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OPINIÃO
Taxa de juros, petróleo e lucro: relações perigosas
Paula Bach
Buenos Aires

A dupla mensagem do FED é “a mensagem”. Dualismos na economia norte-americana. Petróleo e uma primeira contradição de lucros. Investimento: o problema dos problemas.

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Na terça passada, a presidente do Federal Reserve norte-americano, Janet Yellen, pediu “cautela” nas políticas de aumento das taxas de juros. Seu fundamento é que “as condições financeiras e econômicas são menos favoráveis agora do que na reunião de dezembro de 2015” – quando ocorreu o primeiro aumento das taxas pós-Lehman. Destacou entre suas preocupações essenciais tanto a “incerteza sobre o quão suave será a transição na China” como os baixos preços de petróleo. A propósito, depois de sua mensagem, subiram os preços do petróleo e da soja. As palavras de Yellen foram lidas como limite à ofensiva desencadeada há alguns dias por uma série de funcionários do FED que defendem uma elevação das taxas no começo de abril. A investida dos “altistas”, por sua vez, teve lugar depois da “moderação” de Yellen e do FED que na última reunião de março e depois do seu anterior giro na política monetária, mantiveram – como era previsível- as taxas de juros inalteradas. Naquele momento, Yellen deixou como mensagem sua vontade de efetuar somente duas elevações das taxas no ano, ao invés das quatro programadas e previamente anunciadas. O argumento? “A situação econômica e financeira mundial continua apresentando riscos”, havia dito. A medida – como também era esperada- se traduziu em aceleração com elevação das bolsas, depreciação do dólar e recuperação dos preços das commodities como o petróleo – que chegou aos 40 dólares o barril de petróleo bruto Brent – entre outras como cobre, ouro ou soja.

Como descreve o colunista financeiro Siaba Serrate, o Federal Reserve está enviando uma dupla mensagem e não tem intenção de ocultar a “discussão viva” que se instala no interior do organismo. Pelo contrário – precisamos- essa dupla mensagem é “a mensagem” com a qual o FED busca manipular as expectativas do mundo financeiro. O objetivo: manter o dólar, as matérias primas e o mercado de ações em níveis mais ou menos controlados. O interesse nos movimentos e discussões ao interior do Federal Reserve reside em que através deles se pode perceber tendências estruturais profundas. Porque, e temos que deixar claro, a vídeo-economia de Yellen está muito distante de se considerar autônoma do “território” sobre o qual se move. Vamos a isso.

A economia se faz de desentendida?

Há algum tempo por meio desta coluna, sintetizamos alguns dos fundamentos chaves da conflituosa situação da economia norte-americana. Vale a pena, no entanto, enfatizar os seguintes fatores. Em primeiro lugar não cabe dúvida alguma de que a economia dos Estados Unidos goza do crescimento mais forte de todos os países centrais e que o desemprego reduziu notavelmente durante os anos da recuperação pós 2008. Contudo, aquele crescimento – levando em conta a magnitude dos estímulos monetários e da queda econômica prévia- é particularmente débil se comparamos com a média das décadas anteriores. E essa redução do desemprego oculta tanto o desânimo dos que tem perdido a esperança de encontrar um trabalho, como uma notável precarização dos postos criados durante os últimos anos.

Estes fatores em seus dois lados, devem se relacionar com o desenvolvimento acelerado da bolsa e o lento aumento do investimento que guarda entre suas consequências mais notórias um quase estancamento da produtividade do trabalho. Novamente, Siaba Serrate coloca este fato há alguns meses em termos bastante gráficos. Referindo-se às quedas das ações no princípio do ano aponta: “A economia por certo não se faz de desentendida” devido ao fato de que em relação à criação do emprego “2014 foi o ano de maior fortaleza do século XXI com uma média mensal de 260 mil empregos” enquanto, agrega “2015 foi o segundo mais ativo” para depois rematar: “É verdade, isso sim, que se pode falar de uma recessão industrial e de um retrocesso do setor exportador, mas a atividade econômica é uma esfera mais ampla”.

