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Malungo
25 anos sem Chico Science, continuamos a luta contra a fome
Renato Shakur
Estudante de ciências sociais da UFPE e doutorando em história da UFF

Na quarta feira completaram 25 anos sem Francisco de Assis França, vulgo Chico Science. Chico morreu em um acidente de carro no dia 2 de fevereiro de 1997. Todos nós lembramos dele com muita saudade, às vezes como o cara irreverente nos palcos, outras vezes como um jovem trabalhador nascido no bairro do Rio Doce em Olinda. Mas lembramos também como um cara que sempre combateu a miséria e a fome.

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Chico Science era apaixonado pela música, James Brown, Dr. Dre, Kurtis Blow, Afrika Bambaata certamente seriam os artistas que tocariam em suas plataformas de stream se ele ainda estivesse vivo. Além é claro, dos ritmos regionais, como o coco, a ciranda e o maracatu de mestre Salustiano, que também ajudou a inspirar o movimento manguebeat.

Apesar de não tocar nenhum instrumento e muitas vezes ter que reproduzir o som da guitarra ou da alfaia com a boca para que os amigos da banda pudessem entender a melodia e até mesmo o tom de determinada música, Chico Science foi um fenômeno que inspirou uma juventude ávida por sonhos e por conhecer o mundo.

Enquanto Ariano Suassuna e o movimento Armorial negava e criticava tudo o que vinha do "estrangeiro", o movimento manguebeat fazia o contrário. Uma juventude que vivia o avanço do neoliberalismo, desemprego crescente, inflação, violência policial e culturalmente não havia nada na indústria cultural que desse vazão aos questionamentos e a críticas desses ao sistema neoliberal, ela olhava para o que melhor tinha na cultura regional e para o mundo.

“Um passo à frente e você não está mais no mesmo lugar”. O melhor de tudo é que eles não estavam inertes, não viam toda barbárie capitalista como mero espectadores e resolveram mexer tudo que tinham a sua volta para criar a cena manguebeat. Da junção da banda Loustal e da banda afro Lamento Negro, oriunda do projeto social Daruê Malungo na comunidade de Peixinhos, surgiu então Chico Science e Lamento Negro e depois Chico Science e Nação Zumbi.

Da sensibilidade da arte para criar um gênero musical inteiramente novo que juntava as influências da música negra norte americana, rock n’ roll, o trance, com o samba, maracatu e por aí vai, também veio a sensibilidade de tratar nas letras dos problemas sociais mais profundos da sociedade pernambucana, a fome.

Com críticas tão sensíveis que permeavam a violência policial e urbana, a cidade e sua paisagem que abriga o caos do dia a dia, mas sobretudo, a vontade permanente de fazer tudo aquilo ali mudar de forma radical, Chico Science circunscreveu ao tom da alfaia e dos riffs de guitarra a luta de classes em Pernambuco. A leveza de sua obra está em denunciar o cotidiano de miséria e fome a ponto de inspirar até hoje a juventude pernambucana e no Brasil. Seja na rua da moeda, na praia do Pina, nas periferias de Olinda e Recife, em todos os cantos do estado se ouve as músicas desse malungo.

"Ô Josué eu nunca vi tamanha desgraça quanto mais miséria tem mais urubu ameaça”. Para isso ele escolheu Josué de Castro como principal interlocutor. A obra Homens e Caranguejos e seus personagens, como Negra Idalina, João Paulo, o por Baé, entre outros, ressurgem a cada letra. A propósito, elas nunca foram tão atuais como nos dias de hoje.

Com a inflação comendo o salários dos trabalhadores, o alto índice de desemprego e empregos informais, já são 20 milhões de pessoas passando fome no país. Para piorar Recife é a capital mais desigual do Brasil, o lugar onde mais se mata adolescentes e onde todas as pessoas que a polícia matou eram negras. No país de Bolsonaro e Mourão e com o PSB das oligarquias e empresários, a juventude pernambucana não tem só um minuto de paz.

Com um cenário tão difícil, prefiro parafrasear Chico Science mais uma vez, “Eu tenho certeza, eles também cantaram um dia”. Chico quis deixar um recado, com espírito otimista, para todos aqueles jovens que viviam as décadas do avanço do neoliberalismo nos anos 90 de que é possível uma vida sem toda aquela miséria. Certo ou não de que teria algum efeito o otimismo contestador de Chico Science, podemos dizer que 25 anos depois de sua morte, ainda cantamos suas músicas com muito ódio de classe.

 
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