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ENTREVISTA STEFAN SCHNEIDER
Eleições em Berlim: “Há uma queda histórica do partido de Merkel e a social-democracia”
IzquierdaDiario.es - Estado Espanhol

A União Democrata Cristã (CDU na sigla em alemão) de Merkel é a grande derrotada. A social-democracia sai em primeiro, mas cai a mínimos históricos. Sobem a extrema direita e a esquerda. Entrevista com Stefan Schneider de Berlim.

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Foto: EFE

Entrevistou: Josefina L. Martínez

As eleições regionais de Berlim têm muita importância, não apenas porque se trata da capital da Alemanha, mas também porque são um precedente do que pode ocorrer nas eleições gerais dentro de um ano: ali se julgará a continuidade do partido de Angela Merkel (CDU) no governo. E o panorama para a chanceler não é nada alentador.

Berlim é uma cidade-estado de 3,4 milhões de habitantes, um dos 16 Länder (Estados federados) alemães. Há duas semanas se realizaram eleições regionais no Estado de Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental, onde a CDU recebeu um golpe muito forte, acabando atrás da emergente Alternativa para a Alemanha (AfD na sigla em alemão), força de extrema direita. Os resultados em Berlim levam a uma nova derrota do partido de Merkel, que retrocede até os 17,6%.

“Esta eleição tem dois significados profundos. O primeiro é que continua a derrota dos partidos tradicionais. Em todas as eleições dos últimos tempos, o Partido Social-Democrata (SPD na sigla em alemão) e a CDU de Merkel vêm perdendo muitos votos e vêm aumentando os da AfD”, disse Stefan Schneider, diretor do site Klasse Gegen Klasse.

“Os social-democratas alcançam apenas os 21,6%, com o qual se convertem em ’partido ganhador’ mais débil da história nas eleições regionais da Alemanha. O resto dos partidos acabou por debaixo dos 20%. Antes já era muito difícil que saísse uma coalizão de dois partidos, mas agora é impossível. Portanto, o mais provável é uma coalizão tripartite entre os social-democratas, os Verdes e Die Linke [’A Esquerda’]. Ou seja, a grande coalizão já não vai mais, perdeu votos, e se armará uma nova coalizão de governo.”

Die Linke (15,6%) e os Verdes (15,3%) acabaram quase igualados, com pouca diferença com o partido de Merkel e terão quase o mesmo número de assentos no Parlamento. Ali ingressará pela primeira vez o partido de extrema direita, Alternativa para a Alemanha (AfD), que se apresenta pela primeira vez nas eleições regionais de Berlim.

“O resultado atual da AfD é muito significativo, porque Berlim é vista como a cidade mais liberal da Alemanha, com tradicional grande peso de partidos de esquerda e partidos liberais. Em Mecklemburgo a AfD obteve mais votos, mas seu resultado em Berlim é muito significativo, pelo que a cidade significa.”

Crise dos partidos tradicionais e maior polarização política

A “crise de representação” dos partidos do “centro político” é um fenômeno que ocorre em quase todos os países da Europa desde o começo da crise econômica mundial de 2008. A Alemanha se mantinha durante mais tempo como um reduto de estabilidade, mas isso já é coisa do passado.

“O que se vê é que os partidos tradicionais estão em uma crise muito grande, uma crise de representação muito forte que pode ser vista também nesta eleição. O único partido que superou os 20% é o SPD, e eles também caíram. A conclusão é que acabou-se a grande coalizão na capital da Alemanha, e a política em Berlim sempre tem muita relação com a política na Alemanha de conjunto.”, assegura Stefan Schneider. Para as eleições falta um ano, mas o tempo não parece jogar a favor de Merkel.

“Uma terceira questão nesta eleição é que o SPD vêm governando Berlim fazem 25 anos e nesse tempo sempre foi perdendo votos, em cada eleição. Agora está em uma baixa quase histórica e ocorre o mesmo com a CDU. A diferença com a última eleição provincial, há 5 anos, é que naquele momento governava uma coalizão entre a social-democracia e o Die Linke (2001-2011); em 2011 o Die Linke perdeu muitos votos e teve que sair do governo.”

