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DEBATE COM PSTU
Giro à direita na superestrutura da América Latina: capitulação aos ‘pós-neoliberais’?
André Barbieri
São Paulo | @AcierAndy

Iniciamos com o artigo de Daniel Matos o debate com a LIT/PSTU depois da nota em que Alejandro Iturbe argumenta que o “MRT teria capitulado à frente popular”. Na presente nota, queremos aprofundar um aspecto específico da visão da LIT sobre o panorama político da América Latina.

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Como viemos debatendo em diversos artigos do Esquerda Diário, 2015 se fechou com avanços inegáveis da direita a nível político na América Latina: o triunfo opositor nas eleições legislativas da Venezuela, a chegada à presidência de Macri na Argentina, o fortalecimento da direita tucana e a tentativa de impeachment de Dilma no Brasil. É um salto no curso que se aprofundou ao longo do ano, marcado por fatos como a abertura do “novo diálogo americano” defendido por Obama na Cúpula do Panamá, o “degelo” entre Cuba e Estados Unidos (que favorece o processo de restauração capitalista na Ilha), a adesão do México, do Peru e do Chile ao Tratado Transpacífico (TPP), entre outros fatos.

Os governos chamados pós-neoliberais foram e são parte deste giro à direita na superestrutura política latinoamericana (giro que não significa em si mesmo uma mudança da relação de forças “pós-neoliberal” para uma relação de forças reacionária entre as classes). Assimilando todos os métodos corruptos de governo dos capitalistas, aplicando duras medidas de ajuste, desvalorização e inflação, endurecendo a repressão contra as lutas operárias e populares e utilizando sua influência nos sindicatos e movimentos sociais para bloquear qualquer resistência aos ataques, estes governos abriram o caminho para o fortalecimento da direita, além de permitir que esta se apresentasse de maneira “renovada”, embandeirando-se cinicamente da “luta contra a corrupção” e até da “democracia”.

De fato, no Brasil, a luta por uma política independente dos trabalhadores anda lado a lado com o rechaço das investidas da direita, tanto um posicionamento claro contra o impeachment e as variantes de golpe institucional ensaiadas pelo Judiciário, assim como contra os ajustes do governo do PT.

O que pensa a LIT/PSTU?

A LIT/PSTU não enxerga dessa forma. Trata-se sim de uma ruptura dos trabalhadores e das massas com os governos populistas (sobre a direção desta ruptura, é menos importante). Para eles, este giro à direita na política do subcontinente não existe; de suas recentes análises sobre o triunfo de Macri na Argentina e da direita na Venezuela, se conclui que nada muda na situação nacional e regional e a direita não se encontra em melhor posição para restaurar seus interesses sobre o caminho pavimentado pelos “progressistas”. Justamente por isso, segundo sua tese, é impossível conciliar a luta contra o avanço da direita com a batalha contra os governos pós-neoliberais por uma alternativa de classe independente, uma vez que definir um “giro reacionário” significaria imediatamente evitar ou adiar a ruptura de massas com estes governos.

Sem reconhecer o fortalecimento à direita que significaram essas vitórias eleitorais desses setores, frente às quais não vacilamos em defender voto apenas nos candidatos operários ou o voto nulo na sua ausência, os morenistas extrapolam sua miopia para as igualar ao que poderia ser um triunfo da direita por uma via distinta, claramente mais “autoritária”, sem ver que esse “salto de qualidade” teria efeitos reacionários não só no Brasil, mas teria um “retorno” sobre toda a região. Sem ver nada disso, os morenistas afirmam:

“De conteúdo, o raciocínio é o seguinte: no Brasil e na América Latina, há um ‘giro reacionário’ da situação política porque a ruptura dos trabalhadores e das massas com os governos burgueses de frente popular e populistas (como o kirchnerismo na Argentina, o chavismo na Venezuela e o petismo no Brasil) vem sendo capitalizada pela direita. Nesse marco, são negativos para as massas os triunfos eleitorais de Mauricio Macri nas presidenciais da Argentina e da oposição burguesa venezuelana nas recentes legislativas. São resultados eleitorais que determinam mudanças na situação política (o ‘giro reacionário’).”

É sugestivo que deixem nas entrelinhas que, para seu grupo, esses resultados político-eleitorais não teriam consequências para os trabalhadores argentinos e venezuelanos, já que tanto a direita quanto os atuais governos “são a mesma coisa”, e os novos governos entrariam “mais débeis que os anteriores”.