Ainda que seja bem apontado o dualismo, a ideia de que a “atividade econômica é uma esfera mais ampla” se esquiva das conexões necessárias entre os dois momentos, quando são precisamente essas as conexões que constroem “a economia”. Como resultado dos seus argumentos, o colunista põe excessivo peso na ideia que inicia seu raciocínio: uma economia indiferente aos movimentos das ações e financeiros. Entretanto, ao contrário, são as historicamente baixas taxas de juros as que sustentam uma forte elevação dos preços das ações o que, por sua vez, dinamiza até certo ponto o consumo junto com determinados setores de serviços e que se torna combustível privilegiado da criação de empregos. Por outro lado, a debilidade do investimento, o estancamento da produtividade – e adicionamos, dos salários-, o que Serrate denomina “recessão industrial” – que tem como sintoma uma inflação que não consegue chegar a meta de 2% do FED-, prova, como mínimo, que sem os estímulos a economia de conjunto poderia entrar em recessão. Enquanto isso e para agregar substância ao assunto, o fator “real” que mais se fortaleceu nos Estados Unidos durante os últimos anos, isto é o investimento petrolífero e em gás em sua versão de xisto, o qual é particularmente sensível aos efeitos de um aumento das taxas de juros. A elevação das taxas – ou inclusive somente seu anuncio- fortalece o valor do dólar, questão que repercute negativamente no preço do petróleo. Inclusive não é muito descabido especular que, entre outros vários motivos, manter as taxas baixas é uma forma de sustentar os custosos investimentos que exige o petróleo norte-americano. Contudo e por sua vez, as taxas baixas aumentam a distância dos ativos financeiros e o lucro real das empresas, criando uma situação de permanente instabilidade na economia. E como se isso fosse pouco, obstruem ou anulam a eficácia do mecanismo de reduzi-las, em caso de convulsão.

Este quebra-cabeça constitui justamente parte essencial do problema e contribui para explicar em boa medida as oscilações do FED com relação às políticas da taxa de juros. De fato, o dualismo entre estímulos monetários e “economia real” se revelam em uma dicotomia que também Serrate postula com bastante clareza: “ O problema que arrasta Wall Street há algum tempo é a valorização. Os preços são elevados e as companhias não tem o ‘punch’ de outros tempos para a geração de novos lucros”. Questão que significa que a maior parte das massas de dinheiro barato estimulado pelas baixas taxas assim como os “ganhos” derivados da alta dos preços das ações, se dirigem para a bolsa e não para os investimentos.

Lucros: primeira contradição

Há poucos dias o diário El País refletia que durante 2015 nos Estados Unidos “os ganhos corporativos caíram 3,1% no ano (...) É a primeira contradição anual desde a Grande Recessão por efeito combinado da apreciação do dólar nas multinacionais e as turbulências no mercado de energia, que também minguaram o investimento das empresas no equipamento e estruturas. É também a segunda contradição trimestral consecutiva nos lucros”. Agrega que durante o quarto trimestre de 2015 “O petróleo caiu em 60% e comeu quase 120 bilhões nos lucros das companhias que operam no setor de energia”.

De forma que durante o ano passado se fez presente uma primeira contradição dos lucros associados aos setores que mais contribuíram para combater um investimento fraco. E essa turbulência – ao menos em parte- está associada à apreciação do dólar derivada das políticas de aumento das taxas. Neste contexto, as políticas monetárias contracionistas poderiam adicionar lenha ao fogo no problema dos problemas da economia norte-americana: a debilidade de investimento.

Mas o certo é que se o dilema do investimento pode piorar com políticas contracionistas, está muito longe de se resolver com políticas monetárias expansionistas que continuam colocando combustível no mercado de ações.

Lawrence Summers intitulava da seguinte forma um recente post em seu blog: “Os lucros corporativos estão próximos aos máximos históricos. Eis aqui porque isto é um problema”. Anota que “A taxa de rentabilidade nos Estados Unidos está próxima ao nível recorde. O mercado acionário está muito valorizado em termos históricos (...) Tudo isto poderia ser tomado como evidência de que é um momento no qual o retorno ao investimento em capital novo é extraordinariamente alto (...) O alto valor de mercado das empresas implica que o ‘velho capital” está altamente valorizado e sugere uma alta rentabilidade do investimento em capital novo (...) Contudo, a situação é mais complexa (...) o investimento empresarial se encontra ou em linha com as condições cíclicas ou um pouco mais débil do que poderiam prever as condições cíclicas (...) Isso é anormal (...) uma extraordinária alta da taxa de investimento deveria se esperar conjuntamente com uma alta taxa de rendimento do capital existente”.

Se bem o conceito de lucro corporativo é enganoso porque agrega ao lucro empresarial real com a valorização acionária, dá uma ideia da distância entre massas de capital valorizadas real ou ficticiamente e debilidade dos lucros em “novos investimentos”. Algo disso indagamos em Revolución de la robótica...? (segunda entrega).

 
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