A esquerda do Die Linke se recompõe

O Partido Die Linke (’A Esquerda’ em alemão), é o partido herdeiro do velho Partido Socialista Unificado da Alemanha (SED na sigla em alemão), o partido estalinista da extinta República Democrática Alemã (RDA). Nas últimas décadas têm formado parte de governos regionais e prefeituras, em coalizão com a social-democracia.

“Na parte leste da cidade de Berlim, uma grande parte dos votantes do Die Linke é a base social que vêm de quando era o partido único da Alemanha oriental. Ali é o partido mais forte, com 21%. O mais significativo é que em Berlim ocidental há 5 anos – como resultado de 5 anos de governo Die Linke – conseguiu somente 4% e agora está chegando em 10% ou 11% dos votos.”

Stefan Schneider considera que esta recomposição do Die Linke está relacionada com o sentimento de setores da esquerda de frear o ascenso da Alternativa para a Alemanha. “Esta é um fator importante porque muita gente dizia ’é preciso votar em qualquer coisa contra Alternativa para a Alemanha’.”

Paradoxalmente, o medo diante do “crescimento da AfD levou à condição em que os Verdes e o Die Linke vão salvar de novo a social-democracia no governo”, disse Stefan.

“AfD tem um discurso que diz assim: ’nós somos os únicos que estão contra o establishment’. E os outros partidos parecem confirmar que ’têm razão’. Agora o Die Linke vai garantir que a social-democracia siga governando, um pilar do establishment”.

Para os votantes do Die Linke não aparece como uma contradição que se realize uma coalizão entre a esquerda e a social-democracia em Berlim enquanto a nível estadual se mantêm a grande coalizão?, lhe perguntamos.

“Sim, mas o Die Linke se propõe como uma variante de governo também para o estado, para que se repita esta coalizão. Há vozes no partido social-democrata que também estão pedindo isso.”

“O resultado do Die Linke por um lado tem a ver com a oposição à AfD e muita gente têm esquecido o que fez há 5 anos. E agora ele está se propondo como variante de governo. Outro dado importante a ter em conta é que a chapa do Die Linke para esta eleição é formada apenas pela ala direita do partido. Os que estavam contra se integrar ao governo, ou os que estavam mais à esquerda, acabaram fora da chapa. Houve um congresso partidário onde a direita do partido é muito forte. Normalmente se faz um acordo de consenso entre diferentes chapas, mas agora a direita impulsionou sua lista 100% e não ofereceu nenhum posto para a ala esquerda do partido. Os que se propõem para governar agora com a social-democracia são os mesmo que durante dez anos, entre 2001 e 2011, estiveram a favor das privatizações, dos ajustes, etc.”

Berlim, cidade desigual

Um dos temas que atravessou a campanha eleitoral em Berlim foi a questão dos aluguéis e o aumento das desigualdades sociais em uma cidade onde a precarização do trabalho e da moradia se fazem sentir nos últimos anos.

“Berlim é uma cidade que historicamente é bastante barata em comparação com outras cidades da Alemanha. Mais barata que Munique e Hamburgo, ou em comparação com Paris ou Londres. Historicamente têm sido assim porque Berlim era uma cidade fronteiriça, ninguém queria viver aqui... mas nos últimos 10, 15 anos, é a cidade com maior crescimento de aluguéis em toda Alemanha e uma das que tem o maior aumento em toda a Europa. Muitas pessoas tiveram que abandonar um apartamento no centro da cidade e mudar-se para a periferia: migrantes, mulheres com filhos, gente com poucos recursos, salários baixos, etc.”

A social-democracia teve uma política formal sobre esta questão dos aluguéis, mas sem resolver a questão social de fundo.