Já conhecemos o procedimento da LIT/PSTU, que para facilitar suas justificativas reduz as opiniões dos adversários a equivalências mecânicas tais como dizer que alertar os trabalhadores que a direita brasileira busca canalizar seu justo sentimento de indignação com o PT para saídas reacionárias é o mesmo que “dizer às massas que não lutem contra os ajustes”. Saber diferenciar os ataques do governo do PT dos ataques ainda mais duros que viriam da direita é a mesma coisa que “embelezar o PT e frear a luta contra o governo”. Entender o fim de ciclo pós-neoliberal na América Latina e saber perceber os movimentos da direita para capitalizar este momento é para a LIT/PSTU o mesmo que “capitular perante o governo e tornar-se seus cúmplices”.

É de se duvidar que raciocínios tão pobres possam conter o incômodo de parte da militância do PSTU que vê seu partido tão próximo da FIESP e da Folha de S. Paulo, ou que sejam capazes de convencer a militância, depois de serem obrigados a reconhecer que o “MRT chama a luta contra o ajuste aplicado pelo governo e a construção de uma alternativa independente dos trabalhadores”, que defendemos um “Fica Dilma”. Como queria demonstrar...

É indubitável que a direita aspira a novos ares na situação. A visita de Obama a Cuba e depois a Argentina tinha por objetivo selar um novo marco de relações. Com Cuba, avançar na restauração completa do capitalismo buscando introduzir acordos comerciais e a liberdade de monopólios poderem atuar na ilha. Chegando a Buenos Aires, buscou promover o governo de Macri como novo líder regional e um exemplo para terminar de erodir os governos posneoliberais em decadência. Não à toa sua vitória em novembro deu novo fôlego à direita venezuelana para vencer as eleições parlamentares em dezembro.

Reconhecer esta mudança notável não tem nada a ver com proteger os governos “progressistas” do avanço da direita que alimentaram, mas preparar estrategicamente uma esquerda de combate para impedir que sua decadência seja aproveitada pela direita. Para o PSTU, ao contrário, tudo se resume a um efeito em cadeia de situações nacionais favoráveis aos trabalhadores com o advento de novos governos “mais débeis” da direita.

A cegueira sobre a situação da América Latina – ao lado de outros fatores como as falências teóricas dos morenistas, e sua predisposição para comemorar como suas as “vitórias” que pertencem a nossos inimigos – faz com que o PSTU (junto aos MES, corrente de Luciana Genro dentro do PSOL) venha há muito defendendo posições políticas que abrem espaço para saídas burguesas para a crise, como o eixo comum “Fora todos e Eleições Gerais Já”, com que figuram lado a lado de personagens como a Folha de S. Paulo e Renan Calheiros. A política de “Fora Todos” despreza totalmente o sujeito que a protagonizaria, que na situação presente seria o STF, Moro e a PF. Com uma posição que parece de esquerda encobrem sua negativa a opor-se ao impeachment ou às manobras judiciais golpistas, através das quais ambos terminam figurando como ala esquerda do bando pró-impeachment.

Os revolucionários nos preocupamos não com uma “ruptura qualquer”, mas que este afastamento dos trabalhadores frente ao PT se dê guiado por um programa anticapitalista e socialista. É sumamente estranho, neste aspecto, como o PSTU trata de embelezar os atos da direita (“grandes mobilizações de massas convocadas contra o governo Dilma”) como se prestassem auxílio “contraditório” a esta ruptura.

Uma ruptura de massas “inconsciente”?

O raciocínio segundo o qual nenhuma importância é dada para o fato de que é a direita quem vem capitalizando a crise dos pós-neoliberais, ou seja, de que é com o programa da direita que um setor expressivo dos trabalhadores orienta por ora seu repúdio ao PT no Brasil, faz com que a LIT/PSTU conclua que o processo latinoamericano signifique “um grande avanço na consciência das massas”, tal como se dá independentemente dos métodos e dos programas.

Esta concepção desarma absolutamente a tarefa dos revolucionários de dar todas as batalhas subjetivas necessárias para que a conclusão do ciclo dos governos pós-neoliberais na América Latina seja aproveitado pela esquerda independente, pois embeleza enormemente (agora sim!) a direita no subcontinente.

