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Estados Unidos
Fracassou o projeto de lei de “infraestrutura social” de Biden.
Tatiana Cozzarelli
Madeleine Freeman

O projeto Build Back Better que fazia parte do pacote de infraestrutura de Joe Biden, fracassou ao ser golpeado por um senador do próprio partido Democrata. Mas o fracasso não se explica pela decisão de um congressista, e sim pela natureza antidemocrática do sistema e a recusa dos democratas em lutar pelas mínimas reformas.

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Voltemos ao ano de 2020. À medida que o coronavírus fazia estragos e uma nova onda emergia durante as férias, havia longas filas para testagem e um presidente que parecia desprezar completamente a vida humana.

Joe Biden estava se preparando para ser o próximo presidente, apostando no forte sentimento anti-Trump e no desejo de mudança. Ele prometeu controlar o coronavírus, perdoar a dívida dos estudantes, oferecer um salário mínimo de 15 dólares por hora, licença parental para os trabalhadores, reforma migratória, medicamentos mais baratos, novas moradias públicas e muito mais. Alguns disseram que ele seria o próximo Roosevelt.

Voltemos ao presente. Vinte e um meses após o início da pandemia, o coronavírus está fazendo estragos e há filas de horas para os que desejam se testar. Biden emitiu uma declaração essencialmente condenando os não vacinados a um "inverno de doenças graves e morte", demonstrando um insensível desprezo pela vida humana. O salário mínimo de 15 dólares foi descartado há meses atrás. Biden anunciou que o pagamento de empréstimos estudantis retomará normalmente em fevereiro de 2022. Nos últimos meses, sua principal lei, Build Back Better (em português algo como Reconstruir melhor), teve a maioria de seus pontos progressistas cortados.

Joe Manchin, o senador da Virgínia Ocidental, afundou o que restava do projeto de lei Build Back Better. Ele disse: "Eu não posso votar a favor desta lei. Tentei tudo humanamente possível. Não consigo. Isso é um não.” Manchin fez isso na rede Fox News, que é praticamente a imprensa oficial do Partido Republicano.

O ponto mais central dentre as promessas de Biden afundou. O governo Biden respondeu dizendo que a entrevista de Manchin à Fox News foi "uma violação de seus compromissos", o que soa como uma declaração terrivelmente ingênua vinda de alguém como Biden, que passou quase 50 anos no Congresso.

Alguns democratas esperam ressuscitar o Build Back Better em 2022 e trazê-lo para votação. Mas sem mudanças maiores no projeto de lei e com Manchin do próprio Partido Democrata votando contra, é difícil imaginar como o projeto passaria.

O que é o Build Back Better?

O Build Back Better fazia parte de um plano de infraestrutura proposto por Biden quando assumiu o cargo, há cerca de um ano. Dois projetos de lei de infraestrutura foram criados. Um deles foi um plano de infraestrutura de US$ 1,2 trilhão de "estradas e pontes" que passou no Senado com 11 votos republicanos durante o "período de lua de mel" com Biden. O projeto de lei mais ambicioso de "infraestrutura humana", que incluía a maioria das promessas eleitorais de Biden, tornou-se o projeto de lei Build Back Better.

A ala progressista do Partido Democrata recusou-se a votar o projeto de lei de infraestrutura por meses, com a intenção de votar as duas leis de infraestrutura em um mesmo pacote, sabendo que sua ala mais direitista, encarnada em Manchin e a senadora do Arizona Kyrsten Sinema, teriam mais facilidade em afundar o projeto Build Back Better caso fosse votado separado do plano de estradas e pontes. Mas depois da grande derrota eleitoral na Virgínia e da queda dos índices de aprovação do presidente, todos, exceto seis democratas da Câmara, cederam e aprovaram a lei de infraestrutura com a promessa de que o Build Back Better viria em breve.

Depois disso, houve meses de cortes no projeto. Embora Bernie Sanders quisesse um projeto de lei de US$ 6 trilhões, a proposta inicial apresentada pelos democratas era de US$ 3,5 trilhões. Nos últimos meses, o trabalho no projeto de lei tem essencialmente se reduzido a Manchin e os democratas reduzindo-o ao seu gosto.

Em seu projeto inicial, o Build Back Better incluia algumas grandes reformas, juntamente com milhões de dólares em fundos que iriam diretamente para as grandes corporações do país. Entre essas reformas, estavam incluindo as "faculdades comunitárias" gratuitas, 12 semanas de licença remunerada de trabalho familiar e a inclusão de planos oftamológicos e odontológicos no Medicare (plano público de saúde). Uma versão anterior do projeto de lei exigia que 80% da rede elétrica fosse alimentada por energias renováveis até 2030, e que as empresas de energia que não cumprissem as metas fossem penalizadas. Em seu projeto inicial, os democratas afirmaram que os bilionários pagariam o projeto de lei, embora os impostos sobre os ricos fossem rapida e silenciosamente eliminados. Desde o início, o projeto incluía cortes de impostos para corporações "verdes" e empréstimos de fundos para grandes corporações para o desenvolvimento de infraestrutura.

