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RACISMO
De Onde Surge o Racismo?
Eduardo Pinho

Toda ideia, todo sentimento, toda estrutura de pensamento surge a partir de uma base material da realidade do indivíduo, e não ao contrário. Primeiro surge a necessidade da mão de obra negra, depois surge a justificativa ideológica para tal. Primeiro surge o Capitalismo, depois surge o racismo. Então, para modificarmos toda a vida que conhecemos, e modificar tudo o que nos açoita, que nos agride, que nos explora, precisamos necessariamente mudar toda a base material e econômica que permeia essas ideias que nos matam todos os dias. O machismo, o racismo, a LGBTfobia, o elitismo.

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A Sociedade de São Domingos – ou o antigo Haiti da colônia francesa.

No início do sistema escravocrata, a ideologia racista não era tão profunda dentro do subjetivo das pessoas, nem nas colônias e nem na Europa, assim como explicita o capítulo Os Proprietários, no qual o autor trata das classes livres em São Domingos.

“Nos primeiros tempos da colonização, todo mulato [termo utilizado na época, que o autor utiliza para designar uma classe social especifica nos sistemas escravocratas] era libertado na idade de 24 anos, não pela lei, mas porque o número de brancos era tão pequeno em comparação ao número de escravos que os senhores preferiam ter esses intermediários como aliados antes que os deixar engrossar as fileiras de seus inimigos. Naqueles tempos primordiais, o preconceito de raça não era tão forte.”

O próprio Código Negro de 1685 permitia o casamento entre negros e brancos, o qual fazia com que os escravos e seus filhos fossem libertos e tivessem direitos iguais aos brancos. Agora, a medida que o número de brancos crescia, crescia sua força em número e logo os mulatos perdiam seus poucos direitos, mas continuavam a se multiplicar pela ilha.

Com o tempo, a classe dos mulatos livres e assalariados (como a classe dos brancos pobres - alfaiates, açougueiros, criminosos, etc.) começou a acumular propriedades. Como resposta, surge uma legislação de proprietários brancos especificamente para perseguir os mulatos.

A Cavalaria da Polícia é criada em São Domingos pela burocracia local, com objetivos bem específicos em relação aos mulatos, além da própria repressão dos negros.

“De acordo com sua maioridade eles eram obrigados a se juntar à Maréchaussée [ou a Cavalaria da Polícia], uma organização política cujos fins eram: capturar negros fugitivos, proteger os viajantes nas grandes estradas capturando os negros perigosos, lutar contra quilombolas e, enfim, qualquer tarefa difícil e perigosa que os brancos locais pudessem ordenar. Após três anos de serviço na Cavalaria, eles tinham que se juntar a milícia local, prover as suas próprias armas, munições e equipamentos e, sem nenhum pagamento e sem pensão de nenhuma espécie, servir sobre as ordens dos oficias brancos em comando.”

Ou seja, cada vez mais os mulatos estavam a margem da sociedade de São Domingos, excluídos da religião, da medicina, da prática da lei, de todos os ofícios públicos e cargos de importância. Uma legislação racista nascia. E logo, a prática de linchamento se tornava mais comum. Caso um homem livre de cor batesse em um homem branco, independente de sua posição social, por lei deveria ter seu braço direito amputado.

Se inicia o sistema de divisões de raça no antigo Haiti:
“A descendência de brancos, pretos e mestiços tinha 128 divisões. O verdadeiro mulato era a criança de uma negra pura com um branco puro. A criança de um branco com uma mulata era um quadrarão, com 96 partes de branco e 32 de preto. Mas o quadrarão poderia ser produzido pelo branco e pela marabu numa proporção de 88 por 40, ou pelo branco e pela sacrata, na proporção de 72 para 56 assim por diante até 128 variedades. Mas o sang-melé (sangue misturado), com 127 partes brancas e uma parte negra, continuava sendo um homem de cor.”

Num plano bem meticuloso dos proprietários escravocratas de São Domingos, os mulatos, com capacidades infinitas de modificar sua sociedade, começaram a odiar seus mais próximos aliados, os negros escravos, e negavam tudo que se assemelha-se a seus antecedentes.

"..e as leis da Grécia e de Roma testemunham que uma legislação rigorosa contra escravos e homens livres não tinha nada a ver com questões raciais. Por trás dessa engenhosa estupidez de quadrarão, sacatra e marabu, estava o fato predominante na sociedade de São Domingos: o temor aos escravos. (…) Ademais, além do terror físico, os escravos deveriam ser mantidos em submissão por meio da associação entre inferioridade e a degradação, e a mais distinta marca do escravo: a cor negra de sua pele.”

O que faz do Capitalismo, o primeiro sistema escravocrata baseado em cor. Uma exceção dentro da história. Como escreve o autor George Breitman, sejam entre os romanos, os gregos, os babilônios, os reinos africanos, etc, sempre distinguiu-se um escravo pela sua cultura, sua língua, sua religião e sua nação, baseado numa divisão entre aqueles que tinham poder e os que não tinham. E mesmo assim, data-se que havia mobilidade entre as classes, com muita facilidade, encontrando até dificuldade de distinguir aqueles que eram escravos antes de comprar sua liberdade.

