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O trotskismo e a Segunda Guerra Mundial. Quem foi Martin Monath?
Nathaniel Flakin

As Edições IPS acabam de publicar na Argentina Martin Monath, um trotskista judeu entre soldados nazistas, de Nathaniel Flakin. Neste artigo o autor do livro retoma a vida do protagonista desta história e o porquê de ser necessário conhecê-la.

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Martin Monath foi um exemplo inspirador de internacionalismo revolucionário. Como um judeu berlinense vivendo na França ocupada, tentou ganhar soldados alemães para lutar contra o nazismo.

Arbeiter und Soldat é uma publicação incrível. Em 1943 e 1944, os trotskistas na França distribuíram secretamente o jornal aos soldados alemães. Chamavam aos “trabalhadores de uniforme” que formassem pequenas células e se unissem aos trabalhadores franceses para se prepararem para a revolução que se aproximava. “A decisão está nas suas mãos!”, poderia dizer uma manchete típica de um artigo daquele jornal.

Quem estava por trás do Arbeiter und Soldat? Até recentemente, os relatos biográficos apenas concordavam que seu líder era um judeu berlinense que se autodenominava "Viktor". No entanto, seu nome verdadeiro apareceu como Marcel Widelin, Martin Wittlin, Paul Wenteley, Wintley, Martin Monat e alguns outros.

Um necrológio de 1946 o descreveu assim: “O camarada Widelin entrou no movimento trabalhista com 15 anos de idade. Durante cinco anos, ele se dedicou à organização entre os jovens de Berlim. Depois que Hitler chegou ao poder, sob a cobertura de uma organização esportiva, continuou propagando incansavelmente o socialismo” [1].

Do sionismo...

Isso é parcialmente verdade. “Viktor” foi comunista ou socialista na adolescência. Martin Monath, – esse é o seu nome verdadeiro, que pôde ser estabelecido após muitas pesquisas – mais tarde foi o líder da organização da juventude sionista-socialista, Hashomer Hatzair (Jovem Guarda), em Berlim e na Alemanha no final dos anos vinte e início dos anos trinta.

Assim que os nazistas chegaram ao poder, esmagaram todas as organizações comunistas, social-democratas e sindicais. Mas eles não tinham certeza de como tratar os sionistas. Como recordava Rudolf Segall, companheiro de Monath na Hashomer Hatzair em Berlim:

Os grupos sionistas desfrutaram de um “apoio muito benevolente” dos nacional-socialistas [até 1937], porque foram eles que expulsaram os judeus da Alemanha. No início, os nazistas viram isso como algo bastante positivo. Havia um movimento organizado que encorajava a emigração para a Palestina.

Por esta razão, aos sionistas socialistas foi permitido continuar realizando alguma atividade política legal na Alemanha...mas esses ateus militantes tiveram que fingir que estavam estudando textos religiosos judaicos e não marxismo! Seu jornal, que era impresso em Varsóvia em hebraico, publicava até ensaios de Leon Trótski. A falta de conhecimento linguístico dos nazistas fez com que os escritos de Trótski pudessem ser legalmente distribuídos na Alemanha em língua hebraica.

Monath e seus camaradasa mudaram-se para uma fazenda na Dinamarca para o hakhshara, ou seja, a “preparação” para se tornarem colonos na Palestina. Monath nunca pôs os pés na terra sagrada, mas Segall e outros chegaram às costas da Palestina em 1936. Eles sonhavam com uma nova sociedade socialista para os judeus, mas foram rapidamente confrontados com as contradições do sionismo socialista. Por um lado, eles amavam a vida coletiva do kibutz. Mas, por outro lado, eles deveriam estar construindo o socialismo ao mesmo tempo em que expulsavam a população nativa. Como Segall lembrou,

Só podíamos sair para trabalhar [no campo] com guardas armados ou carregando armas nós mesmos. Cercamos o campo com fortificações (...) e depois do trabalho cada um de nós tinha que ficar de guarda umas duas ou três horas. Cada um de nós tinha uma granada nas mãos, um rifle por perto e esperávamos por possíveis ataques.