Esta última versão do projeto de lei, com um orçamento reduzido de US$ 1,75 trilhão de dólares, incluia um pagamento mensal de US$ 300 para a maioria das famílias com crianças e US $ 3,4 milhões para melhorar os benefícios do Medicare e regular os preços dos medicamentos. Também incluía o fim de impostos corporativos para o capital "verde" e nenhuma medida punitiva para os maiores emissores mundiais de gases de efeito estufa.

A lei incluía bilhões de dólares para estações de recarga de baterias, e até mesmo para "aumentar a competitividade das indústrias existentes, como aço, cimento e alumínio". O financiamento para o projeto de lei sobre mudanças climáticas - cerca de US$ 555 bilhões em 10 anos - não representou nem 1% do valor anual que a Agência Internacional de Energia Renovável considera necessário para alcançar uma transição completa e abandonar os combustíveis fósseis. Até o imposto sobre bilionários foi diluído em um aumento de impostos que nem sequer desfaz o corte de impostos que Trump havia feito.

A “responsabilidade fiscal” é uma mentira

A razão de Manchin para votar contra o projeto Build Back Better é supostamente a "responsabilidade fiscal", alegando sua preocupação com a dívida e a inflação nos EUA. Ele afirmou que não poderia explicar o projeto aos seus eleitores, então ele não poderia apoiá-lo.

Mas a verdade é que nem os democratas nem os republicanos se preocupam com gastos excessivos. Afinal, acabaram de votar um pacote de gastos militares de US$ 768 bilhões. O próprio Manchin votou para aumentar os gastos militares 11 vezes desde que foi eleito em 2010. O que esses políticos são realmente contra é gastar dinheiro com a classe trabalhadora e os pobres.

Manchin é inteiramente comprado por doadores bilionários, incluindo alguns que normalmente apoiam o Partido Republicano. De acordo com o jornal inglês The Guardian, ele recebeu US$ 1,5 milhão para fazer lobby contrário ao Build Back Better. O próprio Manchin é um barão do carvão que dirige um Maserati e passa seu tempo livre em iates de luxo enquanto é representante de um dos estados mais pobres do país. Embora ele diga que está preocupado em explicar seu voto aos seus apoiadores, o seu voto não tem nada a ver com seus eleitores.

Manchin disse aos seus colegas que se opunha a redução de impostos sobre aqueles com crianças porque os pais podiam gastar esse dinheiro com drogas. Ele também propôs que o benefício estivesse vinculado à situação de emprego dos pais, embora mais tarde tenha abandonado essa exigência. Enquanto os democratas demagogicamete afirmam o quanto isso é horrível, devemos lembrar que o programa de bem-estar do ex-presidente democrata Bill Clinton vinculou benefícios previdenciários aos requisitos de trabalho.

Não devemos confiar nos democratas

Grande parte da atenção da mídia se concentrou nas traições de Manchin e no fato de que ele é um obstáculo para os planos do governo Biden. Mas no que diz respeito a este projeto de lei, fica claro que Biden e o establishment do Partido Democrata não fizeram o todo o possível para passar o projeto. Certamente não se compara com a coesão, energia e força que eles colocaram para derrotar Bernie Sanders nas primárias ou desviar o movimento Black Lives Matter para as urnas, para dar apenas dois exemplos. Barack ou Michelle Obama, dois dos políticos mais populares do país, não foram vistos fazendo campanha para este projeto. Apenas Biden foi visto minimamente tentando apressar sua aprovação.

A verdade é que, assim que o projeto de lei de infraestrutura foi desvinculado do Build Back Better, sabíamos que Manchin poderia não aprová-lo, apesar das promessas de Biden. E esse era um risco político que Biden e os democratas estavam mais do que dispostos a correr quando os números de aprovação de Biden começaram a despencar; afinal, eles não estavam tão comprometidos com a licença familiar ou qualquer outra promessa progressista.

Nos últimos meses, Sanders e outros progressistas deram cobertura à esquerda para o projeto de lei reduzido, inclusive alegando que era "transformador", mesmo depois que todos os elementos transformadores já haviam sido removidos. Como diz a revista Jacobin: "Lembra quando alguns manifestantes remaram até o iate de Manchin para implorar a ele que apoiasse o projeto de lei Build Back Better? Isso foi mais pressão do que toda a máquina nacional do Partido Democrata e seus grupos de lobby em Washington estavam dispostos a colocar o senador da Virgínia Ocidental."

Isso não significa que o Partido Democrata seja incoerente. Embora possa haver diferentes alas do partido que querem coisas ligeiramente diferentes, no final, seu principal objetivo é a estabilidade e os lucros capitalistas. Por isso, o projeto atual mantém todos os benefícios para as empresas e poucas das promessas progressistas. E é por isso que eles são quase infalíveis quando se trata de cooptar movimentos sociais, mas de repente eles têm os dois s pés no freio quando se trata de passar qualquer pequena reforma que possa ajudar a classe trabalhadora, como a licença familiar ou um salário mínimo de US$ 15.

