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Opinião
No começo do ano eleitoral, uma economia que vai mal e uma terceira via encalhada
Leandro Lanfredi
Rio de Janeiro | @leandrolanfrdi

Longe das primeiras páginas dos grandes jornais burgueses aparecem notícias não muito alvissareiras para algumas parcelas da classe dominante: a terceira via não parece decolar, Bolsonaro retém base de apoio e a economia anda mal. Coisas podem mudar nos próximos meses, há planos B em gestação com as importantes articulações burguesas em torno do que esperar de um governo Lula do ponto de vista dos negócios capitalistas.

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Foto: Fátima Meira sobre Estadão Conteúdo

Estamos longe de outubro de 2022, ainda não veremos editoriais de mídias burguesas que gostariam de alternativas eleitorais diferentes tanto de Bolsonaro e Lula jogando a toalha para aderir a alguma das duas forças mais expressivas. Lula lidera as pesquisas com folga e de forma estável e Bolsonaro, apesar da péssima avaliação de seu governo, retém uma base sólida de cerca de 25%.

Bolsonaro segue sofrendo desgaste na opinião pública, seu criminoso desdém com a tragédia das chuvas na Bahia cobra um preço, bem como a relutância com a vacinação de crianças e todo o apagão de dados sanitários no país quando muitos elementos apontam a que está se instalando uma nova onda de Covid-19. Porém, apesar desse desgaste, e mesmo que 36% de seus potenciais eleitores (aqueles que votaram nele em 2018) declarem seu governo ruim ou péssimo, o reacionário capitão não somente rétem uma base, faz sistematicamente política para ela, como começa a armar alguns elementos para sua campanha desse ano.

Os aumentos para policiais e as declarações sobre a vacina, formam parte do arsenal de medidas dirigidas a seu público fiel. No entanto, a retomada do discurso de vítima com a facada e insinuações do papel da esquerda na mesma (agora com investigação da PF sobre o advogado de Adélio) vai além de alimentar os seus, aponta a um caminho de mostrar-se como vítima, adotar uma localização mais defensiva rumo às eleições ao mesmo tempo que busca desde esse lugar desferir ataques ao PT e tentar recuperar terreno em um antipetismo que ainda ressoa em parcelas da população. As condições políticas e ainda mais as econômicas e suas consequências eleitorais não favorecem em nada Bolsonaro a conseguir ampliar significativamente sua base, mas, também mostram uma resiliência da extrema-direita e que não será esmagada por um caminho eleitoral e menos ainda de conciliação como buscam o PT e Lula. A manutenção da importância de Trump e do trumpismo nos EUA, mesmo com o triunfo de Biden mostram claramente esse cenário e no caso brasileiro como mesmo um eventual governo Lula recheado de apoios burgueses como de Alckmin, Delfim Netto e outros terá pela frente uma oposição disruptiva da extrema-direita.

É possível que ocorram mudanças até as eleições, inclusive por ações de forças golpistas não-bolsonaristas que seguem fortalecidas como o judiciário, mas também mudanças nas cúpulas militares e das igrejas que poderiam, por exemplo, enfraquecer Bolsonaro. Mas apesar de algum nível de incerteza e sem desistir do seu anseio de Moro, Ciro, Doria ou outro nome, já aparecem recorrentes sinais de alertas em análises e artigos de opinião. Essas notícias que a terceira via não decola expressam uma análise fria da realidade, mas também, em sua recorrência, não deixam de ser sinais a Lula que parcelas mais amplas da elite o aceitaria mas quer negociar aumentar (ainda mais) seu comprometimento com a manutenção das conquistas da burguesia em todo último período, a potencial escolha de Alckmin como vice mostra a contrapartida de como o PT acena a esse setor da burguesia em nomes mas também programa.

Soma-se a essa apreensão com alternativas para gestão dos negócios capitalistas no país que não sejam o PT ou o reacionarismo bolsonarista, uma apreensão com o cenário econômico e social do país. E justamente na intersecção desses problemas que busca se localizar o PT, ainda mais com um vice da estirpe tucana de Alckmin. Lula quer se mostrar como uma alternativa para setores burgueses que sintam-se órfãos de terceira via e mostrar que seu programa em nada incomodorá esses interesses, como ficou patente em artigo do ex-ministro Guido Mantega à Folha onde ele falou não como pessoa, mas como representante econômico da pré-campanha de Lula.

Antes de aprofundarmos em alguns elementos conjunturais desses primeiros dias do anos e sua conexão com o mais estrutural, indicamos a análise de mais fôlego feita por Danilo Paris no final do ano passado.