“Há dois anos se votou uma lei que supostamente rege um pouco os preços dos aluguéis, para que não subam mais que 10% ao ano. A social-democracia celebrou como uma grande vitória, mas há muitíssimas exceções à essa lei e ela quase não se aplica em Berlim. Por exemplo, os proprietários fazem renovações de forma custosa, e com isto justificam a alta de aluguéis por fora da norma. Por isso a questão dos aluguéis teve muito peso na campanha. Especialmente o Die Linke fez muita campanha com esse tema.”

Outro lugar onde se manifesta o aumento da desigualdade social em Berlim está relacionado com uma lógica de privatização dos serviços públicos e o ataque a direitos trabalhistas.

“Isso também é um legado do governo social-democrata-Di Linke que continuou a ’grande coalizão’. Por exemplo, uma luta operária que viemos seguindo e da qual temos escrito várias vezes no Izquierda Diario: a luta do jardim botânico. Esta é uma empresa que foi fundada há dez anos pelo governo municipal para arrancar os trabalhadores do acordo coletivo dos empregados do Estado. Se formou uma nova empresa, que se foi subcontratada pelo governo da cidade, mas já sem o acordo coletivo de serviço público. Uma empresa que pertence à prefeitura, mas sua forma legal é como se fosse uma empresa privada.”

“O mesmo fizeram com o hospital universitário de Berlim, o maior da Europa. Há dez anos fundaram uma empresa de serviços em que uma parte pertence ao hospital e a outra, à duas empresas privadas muito grandes. Ela se ocupa de toda a assistência não médica, desde a comida, a limpeza, etc. E essa empresa tampouco tem acordo coletivo de serviços. Há muitos exemplos de empresas fundadas pelo governo para baixar os salários e evitar o acordo coletivo. Nos últimos anos houveram lutas trabalhistas para voltar a entrar no antigo acordo coletivo.”

“Nenhum destes partidos representa os interesses dos trabalhadores e da juventude”

Stefan explica que nestas eleições desde o site Klasse Gegen Klasse e o grupo Organização Revolucionária Internacionalista (RIO em alemão) fizeram uma campanha pelo voto em branco.

“Se confirma-se a coalizão vermelho-vermelho-verde, nós pensamos que estes partidos não vão retroceder nesse processo privatizador e de perda de direitos. Não acreditamos que os trabalhadores destas empresas podem confiar que este novo governo lhes faça concessões.”

“Nós opinamos que estes partidos que estão no parlamento de nenhum modo expressam os interesses da juventude, dos trabalhadores, das migrantes, das mulheres, e portanto nós não podíamos votar nestes partidos. Embora muitos diziam que devíamos evitar que a AfD ganhasse mais força e por isso votaram nos partidos do regime, dissemos que isso não vai servir, porque são os mesmos partidos que com sua política privatizadora, repressiva, contra os refugiados, contra a juventude, prepararam o caldo de cultivo para que pudesse emergir uma força de direita como Alternativa para a Alemanha.”

“Por exemplo, na campanha eleitoral teve muito peso o assunto da ’segurança’. A lei de segurança em vigor outorga à polícia a possibilidade de definir uma área da cidade como ’área de perigo’ e com isso conseguir mais poderes. Quer dizer, a polícia decide arbitrariamente que algumas ruas são uma área de perigo e se atribuem mais poderes. Essa lei foi votada também pelo Die Linke no governo, a Lei Geral de Ordem e Segurança de Berlim, votada em 2006.”

Stefan conclui: “Se queremos enfrentar esta nova direita e também as políticas do governo e dos partidos tradicionais, não podemos apoiar com nosso voto estes partidos. Por isso chamamos a votar em branco. Ao mesmo tempo pensamos que devemos tentar fortalecer uma corrente nas lutas dos trabalhadores, da juventude, as lutas antirracistas, na perspectiva de formar uma frente da esquerda anticapitalista para enfrentar estes partidos.”

 
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