O sistema antidemocrático é culpado

Embora seja verdade que Manchin atua de acordo com o interesse das grandes empresas, focando excessivamente em seu papel no colapso do projeto de lei Build Back Better, levanta-se uma questão crucial: Por que um único senador conservador pode ditar os gastos sociais nos Estados Unidos pelos próximos 10 anos? Por que várias medidas que a maioria dos americanos apoiaram durante anos, como o salário mínimo de US$ 15, foram eliminadas para apaziguar um único cúmplice das empresas tentando proteger o direito dos capitalistas à destruição do planeta?

Este é um dos muitos "freios de emergência" que o sistema político americano construiu para garantir que os interesses capitalistas sejam priorizados em detrimento das necessidades prementes da grande maioria. O Senado é uma instituição antidemocrática que dá poder indevido aos elementos mais conservadores do aparato político dos EUA e coloca a vida dos trabalhadores e os oprimidos na forca. A Virgínia Ocidental tem a mesma representação no Senado que a Califórnia, embora tenha apenas 5% de sua população.

Mas não é só sobre Manchin. Por mais que Biden e o Partido Democrata insistam para milhões de pessoas que estão sentindo as consequências econômicas da pandemia a simplesmente terem fé no processo democrático, não há nada democrático em um sistema no qual 100 senadores decidam o que é melhor para as outras 330 milhões de pessoas que vivem nos Estados Unidos.

A maioria das pessoas apoia alguns dos elementos mais progressitas do plano original Build Back Better. O salário mínimo de 15 dólares tem mais de 62% de apoio em todo o país. Mais de 56% dos americanos apoiam o cancelamento da dívida estudantil. Mais de 52% apoiam a redução de impostos por filho. E estas são apenas as pesquisas oficiais que registram apoio às propostas totalmente insuficientes que o governo apresentou neste projeto de lei; muitas pessoas provavelmente apoiariam medidas mais amplas que ajudariam os trabalhadores e os pobres que sofrem anos de cortes salariais e programas sociais, ataques às condições de trabalho e demissões.

Mas os trabalhadores não podem votar em nenhuma dessas propostas. Eles simplesmente estão limitados a entre dois partidos políticos que farão negociações e, em última instância, diluirão qualquer projeto para torná-lo aceitável para os interesses capitalistas. Além disso, as leis de votação nos Estados Unidos impedem que uma parcela significativa da população – muitas vezes a mais vulnerável – participe mesmo nesse processo.

A "democracia" estadunidense dá aos políticos mais espaço para promover os interesses das grandes empresas, não para deixar a maioria da população participar do processo. Como as hesitações de Biden e do Partido Democrata sobre a questão do obstrucionismo, uma tática de obstrução parlamentar, e as ordens executivas demonstram, eles escolhem quando expandir a democracia e quando restringi-la. A única coisa que pode mudar o equilíbrio de forças são os milhões de trabalhadores cujas vidas estão em jogo. Temos que intervir para lutar por nossos interesses!

Lutar pelas mudanças urgentes que necessitamos

Alguns democratas já estão dizendo que a solução é "votar mais forte" em 2022 nas eleições intermediárias e em 2024 nas eleições presidenciais. Mas isso é exatamente o que os democratas fazem todas as vezes: grandes promessas para cooptar movimentos. Em seguida, eles fingem inaptidão, passam meses em debates no Congresso, lentamente baixam as expectativas, se apoiam nos aspectos mais antidemocráticos do sistema, e depois fazem fracassar o projeto de lei ou lançam um projeto que é uma sombra sobre o que era a proposta original, se é que se aprova alguma coisa. O povo estadunidense queria seguro de saúde universal e só tem o plano conhecido como Obamacare. As pessoas queriam uma faculdade grátis, o fim da dívida estudantil, uma saúde pública gratuita, um salário mínimo de 15 dólares... e não obtiveram nada.

Enquanto o membro da DSA Jamaal Bowman diz que "Biden é confiável, Manchin não é de todo", essa é precisamente a lição oposta que ele deveria tirar. Todas as promessas quebradas por Biden mostram que ele não é confiável. Com democratas e republicanos, a classe trabalhadora e os oprimidos estão prejudicados. Eles não pensam em nós, não importa quais promessas façam. Muitos trabalhadores em todo o país entram em greve e às vezes ganham, o que deixa claro que o caminho a seguir é a luta. E essa luta não deveria ser para o plano Build Black Better e todo o dinheiro que daria às empresas, mas para as mudanças reais que precisamos: assistência médica pública gratuita, um salário digno, aborto gratuito e muitas outras demandas. Nada será dado a nós. A única coisa que pode fazer mudanças profundas e reais na sociedade, é a única coisa que já fez isso: a luta.

 
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