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IX Cúpula das Américas
A geopolítica do México e do Brasil diante da Cúpula das Américas
Omar Floyd
Santiago Montag

A IX Cúpula das Américas em Los Angeles durará até 10 de junho. Biden aspira recuperar o espaço perdido na Era Trump e retomar a liderança. Vários países hesitaram em participar questionando seu sucesso. Nesse sentido, analisamos o lugar e a importância dos gigantes Brasil e México no Hemisfério Ocidental.

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A Cúpula das Américas em Los Angeles já começou, cujos preparativos anunciaram o fracasso das expectativas dos EUA, testando sua capacidade de influenciar decisivamente a região. Vários chefes de Estado latino-americanos e caribenhos se ausentaram ou chegaram a pensar em não comparecer, ameaçando desferir um golpe humilhante na Casa Branca. Entre eles os presidentes do México e do Brasil, os dois maiores países ao sul do Río Bravo.

Análise internacional | Entenda a IX Cúpula das Américas em Los Angeles

Embora AMLO não esteja participando da Cúpula, seu chanceler Marcelo Ebrard sim. No caso de Bolsonaro, após muitas dúvidas, ele viajará para Los Angeles. O presidente brasileiro não havia dado muitas explicações sobre sua possível ausência. Podemos especular que suas preocupações passam pela campanha da reeleição, onde há enormes chances de vitória para Lula e ele tinha mais a perder do que a ganhar participando de um cúpula sob medida para a potência norte-americana; Além disso, a chegada de Biden à Casa Branca provocou o distanciamento ideológico com Washington, sendo conhecida a profunda afinidade de Bolsonaro com o ainda muito ativo Donald Trump.

Mas não se trata de uma ruptura com a política dos Estados Unidos, e sim de tensões próprias de um processo em que os países latino-americanos não veem benefício no "alinhamento incondicional" e sabem que Biden deve fazer concessões para retomar a iniciativa na região.

Mas o que está por trás desses atritos com o império? As dúvidas destes dois gigantes põem em questão o êxito da Cúpula por várias razões. Vejamos suas dimensões estratégicas. Ambos os países cobrem uma área de 10,5 milhões de km². Suas populações somam cerca de 350 milhões de pessoas e, juntas, representam um PIB de quase 3 trilhões de dólares. Ou seja, apenas esses dois países superam os números do resto do continente. Consequentemente, são consideradas potências regionais e em diferentes momentos da história estabeleceram tendências que definiram a localização geopolítica do continente como um todo. No entanto, para resguardar seus próprios interesses e não enfrentar diretamente os Estados Unidos, ambos adotaram historicamente posições de relativo isolamento internacional. Nos últimos anos, essa visão autonomista cedeu lugar a um papel mais ativo no continente, procurando posicionar-se como potências com peso próprio e capacidade para mediar conflitos regionais e inclusive mundiais.

No caso do Brasil, o ex-sindicalista Luis Inácio "Lula" da Silva (2002-2010) buscou colocar o Brasil como uma potência de renome mundial - no mesmo nível da Rússia, China e Índia - com propostas ousadas no cenário internacional, como ressuscitar sua reivindicação de acesso a um lugar permanente no Conselho de Segurança da ONU e tentar influenciar questões de interesse global por meio de sua participação no BRICS. Em outras palavras, construir seu “próprio jogo” no que percebem como um mundo multipolar que abre possibilidades de intervenção de outros atores regionais.

Essas ambições começaram a esmorecer quando a mega construtora brasileira Odebrecht quase foi desmantelada devido à investigações por corrupção impulsionadas pelos Estados Unidos, gerando uma crise institucional gravíssima que afetou a maioria dos governos da região e criou as condições para o "impeachment" contra Dilma Rousseff (2016) – que nunca alcançou a popularidade de Lula e implementou um ajuste com consequências nefastas para a população – e a proscrição de Lula nas eleições de 2018.

Isso permitiu que Jaír Mesías Bolsonaro se consagrasse presidente, um aparente outsider político que, com uma orientação populista de direita, procurou se alinhar à estratégia de Donald Trump em nível internacional. Este último, que desde a Casa Branca buscou um retorno às diretrizes neoconservadoras "nacionalistas" e "americanistas", favorecendo acordos políticos e econômicos bilaterais com os Estados, teve em Bolsonaro um de seus aliados mais fortes, refletindo visões de mundo e alianças globais muito semelhantes.

Logo após a ascensão de Joe Biden (2020), o presidente brasileiro - que colocou a luta contra qualquer tipo de "progressismo" associado à "esquerda" e ao "comunismo" no centro de sua política - ficou isolado em termos ideológicos e deslocado no plano internacional, uma vez que o novo presidente norte-americano busca restabelecer as instâncias multilaterais como eixo articulador das instâncias de governança mundial.

Nessas condições, o Brasil redirecionou sua política para buscar melhores relações com a União Europeia, principalmente França e Alemanha, e manter sua aliança estratégica em questões de tecnologia 5G com a China (seu principal parceiro comercial), colocando alguns limites nas ambições norte-americanas.

