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MORRE BORIS SCHNAIDERMAN
Aos 99 anos, morre Boris Schnaiderman, importante tradutor e divulgador da literatura russa no Brasil
Fernando Pardal

Ucraniano radicado no Brasil, testemunha ocular dos primeiros anos da revolução russa, primeiro tradutor da literatura russa a partir dos originais no Brasil, a trajetória única do professor Boris Schanaiderman se encerrou nessa quarta-feira, 18, quando ele morreu de pneumonia no Hospital Samaritano, em São Paulo.

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Todos aqueles no Brasil que são apaixonados pela literatura russa, uma das mais vigorosas e ricas dos séculos XIX e XX, certamente já passou por alguma tradução feita por Boris Schaiderman. Autores como Dostoiévski, Tostói, Tchekov, Górki, Babel, Pushkin, Gógol e Pasternak foram alguns cujas obras ele verteu para o português.

Nascido em Uman, na Ucrânia, Boris veio ao mundo no local e no ano da primeira revolução operária vitoriosa da história: 1917, próximo ao centro do poder revolucionário, Petrogrado (hoje São Petersburgo). Quando tinha um ano, a família emigrou para Odessa, fugindo dos Pogroms, massacres contra judeus promovidos por setores contrarrevolucionários e pelos czaristas.

Seu pai era comerciante e ali prosperou durante o período da NEP (Nova Política Econômica – período que o governo bolchevique permitiu desenvolvimento de comércio privado para estimular o crescimento da economia russa arruinada pelas guerras). Mas, com o fim dessa, decidiu emigrar, levando o pequeno Boris para o Rio de Janeiro, no ano de 1925, tendo ido em seguida para São Paulo.

Os Schnaiderman deixaram a Rússia, mas não antes do pequeno Boris poder ter visto pessoalmente com seus pequenos olhos as filmagens da cena mais emblemática do grande clássico de Serguei Eisentein, “O Encouraçado Potemkin”, em que a cidade de Odessa é bombardeada e um carrinho de bebê desse pelas escadarias. Só muito depois, ao ver o filme, é que Boris reconheceu a cena e percebeu que testemunhara um momento histórico do cinema soviético e mundial.

No Brasil, sofreu discriminação e perseguição por parte da ditadura de Vargas devido à sua origem soviética, e teve dificuldades para se naturalizar. Chegou a ter sua casa invadida e seus bens vasculhados pela polícia fascista de Vargas, comandada por Filinto Müller, simpatizante assumido de Mussolini e que foi responsável pela tortura e morte de diversos operários e militantes de esquerda, e pela prisão de intelectuais simpatizantes do comunismo, tais como Graciliano Ramos e Nise da Silveira.

Schnaiderman foi responsável pela fundação da área de russo no curso de Letras da USP em 1960, o primeiro do país, onde lecionou até sua aposentadoria em 1979. Apesar da pressão para os pais para que estudasse agronomia, em que chegou a se formar na Escola Nacional de Agronomia, Boris seguiu sua carreira na literatura. Em sua tese de doutorado, orientada por Antonio Candido, Boris recolheu, traduziu e estudou textos de Maiakóvski que discutiam o papel do artista e de sua atuação social. Foi publicada com o título de “A Poética de Maiakóvski” pela Editora Perspectiva. É autor, ainda, do livro “Guerra em Surdina”, um romance que trata de suas memórias como combatente da Força Expedicionária Brasileira (FEB) durante a Segunda Guerra Mundial.

Sua primeira tradução publicada foi de “Irmãos Karamázov”, romance de grande envergadura de Dostoiévski, no ano de 1943. Posteriormente, quando o próprio Schnaiderman já havia refutado essa tradução como um trabalho ruim do início de sua carreira, ela foi plagiada pela editora Martin Claret. Apesar de Boris ter rejeitado essa tradução e outras de sua juventude, tradutores importantes como Paulo Bezerra, que fez sua própria versão dos “Irmãos Karamázov” para a Editora 34 em 2008, as elogiam. Schnaiderman dizia, no entanto, que “essas primeiras traduções eram ruins, ruins mesmo, não é modéstia, e foram assinadas com meu pseudônimo [de Boris Solomonov]. Meu nome foi publicado pela primeira vez em uma antologia de contos do Tchekov, em 1959.”

Na década de 1950, Boris participou de um importante círculo de intelectuais articulados em torno de Anatol Rosenfeld – outro intelectual estrangeiro radicado no Brasil de imensa importância – e que se reunia na casa dos editores Guita e Jacó Guinsburg. Desses encontros participavam nomes como Regina Schnaiderman (importante psicanalista que se casou com Boris), Isaías Melsohn, Roberto Schwarz e Sábato Magaldi, entre outros. Passou, nessa época, a escrever críticas de literatura russa para o suplemento literário do jornal Estado de S. Paulo, que na época era dirigido pelo crítico teatral Décio de Almeida Prado.

Seu papel como intelectual, professor universitário e difusor da cultura e literatura russa no Brasil ao longo de décadas é inestimável, e seria impossível resumir a envergadura dessa atuação em tão curto texto. Mas não podemos deixar de citar seu importantíssimo trabalho ao lado dos irmãos Augusto e Haroldo de Campos, junto com os quais traduziu poemas da vanguarda russa, em 1967, e editou um a coletânea de poemas de Maiakóvski pela Editora Perspectiva, em 1968, que até hoje, infelizmente, é uma das pouquíssimas obras que se pode encontrar no Brasil da poesia desse autor de inestimável importância para a literatura revolucionária russa. Segundo o próprio Boris, esse momento foi uma guinada em seu próprio percurso estético: “De um modo geral, minha formação literária era muito tradicional. Foi justamente em fins da década de 1950 e início da década de 1960 que posso dizer que me modernizei literariamente, mesmo em termos de poesia brasileira.”

Recentemente, muitas traduções de Schnaiderman foram publicadas pela coleção Leste da Editora 34. Trabalhou incessantemente até seus últimos dias, deixando um legado cuja importância é difícil de ser medida. Fica aqui nossa homenagem à vida e obra de Boris Schnaiderman.

 
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