... ao trotskismo

Segall deixou seu kibutz junto com um grupo de internacionalistas. Entre eles, estava Jakob Moneta, que viera de Frankfurt para o mesmo kibutz. Eles se mudaram para a cidade mais próxima, Haifa, e se juntaram a um círculo trotskista, dirigido pelo judeu palestino Ygael Glückstein. Muitos ativistas deste círculo voltaram à Europa após a guerra, confiantes de que a revolução começaria lá. Segall e Moneta tornaram-se dirigentes do Grupo de Marxistas Internacionalistas (GIM) na Alemanha Ocidental [2]. Glückstein mudou-se para o Reino Unido e tornou-se líder do Partido Socialista dos Trabalhadores (SWP), sob o pseudônimo de Tony Cliff.

Monath, incapaz de encontrar uma alternativa política na capital nazista, parece ter abandonado a política por alguns anos. Somente quando ele fugiu para a Bélgica, em 1939, que ele se tornou um ativista novamente. Um ex-dirigente do Hashomer Hatzair em Bruxelas, chamado Abraham Léon, havia escrito um livro que consistia em uma exaustiva crítica marxista do sionismo, Concepção materialista da questão judaica. Armado com novas ideias, Léon logo se tornou o principal dirigente do partido trotskista clandestino na Bélgica e provavelmente conquistou Monath para a causa, embora, é claro, não haja registros disso.

Em todo o mundo havia uma competição entre sionistas de esquerda e trotskistas para conquistar jovens judeus que queriam lutar contra o antissemitismo. Não sabemos exatamente como Monath passou de um fluxo para outro na Bélgica, mas vamos ver o que aconteceu em Nova York, onde esses debates foram apresentados na imprensa legal.

Nazistas em Nova York

Em 20 de fevereiro de 1939, a Federação Germano-Americana, uma organização pró-nazista nos Estados Unidos, realizou um comício no Madison Square Garden em Nova York. Os judeus representavam quase 30% da população da cidade, mas nenhuma organização naquela comunidade convocou protestos contra os nazistas. Dois jornais publicados lá em iídiche, a língua falada pelos judeus do Leste Europeu - que constituíam a maioria dos judeus residentes nos Estados Unidos - aconselharam seus leitores a ficarem longe da área do comício. O Comitê Judaico Americano inclusive apoiou o direito dos nazistas à liberdade de expressão.

Somente os trotskistas do Partido Socialista dos Trabalhadores (SWP) dos Estados Unidos tiveram a iniciativa de organizar uma marcha contra o ato convocado pelos nazistas. Antes da contramanifestação, uma delegação da organização de juventude do SWP visitou os escritórios locais de Hashomer Hatzair no Lower East Side. Lá eles ouviram: “Sinto muito, mas não podemos nos juntar a vocês. Como sionistas, não participamos da política fora da Palestina”. O SWP respondeu com uma chamada para “Acabar com as ilusões sionistas”. Considerou que o sionismo era “uma forma criminosa de perder a energia, as capacidades e os corações de milhões de homens, mulheres, meninos e meninas judias, sem mencionar o enorme gasto de centenas de milhões de dólares gastos como projeto”.

Os trotskistas declararam que:

É uma tarefa imediata do nosso partido fazer com que esses meninos e meninas se juntem logo às nossas iniciativas, para que o povo judeu se conscientize de que a luta contra o antissemitismo, que é a luta contra o fascismo, é aqui e agora, e todos os verdadeiros lutadores contra o fascismo têm que estar nas fileiras do Partido Socialista dos Trabalhadores!

Em 20 de fevereiro, cerca de 22.000 pessoas participaram do comício nazista. Sob a bandeira das listras e das estrelas e a bandeira da suástica, o Bundesführer (o líder nacional da Federação Germano-Americana) Fritz Kuhn criticou “Frank D. Rosenfeld” (buscando judaizar o sobrenome de Franklin D. Roosevelt) e seu “Jew Deal” (um jogo de palavras, como se falasse de um New Deal judaico), todas as quais seriam parte de uma conspiração judaico-bolchevique. No palco, guardas de uniformes estilo SA ficaram em posição de sentido na frente de um enorme retrato de George Washington. No entanto, do lado de fora do estádio haviam se reunido entre 50.000 e 80.000 antifascistas. A maioria eram judeus, mas também havia apoiadores do nacionalista negro Marcus Garvey e militantes de base do Partido Comunista. Por cinco horas, houve batalhas de rua em torno do Madison Square Garden. Apenas a polícia montada pôde proteger o ato nazista. Este protesto foi organizado pelos trotskistas de Nova York.