Apreensões econômicas e sociais

Há pelo menos três ordens de apreensões burguesas com a economia e o potencial de luta de classes que se acumulam tendo em vista tamanhos flagelos de fome, desemprego, inflação seguindo golpeando o país. Em primeiro lugar, do ponto de vista social nota-se recorrentes preocupações com a falta de renda de parcela da população e com o crescente custo de vida, chamando atenção as discussões sobre subsídios federais a Estados e municípios para não elevar (muito) o transporte público. A memória de 2013 ainda vive, e a burguesia brasileira por mais tacanha que seja tem um senso prático de internacionalismo para pensar sua sobrevida e lembra-se do estopim da rebelião chilena com o aumento do metrô e deve estar erguendo suas sobrancelhas com a queda do governo ecrise do Cazaquistão depois de protestos que iniciaram-se com o tema do aumento do gás de cozinha.

A essa primeira ordem de questões sociais relacionadas a fome, custo de vida, soma-se também um receio com a luta dos trabalhadores. Não faltam editoriais em toda grande mídia criticando Bolsonaro por conceder aumento a policiais. Essa crítica burguesa é feita de dois ângulos: a) Bolsonaro não deveria aumentar o gasto público para poder melhor perseguir a diminuição do déficit público e assim melhor remunerar os donos da criminosa dívida pública nacional e, b) receio de que se desate uma luta generalizada do funcionalismo para recuperar perdas salariais e que, por essa via, possa ocorrer uma “contaminação” para todo proletariado nacional. O resultado de um aumento generalizado de salários nesse momento em que a economia está estagnada seria de diminuição dos lucros patronais, e não há nada mais sagrado no capitalismo do que a necessidade premente de aumentar esses lucros.

A Folha de São Paulo, frequentemente apresentada tanto pelo bolsonarismo como pelo petismo como uma mídia opositora e “progressista”, publicou um editorial no dia 1 de janeiro queixando-se da pouca ação de Bolsonaro pela reforma administrativa e estridentemente defende sua necessidade para, ganhe quem ganhar o assento no palácio do Planalto, atacar os servidores públicos, esse mantra de atacar os trabalhadores escrito de forma mascarada repete-se quase diariamente em todos editoriais desse grande jornal paulista, mesmo que o tema seja supostamente outro.

Uma segunda ordem de preocupações burguesas diz respeito aos rumos gerais da economia. O cenário internacional não parece favorecer o país e todas contradições políticas, econômicas e sociais pesam em cada prognóstico. O último Boletim Focus disponível, coletado pelo Banco Central com os economistas de centenas de bancos e fundos de investimento, prevê em sua média um crescimento em 2022 de 0,36% do PIB e um dólar a R$5,60 e uma inflação de 5% ao final do ano. Ou seja, a renda per capita cairia 0,34% (já que o IBGE prevê crescimento populacional de 0,7%) e haveria algum nível de continuidade dos preços a corroer salários e capacidades aquisitivas. Algo nada alvissareiro para capitalistas que dependam do consumo interno, nem falar o que isso significa no dia a dia de um trabalhador.

Essa segunda ordem de preocupações reflete-se diretamente em uma terceira. Diminuição dos investimentos, pouca rentabilidade aos capitalistas que não em títulos da dívida, derivativos cambiais e de commodities, opções mais “rentistas” e tidas como mais “seguros” e que tendem a gerar quase nenhum emprego. Na primeira semana de janeiro a Bolsa de Valores acumula importantes perdas que se acrescentam às perdas de 2021. O real segue se desvalorizando frente ao dólar. A descida da Bolsa e aumento do dólar relacionam-se a problemas nacionais mas também às decisões do Banco Central norte-americano (o Fed).

Não à toa há tanta discussão de “estagflação”, estagnação e mesmo que ainda secundária uma preocupação com os riscos de luta de classes que vai aparecendo em análises, editoriais, comentários na TV.

As dificuldades com a terceira via

Diferentes jornais tem dado conta em suas colunas políticas de comentários “em off” de empresários e políticos que estão vendo dificuldade da terceira via implicar. Já se passaram semanas do anúncio de pré-candidatura de Moro e por mais que a Globo tente insulflar o ex-juiz, as pesquisas de opinião não parecem seguir os rumos ditados em palácios do Jardim Botânico (o que também já tinha ocorrido com Alckmin em 2018).

O agregado de pesquisas eleitorais publicadas pelo site Poder360 a tendência estável que de Lula com cerca de 44% e Bolsonaro com cerca de 27%, interessante notar que esse patamar de resultados (somando ou retirando 5%) está inalterado há mais de 6 meses como nota-se abaixo:

Por outro lado, uma análise mais detida da rabeira do mesmo agregado de pesquisas mostra um declínio do somatório de Moro, Ciro e Doria. Mesmo sua hipotética união agora daria 19% no agregado, e 4 meses atrás somava 25%.

No país da Lava Jato, do autoritarismo judicial, não é de se estranhar que a negociação eleitoral às vezes se faça por intermediários da PF e da toga, e assim pode-se entender não somente a operação da PF sobre a facada, como também alguns destaques midiáticos a operações contra os irmãos Gomes e nesta semana contra Márcio França, adversário de Dória em São Paulo e peça importante para a articulação Lula-Alckmin.