As mudanças no México também foram profundas, mas em um sentido diferente. Depois de duas décadas de governos abertamente fraudulentos e megacorruptos, que começaram com o mandato de seis anos de Salinas de Gortari (1988-1994) e terminaram com o de Peña Nieto (2012-2018) - durante os quais dois partidos de direita se alternaram no poder, fanaticamente neoliberais e descaradamente pró-americanos, como o PRI e o PAN. Fechou-se um ciclo excepcional de "alinhamento automático" com os Estados Unidos desde a chegada ao poder do popular Andrés Manuel López Obrador (AMLO) e seu movimento de centro-esquerda moderada, Morena, em 2018.
AMLO sempre esteve longe de propor uma mudança na matriz produtiva de subordinação econômica. E embora tenha feito um forte discurso "anticorrupção", manteve a estrutura montada que ligava os cartéis de drogas aos diferentes níveis do Estado mexicano por meio do "Regime PRIAN" (como AMLO costuma chamar os governos anteriores). Trata-se, portanto, essencialmente de uma mudança retórica contra o neoliberalismo baseado em uma administração econômica redistributiva apoiada em políticas de Estado ampliadas (planos de assistência social) e relações internacionais que ele batizou com o pomposo nome de "Quarta Transformação" (4T).

Isso gerou expectativas de crescimento econômico e inclusão social, conquistando um enorme apoio popular à sua retórica contra as elites políticas (contra quem aplicou um reajuste de salários, embora continuem altos) e a pobreza. Baseado sobretudo no contraste com os desastrosos governos anteriores, o plano de AMLO explora uma retórica de modernização do país a partir de uma perspectiva "progressista" e do posicionamento do México como potência latino-americana, enquanto mantém a militarização do país e a precarização do trabalho. Parte dessa nova orientação é o aprofundamento do extrativismo, procurando obter uma maior fatia dos recursos naturais e uma redução dos desequilíbrios norte-sul, com base na promoção de obras como a refinaria Dos Bocas em Tabasco e, do ponto de vista das Relações Internacionais, um regresso à nacionalista e autonomista "Doutrina Estrada", baseado no princípio da não intervenção e no aumento dos níveis de soberania.

Seu chanceler Marcelo Ebrard - especialista em Relações Internacionais e, como AMLO, ex-prefeito do DF, íntimo da elite democrata norte-americana - dividiu tarefas com o próprio AMLO (que pretende suceder) e reformulou as relações tanto com os Estados Unidos quanto com seus vizinhos latino-americanos, negociando as condições do T-MEC (mais intervencionista que seu sucessor NAFTA, anulado unilateralmente por Trump em 2018) diretamente com Trump em muito bons termos e buscando uma aproximação com os países do Caribe e Argentina, com a intenção de aparecer como mediador em conflitos como os de Cuba, Venezuela e Nicarágua.

Os Estados Unidos e o México compartilham 3.200 quilômetros de fronteira e uma alta interdependência econômica. Para o México, representa cerca de 80% de suas exportações, o que torna surreal pensar em uma eventual ruptura política, razão pela qual AMLO busca mais do que tudo um melhor entendimento no âmbito de uma aliança estratégica à qual o México está subordinado desde meados do século XIX, principalmente para enfrentar o maior conflito que existe entre os dois: a migração. Por três décadas, os Estados Unidos trataram a migração através da fronteira com o México como uma questão de gestão de crise perpétua. Oscilando entre mecanismos com “rosto humano” e a repressão direta. A necessidade de mão de obra barata permite uma alta tolerância à imigração ilegal, mas as reações xenófobas nos Estados fronteiriços também dão sustentação à políticas de repressão e descarte, cuja expressão máxima é a construção de um muro na fronteira sul para barrar a chegada da população - sobretudo centro-americana - desamparada e empobrecida pelas consequências brutais que tiveram em seus países as políticas de integração comercial fomentadas pelo Consenso de Washington.

Os Estados Unidos destina um orçamento anual de US$17,4 bilhões de dólares em recursos na fronteira: desde 1992, deteve 26 milhões de migrantes, mais de 220 mil só em março de 2022. Washington obrigou durante anos o México a realizar o trabalho sujo quanto à migração. Trump, através dos Protocolos de Proteção ao Migrante (MPP), mais conhecidos como "Fique no México", aprofundou essa política da qual Biden não é muito diferente. Nesse sentido, AMLO tentará rediscutir os acordos migratórios com os Estados Unidos, mas também com os países da América Central.

Para os governos latino-americanos, a Cúpula tornou-se uma forma simbólica de resistir às diretrizes estadunidenses sem especificar uma ruptura aberta e preocupados fundamentalmente em desenvolver uma narrativa de maior autonomia, a partir de posições de centro-esquerda ou centro-direita. A adoção de discursos "antiamericanos" para ganhar legitimidade perante um eleitorado tradicionalmente atraído por mensagens "anti-imperialistas", é uma fórmula que pode gerar apelo em um setor da opinião pública sem custos significativos, além da crítica de certos meios de comunicação e setores políticos que literalmente funcionam como apêndices da embaixada ianque.

Conjunturalmente, o México estava no meio de uma campanha eleitoral em algumas governanças em 5 de junho e está de olho nas eleições presidenciais de 2024; e o Brasil está na corrida pela presidência nas maiores eleições do subcontinente em outubro, onde Bolsonaro tentará manter contra Lula sua presidência desgastada pelo manejo da pandemia. Por isso, uma narrativa que desafia Washington deixa resultados nas urnas, tanto pela esquerda (AMLO) quanto pela extrema direita (Bolsonaro).

Inclusive, Biden nem mesmo veria com maus olhos a posse de Lula no Brasil e a permanência de López Obrador no poder, ambos apostando na perspectiva geopolítica de inserção multilateral em um mundo multipolar. Lula viajou recentemente ao México para se encontrar com López Obrador e propôs um bloco comercial conjunto que integre os Estados Unidos negociando em igualdade e não uma subordinação total ao imperialismo.

 
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