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FRANÇA
’Com Nuit Debout o Islã radical desaparece e o inimigo volta a ser o capitalismo’
Juan Chingo
Paris | @JuanChingoFT

A frase é de Alain Finkielkraut, intelectual da direita francesa. Há sintomas de que algo está começando a mudar depois de seis anos de retrocesso social na França. O enfrentamento social com o governo “socialista” de Hollande e o ódio à polícia.

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O ponto central não é ainda a magnitude do ascenso operário, onde a vanguarda determinada, que tem se mobilizado e assim seguiu fazendo no último dia 28 ou mesmo no 1º de maio, não consegue arrastar os milhões de trabalhadores que se opõem à reforma trabalhista ou que já a sofrem, como os trabalhadores precários. O mais potencialmente explosivo para o regime e seus apoiadores é que está começando a surgir outro relato, em especial para o “peuple de gauche” (“povo de esquerda”). Este conglomerado de setores sociais está composto em sua maior parte por setores pequeno-burgueses e profissionais progressistas, trabalhadores públicos e uma parte dos assalariados, em especial professores e trabalhadores de serviços como os da indústria cultural, que compartilham toda uma série de símbolos herdeiros de uma mescla de valores da velha esquerda reformista e do republicanismo francês, como a laicidade e a liberdade de expressão.

Apesar de já vir rompendo com o Partido Socialista, até pouco tempo atrás este setor constituía a base social do PS e assim dava estabilidade pela esquerda ao regime reacionário e bonapartista da V República. A falida reforma constitucional sobre o estado de emergência que incluía a perda da nacionalidade para os condenados por terrorismo (uma medida aplicada na França somente durante a República de Vichy, ou seja, a França colaboracionista com Hitler em uma parte do território nacional durante a ocupação alemã na Segunda Guerra Mundial) e, sobretudo, a reforma trabalhista, foram a última gota d’água.

A ruptura com o hollandismo aconteceu pela primeira vez depois de 1981 e do ascenso de Miterrand à presidência. Um governo autodenominado de “esquerda” se vê confrontado por uma luta de massas proveniente de sua própria base eleitoral e social. É este enfrentamento inédito que está começando a gerar fenômenos ideológicos que podem ter consequências perigosas para a dominação da burguesia, ainda que evidentemente, como já dissemos em meu último artigo o resultado da luta contra a reforma trabalhista possa acelerar ou atrasar esta cristalização política.

Este perigo é o que incomoda os editorialistas e os filósofos serviçais do regime que estão nervosos e com os pelos em riste. O último exemplo é Alain Finkielkraut, um filósofo reacionário renegado de 1968, que há alguns dias foi expulso do "Nuit Debout" e chamado de “fascista" pelos ocupantes da Praça da República, o que suscitou, em seu apoio, uma campanha histérica de todos os jornais do regime – desde o direitista Le Figaro até o esquerdista Liberation –.

Em uma entrevista radial no Europe 1 nesta quarta-feira, o filósofo explica o motivo de seu descontentamento, julgando que este movimento “está aqui para matar o espírito do 11 de janeiro”. Com esta data de início de 2015, faz referência à marcha de milhões em Paris e toda França encabeçada por Hollande e uma enorme quantidade de dirigentes europeus e mundiais que utilizaram o repúdio da população aos atentados de Charlie Hebdo e a tomada de reféns em um supermercado judeu para reforçar de forma reacionária a República imperialista. E conclui: “Em 2015, uma França atônita descobriu a realidade de um terrível inimigo: o Islã radical. (...) Uma brecha se abriu na antiga visão progressista da história. E Nuit Debout tapa a brecha: o Islã radical desaparece, o inimigo volta a ser a dominação, a burguesia, o capitalismo e o estado policial”.

De fato, o clima político e ideológico está mudando. Nada é mais visível nesta mudança do que a atitude frente aos CRS, o esquadrão especial da polícia encarregado de lidar com os conflitos sociais. Uma das maiores novidades de 11 de janeiro de 2015, foi que o “peuple de gauche”, que compartilhava de forma cada vez mais simbólica os valores de ‘68 (como mostra a crise do antirracismo ou do feminismo frente ao problema muçulmano, a que Finkielkraut se refere quando fala da antiga visão progressista da história), aplaudiu nas ruas os CRS, os robocops repressivos que no maio de 1968 eram considerados como nazistas (CRS=SS foi um dos grandes slogans deste movimento).

Hoje, assim como fazem há décadas os setores de banlieues que odeiam os flics (ratos franceses), pela repressão e discriminação a que são submetidos somente por sua aparência física ou racial, os CRS começam a ser odiados pelo “peuple de gauche” que assiste atônito a um nível de repressão e provocação policial sistemática e inédita, em especial contra a juventude estudantil e secundarista.

“Todo mundo detesta a polícia” é cada vez mais um canto popular nas marchas. O ódio contra a polícia começa a ser tão pronunciado em setores da população, que um sindicato policial, Alliance, chama manifestação no dia 18 para dizer «stop à la haine antiflic» (“Chega de ódio antipolicial”). O sindicato policial Alliance “se indigna por esta obstinação imprudente de querer fazer crer que a polícia são uns brutos selvagens que batem indiscriminadamente na juventude" e denuncia "esta demagogia ideológica que pede o ódio e a violência contra a polícia republicana".

Difícil que sua mensagem reacionária seja escutada pelo “peuple de gauche”, depois da quantidade de detenções, prisões preventivas, toneladas de gases lacrimogêneos esparramados, golpes, fraturas e até a perda de um olho de um manifestante. Este é o cenário habitual de agora em diante de qualquer marcha na França.

Esta perda do respeito e da autoridade policial é outro grande legado do movimento atual que tem consequências estratégicas para os futuros combates de classe.

Tradução: Francisco Marques

 
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