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OPINIÃO
A "fúria populista" que comove o mainstream
Paula Bach
Buenos Aires

Consequências do Brexit e Donald Trump. Caída e estancamento do ingresso em países centrais: Martin Wolf aponta dados surpreendentes. Elites políticas e gestão da crise.

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Foto: flickr

As consequências econômicas do Brexit ainda não estão claras. A conservadora e pro "remain" - ainda que não muito entusiasta - Theresa May ao mando do antigo império, obteve da chancelier alemã, Frau Merkel, o "direito" a tomar algum tempo - um bem altamente apreciado - antes de convocar o artigo 50 do Tratado de Lisboa, Pela sua parte, o traído aspirante a primeiro ministro e aprendiz de Thatcher, Boris Johnson, um dos principais impusionadores dos Brexit - ainda que historicamente não muito partidário do abandono da união europeia - estreou de forma surpreendente e explosivo seu cargo de Ministro de relações exteriores em uma conferência conjunta com seu equivalente norteamericano, John Kerry. A decisão levemente majoritária dos eleitores do Reino Unido está virtualmente órfã, dirigida por uma "remain" centrista e um "leave"persuadido mais pela ambição pessoal do que por uma convicção política. Esta condução se encontra desenrolando negociações frenéticas ao menos em duas pontas.

Há quem especula que o Brexit abriria espaço para um acordo Reino Unido- Estados Unidos. Sem embargo esta eventualidade - sempre possível - enfrenta múltiplos limites. Ente eles e em princípio, privaria os EUA de seu acordo político na UE e da base financeira privilegiada de grande parte de seus bancos que operam livremente na Europa. Ainda que se fale de setores republicanos pressionando Obama sobre um acordo comercial com o novo governo, tal como indica Shawn Donnan no Financial Times, as eleições dos EUA são tão cedo como em Novembro e ao Reino Unido não se permite - ao menos por um momento, agregar-negociar novos acordos enquanto seja membro da União Europeia. Por outra parte, e deixando a imaginação fugir um pouco, vale ao menos anunciar o bizarro de uma futura comédia do "eixo" neoliberal anglosaxônico, frente ao espírito anti globalização do Brexit e um ocasional governoo do isolacionista Trump.

També, May e Merkel buscam estreitar laços (frente a suspeita da França e do resto da UE), enquanto a primeira ministra britânica insiste em que o "Brexit quer dizer Brexit" ( que a ciência certa, nada sabe bem o que significa) e dispara a mensagem contraditória de que os britânicos esperam tanto poupar os movimentos dos cidadãos da UE como um abstrato "tratamento adequado no comércio de bens e serviços para o Reino Unido". É archisabido que - ao menos em teoria - a restrição a circulação de cidadãos europeus torna inevitável a perda de acesso ao mercado comum. As negociações ainda estão em abertas e, ao menos até o próximo ano, May não chamará a claúsula 50.

A bolsa ou a economia

Entretanto, e embora a economia britânica esteja desacelerando e o FMI tenha rebaixado uma vez mais (e vão..) o prognóstico de crescimento mundial para o ano em curso e para o próximo, o processo de Brexit parece por agora abaixo do controle. Questão que por seu posto, tem uma tradução econômica.

Em certo modo e ao menos em certo prazo, entre as forças competindo que identificamos em Brexit: que há do Lehman Brothers? Vem primando a contratendência. A reserva federal voltou a manter as taxas baixas em sua recente reunião de julho e continuará fazendo - não há no momento muita dúvida disso. O personagem de Gordon Gekko responde bem a pergunta de seu ventríloquo, o jornalista de âmbito financeiro Siaba Serrate, sobre uma eventual aumento das taxas em setembro: "Antes das eleições, em plena campanha e com Trump solto na casa, esqueça". O banco do Japão, o banco central europeu e o banco da Inglaterra, por sua parte, tem na manga planos de estímulo a serem ativados a qualquer momento. Na conjuntura, a reavaliação do dólar contribuiu para a baixa dos preços de matérias primas como petróleo e soja afetados fundamentalmente pelas volumosas reservas de petróleo nos Estado Unidos e um insperado bom clima para a colheita das oleaginosas nos campos norteamericanos. Terá que ver como evolui essa tendência ainda que, por agora, os preços conservam a maior parte do terreno ganho no segundo trimestre do ano e continua um fluxo moderado de capitais frente ao mundo "periférico" que, pelo caminho, incrementou seu endividamento de um modo exorbitante desde 2008, até agora.

