representa um enorme ataque às políticas de permanência da UFRJ,que já andam sendo carcomidas pelos criminoso contingenciamentos do governo e diminuição de seu orçamento. O alojamento estudantil segue parcialmente destruído depois do último incêndio, e com uma quantidade de vagas imensamente aquém do número de estudantes que necessitam. O que está disponível, mesmo tendo passado por reformas, segue superlotado e precarizado. Estudantes já enfrentam dificuldades se mantendo em uma cidade tão cara como o Rio de Janeiro.

Nos alojamentos, estudantes dormem em barracas devido à super lotação.

Para substituir as três modalidades a resolução do ConsUni foi de uma “reformulação” do modo como os fundos da universidade dedicados a assistência são distribuídos. O dinheiro dedicado às, agora extintas, três modalidades de bolsas será dividido entre vários outros auxílios (específicos para transporte, alimentação, etc) na forma de pagamentos mensais, algumas gratuidades, e “serviços” prestados pela universidade, de valor imensamente inferior ao anteriormente rendido aos estudantes. Depois de cortados tanto a BAP quanto a BAUX (vale mencionar que a reitoria já não abria edital para a BAUX fazia dois semestres, alegando falta de verba para assistência), o que vem no lugar é um “Auxílio Permanência”, que cederá o valor mínimo da antiga BAUX (isto é, R$460,00) mas somente para alunos ingressantes através de cotas de renda. E somente para aqueles com renda per capita de meio salário mínimo mensal, ou seja, na prática restringindo o acesso às bolsas, impondo um corte grande no número de beneficiados. Como parte do “Programa de Moradia Estudantil”, a UFRJ diz que seguirá construção e reparo de alojamentos (que na universidade, os estudantes sabem bem, anda a passos de tartaruga, com um alojamento até hoje destruído por um incêndio) para chegar a pelo menos 1200 vagas - muito menos do que o necessário. Para todos que estiverem na fila para o alojamento, será rendido um auxílio moradia de valor indeterminado. São introduzidos o auxílio de material pedagógico (não mensal) e Educação Infantil para pais e mães com filhos entre 0 e 6 anos. Nada mais específico, porém, ficou determinado pela resolução, levando a que os valores não sejam estabelecidos, e que fique a cargo da reitoria, por meio de portaria, regulamentar os auxílios, contabilizar o valor pago para os estudantes e abrir os editais. A resolução do ConsUni, não citando em nada valores ou obrigações mínimas da universidade em termos de quantias para a garantia da permanência, diz, contudo, que quaisquer auxílios serão distribuídos “respeitados os limites financeiros da UFRJ”. Na prática, embora tenham sido estabelecidos, nada garante os valores dos benefícios dados aos estudantes, que depende do orçamento do PNAES (Programa Nacional de Assistência Estudantil), que é o que deve financiar a política de permanência. Mesmo que os valores sejam repassados, com a troca de reitoria que se avizinha no meio do ano - já havendo ataques anunciados por Bolsonaro contra a UFRJ, e com a crescente chance de interferências do governo na universidade - a nova reitoria, em portaria, poderia cortar ou diminuir como queira os valores dos auxílios, para “respeitar os limites orçamentários”. O próprio PNAES, sendo um decreto, não uma lei, está sujeito a ser finalizado por uma canetada de Bolsonaro. Pondo em sério risco a autonomia financeira da UFRJ.

O Reitor Roberto Leher foi eleito com o voto de, pelo menos, 9 mil estudantes e prometeu governar com todos os setores da UFRJ. A UFRJ está na linha de frente dos ataques ao seu orçamento e à sua autonomia e até de seu caráter público. Por isso, ao invés de fazer uma gestão do miserável orçamento fornecido pelo MEC, fatiando a assistência estudantil e dificultando a permanência dos estudantes mais pobres da Universidade, a Reitoria, ao contrário, deveria estar na linha de frente do chamado à ampla mobilização dos estudantes, trabalhadores (efetivos e terceirizados) e professores contra os ataques à universidade pública e sua autonomia, anunciado há tempos por Bolsonaro. Somente com este tipo de unidade entre construída em cada curso, instituto e campus, é possível nos preparar para não só resistir aos anseios intervencionistas e privatistas do governo federal, como também lutar para que haja bolsas que sejam de no mínimo um salário mínimo, para todo jovem negro ou filho de trabalhador.