A LIT/PSTU tem em seu histórico uma concepção de mundo profundamente objetivista que desvaloriza sistematicamente a importância dos elementos subjetivos (direção, programa, idéias). Apesar de dizer que nós do MRT “nos definimos por questões superestruturais”, é a sua visão objetivista que prioriza as mudanças na superestrutura política. Durante a Primavera Árabe, era suficiente que um governo caísse para que falassem que houve uma “revolução”. Em conseqüência, combater as direções burguesas e pequeno-burguesas, naquele então, não tinha a importância crucial que revestia, e tampouco eram decisivos os efeitos de seu acionar contrarrevolucionário.

Trazendo a mesma lógica para a América Latina, pouco importa combater as direções, os métodos reacionários e os programas da direita, menos ainda as manobras judiciárias que no Brasil fazem o jogo do impeachment que tanto quer a FIESP, Sérgio Moro e a oposição de direita, desde que “se avance a ruptura de massas”. “Essa ruptura política é o processo que esperamos durante anos,” concluem. Elogio maior à dependência da direita impossível.

Essa lógica, que vem da “teoria” da revolução democrática elaborada por Nahuel Moreno, já demonstrou ser catastrófica nas posições que a LIT defendeu mundo afora. Exemplos não faltam: no Egito, quando aconselharam o Exército a como reprimir a Irmandade Muçulmana depois da queda desse governo, na Líbia quando saudaram como um “tremendo triunfo das massas” a queda do regime pela via da ofensiva da OTAN, ou na Síria quando apóiam de maneira absolutamente acrítica os opositores como o Exército Sírio Livre, apoiado pelos EUA. Na Ucrânia e na Venezuela se ligaram diretamente à direita, sob a mesma lógica de se apoiar nos setores opositores aos governos, mesmo que esses fossem burgueses e reacionários.

Uma teoria que termina sendo anti-governo sem ser anticapitalista

Dessa maneira, o posicionamento político da LIT no panorama da América Latina é a continuidade na região da política funcional à direita que o PSTU leva no Brasil.

Uma esquerda de combate frente à crise dos governos “pós-neoliberais”

A questão do desenvolvimento da consciência revolucionária das massas é uma tarefa estratégica para os marxistas. É necessário guiar a indignação dos trabalhadores com os falsos “progressistas” por um programa anticapitalista e internacionalista. Não podem depender de soluções mágicas oriundas do objetivismo da LIT/PSTU, muito menos de seus “processos de ruptura inconsciente”.

Neste caminho é necessária a mais ampla independência política a respeito das distintas variantes burguesas – e daí a importância prática e estratégica do balanço e delimitação a respeito do chavismo, do evismo, do lulismo ou do kirchnerismo – também está colocado fortalecer os laços de unidade entre os trabalhadores, os estudantes e o movimento de mulheres no Brasil, na Argentina, no Chile, e em toda a região, para que esta força social possa superar os limites impostos pela burocracia sindical e expressar-se no terreno político para que a classe operária possa dirigir a luta contra o imperialismo e seus agentes nativos.

O desenvolvimento da Frente de Esquerda e dos Trabalhadores (FIT) na Argentina como pólo pela independência política de classe, conquistando postos parlamentares e próximo de 1 milhão de votos em 2015, e o avanço da esquerda trotskista representada pelo PTS, tanto no terreno eleitoral com o candidato presidencial Nicolás Del Caño e outras figuras da FIT que se enraizaram em setores da vanguarda do movimento operário, são posições conquistadas que podem e devem servir como ponto de apoio para fortalecer a luta pela independência política dos trabalhadores em toda a região.

Mostram que é possível conquistar peso em setores de massas sem abandonar a luta para que o movimento operário se transforme em sujeito político, avance das lutas sindicais à militância política e construa um partido com independência de classe que lhe seja próprio.

No Brasil, isto exige batalhar para que ao calor da intervenção ativa na luta de classes e dos balanços estratégicos que surjam dos fenômenos políticos coloquemos de pé um partido leninista de combate que seja real alternativa política independente aos trabalhadores na crise. Partimos de uma posição correta: um plano de luta contra o impeachment e as variantes do golpe institucional por parte do Judiciário, e os ajuste do governo do PT, que deve ser exigido das centrais sindicais, em que lutemos por uma Assembleia Constituinte destas características, em que os trabalhadores e a juventude lutem conosco por estas exigências e façam experiência com os próprios limites desta democracia dos ricos, avançando assim na luta para um verdadeiro governo operário que rompa com a exploração capitalista e o imperialismo.

 
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