Pelo seu lado, a bolsa de Wall Street alcançou novos marcos desde maio de 2015 e os incadores trimestrais da economia norteamericana - nesse ir e vir frenético característico dos últimos tempos - jogaram uma série de dados positivos ainda que sem maior estridência. Em seu salão com Gekko, ele já tinha mencionado Siaba Serrate que concluiu que com um crescimento real esperado de no máximo 2/2,5% da economia norteamericana e a rentabilidade contratando durante vários trimestres, os novos recordes de Wall Street só podem se explicar pela continuidade de uma política de taxas baixas.E efetivamente, não é a potência da economia norteamericana o que está impulsionando o crescimento da bolsa. Como afirma Krugman em um artigo recente "em certo sentido, as ganâncias do mercado de valores, são o reflexo de uma debilidade econômica, não de fortaleza". Krugman aponta dois aspectos sobre o que viemos insistindo em diversas oportunidades e em particular na Revolução da robótica. Assinala por um lado que o preço elevado das ações é reflexo da falta de oportunidades de inversão. E, por outro lado, que sendo o preço das ações um reflexo dos benefícios e não dos ingressos totais quando a porcentagem dos benefícios como parte do ingresso nacional é bem mais elevado inclusive que nos anos 90, a relação entre "benefícios e prosperidade" é escassa no melhor dos casos.

Dito de outro modo, os elevados valores da bolsa são expressão, em última instância, de que o remédio das políticas monetárias expansivas não pode ativar os motores fundamentais do crescimento capitalista que cairam seriamente danificados após Lehman. Existem múltiplos elementos para suspeitar que se estão gestando as condições para uma nova recessão global. Porém até certo ponto e talvez mais que os grandes desequilíbrios econômicos e financeiros que se acumulam, a baixa inversão e o empobrecimento ou estancamento das condições de vida das classes operárias dos países centrais, transformaram-se em um grande núcleo de instabilidade.

As causas da raiva

O Brexit não é um "cisne negro". Em um sentido e parafraseando Theresa May, "Brexit quer dizer Brexit"e Trump quer dizer Trump, inclusive se o Brexit tem um comando ultramoderado e si - como é provável - Hillary termina se consagrando como próxima governante norteamericana. E o Brexit embora não seja como mensagem e Trump - como recado infinitamente mais perigoso -, são produtos de que ainda sem catástrofe, particularmente baixo crescimento econômico tem reconfigurado a estrutura de classes nos países centrais. As consequências do taque as condições de vida que frente as décadas de "glória" neoliberal foram parcialmente escondidas tanto pelo crescimento moderado e as "bolhas de sucesso" dos anos 90 ou 2000 como pelo crédito ao consumo que se montou sobre o boom imobiliário posterior a crise de 2001, caíram em evidência no período posterior a queda de Lehman.

A combinação de um dinamismo econômico longe dos anos da "Grande Moderação" e o saldo de um endividamento recorde que chegou a representar o 160% de ingresso das famílias no Reino Unido e cerca de 130% nos Estados Unidos e Espanha, colocaram em primeiro plano o extraordinário crescimento da desiguldade, a desocupação endêmica resultante das deslocalizações produtivas, a imigração utilizada como mão de obra barata contra os núcleos das classes operárias tradicionais, tanto como o caráter precário do novo emprego criado durante as décadas precedentes. Como assinala Costas Lapavitsas em "Capitalismo financializado: crise e expropiação financeira", a explosãode empréstimos hipotecários entre 2001 e 2003, cubriu primeiro a demanda de vivência das famílias com entrada alta e imediata - entre 2004 e 2006 - os créditos subprime endividaram os setores mais pobres da classe trabalhadora estadunidense. O crédito subprime percebido em um um princípio como uma "democratização" das finanças, acabou em um desastre colocando milhões de pessoas em risco de indigência.

Perto do estado da crise, grande parte das entradas - os salários, em particular - destinaram-se a sua própria "desalavancagem". Isto é, se dirigiram a pagar dívidas não somente hipotecárias, mas também de cartões de crédito, de serviços de saúde ou dívidas acadêmicas como é particularmente o caso dos Estados Unidos. Questão que se traduz em uma redução do ingresso disponível para outros fins.