As novas modalidades são um ataque à qualidade e capacidade de permanência dos mais pobres à UFRJ. Consistem em fatiar as bolsas até então existentes (cujos valores já eram muito inferiores ao que os estudantes, especialmente os mais pobres e/ou vindos de fora do Estado, precisam para se manter bem enquanto estudam) em vários valores ainda menores, não garantidos de se acumularem a todos os que precisam e fechados aos alunos por edital de concorrência. Transporte, por exemplo, antes rendido aos alunos junto com outras bolsas, com as novas categorias agora só poderá ser acessado por meio de concorrência em edital, onde o número de vagas, e mesmo a própria abertura ou não de edital, serão determinados pela reitoria.

Desde 2016, a UFRJ vem sofrendo severos cortes orçamentais. Os impostos coletados pela União são transferidos do Tesouro Nacional para o Ministério da Educação, e o ministério é encarregado de transferir a verba por entre as Universidades Federais. No entanto, todo ano o orçamento vem sendo diminuído, sendo o de 2018 uma baixa histórica. Além disso, via de regra, os fundos não são repassados totalmente à universidade, uma vez que é o MEC, agora nas mão de um ministro que diz que “as ciências humanas não podem ter mil pesquisas’’ e que a universidade não é para todos, quem controla quanto dos fundos são liberados. A falta de controle das próprias universidades sobre esses fundos, e a ausência de decisão soberana dos estudantes e trabalhadores sobre seu destino escancara a ausência de autonomia da universidade em seu nível mais básico, essencial, a da base material para sua existência e permanência de seus alunos. Os cortes orçamentais nas Universidades Federais não serão regra apenas no Rio de Janeiro, e devem passar a se expressar de forma ainda mais severa em todas as federais do país.

A defesa intransigente dos direitos dos estudantes frente aos cortes e a exigência imposta e mantida pela luta dos estudantes mobilizados da maior universidade federal do Brasil deve ser o norte inegociável de qualquer movimento estudantil sério. No entanto, o DCE Mário Prata da UFRJ, completamente desligado de sua base estudantil, sem ter construído qualquer mobilização real dos estudantes, e mesmo sem que boa parte do corpo docente estivesse sequer ciente do debate, se encontra completamente à deriva para levar a cabo a luta necessária para defender as posições e conquistas históricas dos estudantes.

Em sua nota vergonhosa, publicada na sexta feira (16) pelo Facebook, o DCE explica os detalhes da nova proposta aprovada pelas costas dos estudantes na última reunião do Conselho Universitário. Os valores ínfimos que os estudantes receberão são pontuados por falas tímidas de uma burocracia completamente desligada das demandas e necessidades estudantis, ao ponto de não sequer se atrever a defender, mesmo em discurso, a resistência ao desmonte da assistência estudantil. Sob a bandeira de que “em tempos difíceis, comemorar os avanços é fundamental”, ignoram que mesmo suas demandas mínimas - que eram o mínimo do mínimo para manter a assistência digna na UFRJ - não foram atendidas. Sua maior conquista foi a manutenção da BAP, só para calouros de 2019.1, em seu valor mínimo, para depois ser extinta completamente.

Na nota, o DCE contidamente lamenta: “Se a universidade fosse nossa, de fato do povo, nenhum estudante deixaria de concluir seu curso por dificuldade financeiras, psicológicas, ou outras quaisquer”. Considerações sem proposta e sem futuro, sem chamados e sem posição frente ao desmonte criminoso da educação superior e o aumento anunciado de sua elitização são o que sobra a um diretório central que não pode, ou não quer, construir desde a base, junto aos estudantes mobilizados, em todos os campi, uma luta consequente, séria, e eficaz contra a sangria da universidade pelo governo, e a ingerência praticada por ele contra ela, que escancara o quão limitada é a autonomia da universidade e, mais ainda, a soberania dos estudantes e trabalhadores.

Para ter autonomia de fato, a universidade não pode estar sujeita ao contingenciamento draconiano do governo e dos ministros de Bolsonaro! Não se trata de brigar pelas migalhas de assistência que ainda restam no orçamento, muito menos de deixar para uma reitoria composta por Bolsonaro decidir valores e abrir editais! A autonomia real da universidade, a soberania dos trabalhadores e estudantes passa pela autonomia e direito de determinação própria do orçamento. Pela assistência garantida e por todo o orçamento garantido para todos os estudantes que necessitam!




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