".. a discriminação racial na África de hoje é, assim como a de São Domingos, um problema de política governamental, imposta por balas e baionetas. (…) O fundamental, em cada caso, é sempre o mesmo: justificar a pilhagem por qualquer diferença óbvia entre os despossuídos e aqueles que detêm poder."

Logo, o racismo como conhecemos hoje surge como política muito bem pensada para os latifundiários exercerem maior poder sobre a mão de obra mais barata do mercado na época: o africano pobre. O racismo se modifica conforme sua necessidade, e ainda hoje cumpre um papel muito bem específico no nosso sistema econômico.

Apesar da maior parte da mão de obra escrava hoje ser da Ásia e da América Latina, os negros nos países com histórico de escravidão ainda cumprem os papéis mais precários para o funcionamento sórdido do sistema capitalista, e ainda sofrem com os resquícios de uma legislação e um sistema jurídico e penal criado na escravidão.

Para colocar uma perspectiva histórica em toda a situação das raças dentro do Capitalismo e o papel econômico que sua divisão cumpre, James utiliza um trecho de Karl Marx do 18 de Brumário:

“Sobre as diversas formas de propriedade, sobre as condições sociais de existência como fundamento existe uma superestrutura edificada de sentimentos variados e característicos, ilusões, hábitos de pensamento e perspectivas sobre a vida em geral. A classe, como um todo, cria e molda essa superestrutura fora dos fundamentos materialistas dela mesma e a partir das correspondentes relações sociais. O indivíduo, no qual ela aparece através da tradição e da educação, pode presumi-los como os verdadeiros determinantes, a origem real das suas atividades.”

Ou seja, toda ideia, todo sentimento, toda estrutura de pensamento surge a partir de uma base material da realidade do indivíduo, e não ao contrário. Primeiro surge a necessidade da mão de obra negra, depois surge a justificativa ideológica para tal. Primeiro surge o Capitalismo, depois surge o racismo. Então, para modificarmos toda a vida que conhecemos, e modificar tudo o que nos açoita, que nos agride, que nos explora, precisamos necessariamente mudar toda a base material e econômica que permeia essas ideias que nos matam todos os dias. O machismo, o racismo, a LGBTfobia, o elitismo.

Logo, não basta como saída real aos setores historicamente oprimidos o emponderamento e a autoafirmação. Mesmo que se esteja em cargos importantes dentro da meritocracia capitalista, que se esteja dentro da intelectualidade da academia produzindo conhecimento contra o racismo, a busca de uma essência do que é o negro não trará a saída material para esses problemas.

A base da união dos negros no período da escravidão era o banzo: a melancolia que se dava devido ao afastamento de sua terra natal, dos castigos, das prisões, do trabalho forçado, e isso forjou seus hábitos, sua cultura, seu estilo de vida, sua solidariedade entre si. O que une os negros hoje é a precarização e terceirização do trabalho, a violência policial, as periferias, o racismo institucional e a mulher negra como pilar da sociedade capitalista, e isso forja o que é ser negro hoje.

Assim como CLR James, ícones do movimento negro compreenderam isso e deixaram a exemplos a serem seguidos – James inclusive escreve “A Revolução e o Negro” com esse intuito. Malcolm X que, perto do final de sua vida, rompe com a ideia da luta entre raças e abraça a ideia da luta de classes, ao perceber que a Nação do Islã enganava e explorava a população negra como qualquer outro senhor de escravos o faria. Fred Hampton, dirigente do Partido dos Panteras Negras de Illinois, assassinado aos 21 anos em uma emboscada do FBI em sua casa – morto em sua cama enquanto dormia, ao lado de sua companheira grávida – foi morto porque compreendeu a necessidade do povo negro dos EUA se unir aos latinos, aos asiáticos e aos trabalhadores do campo e da cidade, e ao falar de solidariedade, de união racial e da luta internacional proletária, se tornou uma ameaça maior do que já era ao Estado norte-americano.

Não devemos fazer coro com presidente Obama, que apesar de negro, é presidente do país com a maior população carcerária do mundo e que durante seu mandato, Ferguson e Baltimore foram palcos de revoltas negras massivas contra a violência policial que deixaram as cidades em verdadeiro estado de sítio. Nem fazer coro com ícones da indústria cultural, como a Beyoncé, que apesar de ser símbolo das mulheres negras, foi recentemente acusada de ter trabalho escravo nas fábricas da Ivy ParK, sua marca de roupas de ginástica situada no Sri Lanka, que inclusive escravizou mulheres e LGBTs.

Mesmo que ele não caia agora, só visando o fim do Capitalismo que nós teremos o que queremos.

 
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