E o pânico

Desde o Financial Times e diante o sugestivo título "As elites devem responder a ira populista", Martin Wolf coloca em termos mais nítidos: o estancamento do ingresso pertuba as pessoas mais que a desigualdade crescente. Wolf cita um estudo de McKinsey Global Institute que mostra que em 25 economias de altos ingressos, entre 65 e o 70% das famílias em média, experimentaram uma diminuição ou estancamento de seus ingressos entre 2005 e 2014. Enquanto que entre 1993 e 2005, somente 2% das famílias havia percebido diminuição ou estancamento. Completa Wolf que que a crise financeira e a débil recuperação posterior, resulta a principal explicação daquele estancamento dos salários reais.

A conclusão de que o estancamento pertuba mais que a desigualdade é gráfica ainda que cabe acrescentar que o estancamento abre caminho para um indignação que aumenta a percepção da desigualdade. Questão que se observa por exemplo na diminuição da proporção do salário no ingresso nacional que, como também identifica Wolf, afeta particularmente os Estados Unidos, Reino Unidos e os Países Baixos.

De fato, existe uma contradição entre a habilidade das elites governantes - em uma prática incorporada frente grandes desastres, o último dos quais foi o de 2008 - para exorcizar a catástrofe e sua incapacidade para recuperar a potência relativa da economia conseguida em décadas anteriores. Esta contradição está alterando seriamente o status quo e é o que, como também ssinala Wolf, destruiu a confiança popular na competência e probidade das elites empresariais, administrativas e políticas.

Para piorar a situação, se desde 2008 a esta parte, se pôs de manifesto uma sorte de dualismo entre o estancamento nos países centrais e um reverdecer dos chamados "emergentes" e exportadores de matéria prima, a dicotomia a esta altura está se esgotando. Quizá tantos anos de imobilismo expliquem a localização dos fenomênos de direita mais bizarros no centro enquanto na periferia proliferam as direitas "civilizadas" como expressão do recente esgotamento do ciclo de crescimento. Como seja, e mais adiante dos movimentos conjunturais, tudo indica que centro e periferia convergem para o estancamento.

Todo este emaranhado que se manifesta em grande parte pela direita, porém também pela esquerda, questiona as elites políticas tradicionais e está gerando por sua vez "pânico" nas elites econômicas ou o "mainstream". Os que - não há que esquecer - possuem uma grande capacidade de exagero a fim de ampliar sua propaganda. Wolf, obriga as elites governantes a deixar de fracassar com intenção de oferecer curas, ou resignar a que ponto poderiam ser eliminadas e com elas, o esforço de unir a autogovernança democrática com uma ordem mundial aberta e cooperativa. Isto é, o neoliberalismo... Wolf pede porsperidade e alerta que sua ausência formenta a fúria... É sabido, embora seja provável que as elites políticas tenham pouco para oferecer.

Os comandos econômicos e políticos dos países centrais fizeram escola na década de 30 e reforçaram seus conhecimentos com a caída de Lehman... É de se esperar que, enquanto possam, continuem instrumentando políticas destinadas a espantar a catástrofe. Como sempre, podem falar e e tanto a acumulação de contradições como, mais ainda, a ameaça de uma nova recessão, limita naturalmente a efetividade dessas políticas. Sem embargo, o paradoxo centralpoderia estar tomando outro rumo. Inclusive, sendo encontrada a crise a baixo controle relativo, o contido nível de crescimento econômico está destruindo os setores sociais chaves para a estabilidade dos países centrais. Este dualismo parece se originar da especificidade histórica da crise pós 2008. Os programas de ultradireita que estimulam o ascenso de fenômenos como Brexit ou Donald Trump, aliado ao nacionalismo, xenofobia e protecionismo, estão fabricados em grande parte a medida desta decpção dos eleitores. Não expressam os interesses - ao menos imediatos - da maioria do grande capital transnacionalizado, personificado nas "elites políticas" tradicionais, ainda que semeiam o veneno necessário para futuros giros.

Sejam quais forem os resultados eleitorais nos Estados Unidos - por tomar o exemplo mais urgente - e sejam quais forem, inclusive as eventuais adaptações programáticas de hipotéticos vencedores, as causas do fenômeno Trump continuaram ativas. O elemento novo que merece ser refletido é que talvez a aflição da economia durante tantos anos - ainda sem catástrofe, insistimos - termine gerando as condições econômicas e políticas para que - ainda que isto não seja iminente - as elites tradicionais vejam tão diminuída sua capacidade de exercer o poder como de implementar os já tradicionais programas de gestão da crise.

 
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