Claro que, como dissemos, muito pode acontecer até outubro, essas operações judiciais ou policiais recentes apontam algumas cartas que podem ainda estar nas mangas de alguns atores, mas até o momento parece improvável uma reviravolta da monta de tirar Lula já que sua recolocação como candidato atende não somente a seu “capital” político com expectativas de setores que querem o fim da miséria sob Bolsonaro mas também do anseio de parcela do establishment do país que o rehabilitou ensaiando novas (velhas) respostas de como lidar com o potencial de luta de classes que está inscrito nas contradições objetivas do país.

Lula e sua conciliação como alternativa aos burgueses sem terceira via

Depois do golpe de 2016 e de três anos do reacionário governo Bolsonaro-Mourão e militares, a eleição de Lula seria um importante rearranjo político do país. Por um lado trata-se de amplos setores de trabalhadores que têm importantes expectativas de melhoria das condições de vida (ou no mínimo fim do aumento de sua precarização) e por outro uma escolha para parcela da burguesia do PT como administradores do capitalismo pátrio que já mostraram previamente sua disposição a manter intactos os interesses patronais nacionais e imperialistas.

Nessas duplas expectativas onde a que mais importa não aquela dos trabalhadores mas a do “mercado”, Lula e PT acenam com Alckmin como vice em uma super-carta ao povo brasileiro, e por outro buscando amenizar o incomodo em parcela de sua base eleitoral com a escolha do grão-tucano tentam vender que se inspirariam no Estado Espanhol e revogariam a reforma trabalhista numa suposta fim da precarização do trabalho. Tweets de Lula e Gleisi buscaram mostrar um argumento à esquerda enquanto todas negociações e anúncios programáticos, como o de Guido Mantega, correm à direita. E também é digno de nota, como argumentamos aqui, que não há nada de fim da precarização na nova reforma dirigida pelo PSOE Espanhol.

O PT em seu duplo discurso deve acenar com mudanças para os trabalhadores, mesmo que elas não sejam exequíveis e mesmo que distanciem em muito de atingir as raízes dos prolbemas. Esse flanco discursivo precisa estar bem presente em 2022. 2023, aí é outra coisa, como vimos com Dilma na campanha em 2014 e um minuto depois de vitoriosa implementando uma série de ataques aos trabalhadores, ou podemos ver no espelho argentino de Fernandez que tanto falou contra o neoliberalismo e agora segue caninamente o que dita o FMI. O outro lado do duplo discurso está na escolha de Alckmin, nas propostas econômicas de Mantega, o discurso de “responsabilidade fiscal” e uma flagrante ausência de Lula falar claramente em revogar privatizações, a reforma da previdência.

Se em 2003 em diante tratava-se de manter intacta a herança tucana, mantendo o superávit primário, realizando reforma da previdência, deixando intactas privatizações criminosas como a da Vale, agora essa trajetória ocorreria diante de um país em que a burguesia conseguiu retirar muito mais direitos trabalhistas e sociais depois de Temer e Bolsonaro. Também de forma diferente do ocorrido em 2003, o Brasil de 2023 não terá diante de si um cenário internacional de boom de commodities e imensos fluxos de capitais imperialistas ao país permitindo que os governos do PT pudessem ao mesmo tempo que garantir aumentos recordes dos lucros patronais que ocorresse ao mesmo tempo um crescimento do consumo. E para completar as diferenças na descrição concreta do terreno da conciliação no Brasil de hoje comparado ao de duas décadas atrás, o país hoje é um onde poderes sem voto se fortaleceram muito: há crescente ingerência judicial, militar e de cúpulas de igrejas na vida política do país.

Até o momento não há nenhum sinal de reviravolta, pode ocorrer, mas os sinais conjunturais são o contrário disso. Líder da Assembléia de Deus, que declara voto em Bolsonaro, deu entrevista a revista de centro-esquerda sendo bastante respeitoso ou até mesmo elogioso a Lula. A reviravolta do cenário político do país, como essa entrevista mostra, vai bem além de Alckmin, parcelas relevantes da burguesia, talvez até mesmo a Globo, chega a tocar até mesmo nas igrejas evangélicas.

Essas mudanças em curso e em potencial, servem não somente para uma análise objetiva sobre a classe dominante e os caminhos para os quais o PT aponta, servem também para pensar como podem se processar as experiências da classe trabalhadora e da juventude com um potencial governo Lula. Como diz Danilo Paris na análise citada anteriormente: “para as hipóteses de construção de partido no Brasil, ter ou não o PT novamente administrando o Estado, após todos os ataques e reformas desde o golpe institucional, é uma questão que tem grande impacto político e estratégico na orientação. Uma mudança de rota nos caminhos políticos do país, que tem potencial para produzir importantes inflexões de vários pontos de vista, inclusive no movimento operário, na juventude, na esquerda e em setores da vanguarda.”

 
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