Esta cena ilustra o contraste político entre sionismo e trotskismo. Em 1939, o extermínio dos judeus europeus já havia começado. O sionismo, mesmo em sua variante mais esquerdista, tinha apenas uma resposta: a aliyah, isto é, emigração para a Palestina. No entanto, devido às restrições impostas pelas autoridades coloniais britânicas que governavam a Palestina, a emigração ocorria por conta gotas. Para os milhões de judeus perseguidos e diretamente ameaçados pelo fascismo alemão, a Palestina não era uma opção. O que fazer? Jovens judeus em todo o mundo ansiavam por lutar contra Hitler. A Quarta Internacional os oferecia uma estrutura mundial e, acima de tudo, um programa político. Esta oferta foi aceita em Bruxelas, Haifa e Nova York.

Contra o stalinismo

Moshe Machover disse que Hashomer Hatzair é uma organização jovem sionista que por várias gerações serviu, sem saber, como uma “correia de transmissão antissionismo”. O próprio camarada Machover foi expulso de Hashomer Hatzair em 1952, depois ingressou no Partido Comunista de Israel, antes de fundar a nova organização de esquerda israelense, Matzpen, em 1962. A lista de ex-militantes de Hashomer Hatzair nas fileiras do trotskismo é muito longa.

Por que esses e tantos outros jovens revolucionários judeus do final dos anos de 1930 não aderiram ao movimento comunista “oficial”? Mais do que um o fez, é claro. Mas muitos outros ficaram horrorizados com o crescimento do antissemitismo no primeiro estado operário do mundo. Argumentos antijudaicos foram usados nos Processos de Moscou para justificar a execução de numerosos bolcheviques proeminentes da época da Revolução de Outubro.

Monath, por exemplo, leu o livro Moscou, 1937, do autor alemão Lion Feuchtwanger. Como tantos outros “amigos da União Soviética”, esse romancista nunca mostrou qualquer interesse pela Revolução Russa ou pelo movimento comunista que surgiu dela. No entanto, uma vez que o regime de Stalin estava firmemente estabelecido, Feuchtwanger tornou-se um defensor ferrenho. Monath considerou as desculpas do autor pela farsa dos Julgamentos de Moscou “horríveis” e obteve uma cópia da recém publicada Revolução Traída, de Trótski. Abraham Léon parece ter passado por uma experiência semelhante.

E, à medida que a Europa mergulhava na guerra, as diferenças entre o stalinismo e o trotskismo tornavam-se cada vez mais pronunciadas. Stálin estava aliado a Hitler quando os nazistas invadiram a Polônia. Como resultado, os partidos comunistas do Ocidente – mesmo aqueles que foram forçados a passar à clandestinidade devido à invasão nazista – concentraram seu fogo contra o imperialismo britânico e francês como os principais inimigos da paz.

Somente a invasão surpresa da URSS pelos nazistas, quase dois anos depois [3] Agora, a União Soviética estava imersa em uma “grande guerra patriótica”. Os stalinistas na França tornaram-se “patriotas”: aliaram-se ao governo burguês no exílio de Charles de Gaulle e proclamaram: “Todos unidos contra os boches”! [4]

Patriotismo Stalinista

Na própria União Soviética, onde os stalinistas trabalharam com um grande e crescente número de prisioneiros de guerra alemães, tomaram por garantido que o soldado alemão era tão firmemente obediente que só romperia com o regime de Hitler se seus oficiais o fizessem primeiro. Por esta razão, eles fundaram um “Comitê Nacional por uma Alemanha Livre” (NKFD) e uma “Liga dos Oficiais Alemães” (BDO) com um programa completamente burguês feito sob medida para os generais da Wehrmacht. Os stalinistas renunciaram a qualquer objetivo socialista: a Alemanha “livre” que eles almejavam deveria ser dirigida por funcionários monarquistas. O NKFD até rejeitou as cores da bandeira republicana alemã: preto, vermelho e dourado; em vez disso, usava as cores da velha bandeira imperial (que também eram as cores da bandeira nazista): preto, branco e vermelho.

Em relação aos soldados, os trotskistas tinham a hipótese oposta: apesar de sua educação, a maioria dos soldados alemães eram jovens da classe trabalhadora. Apesar da repressão, as tradições comunistas, social-democratas e sindicais continuaram existindo na clandestinidade. Podia-se ir diretamente aos soldados e incitá-los contra seus oficiais aristocráticos e fascistas, ainda mais quando se tornava cada vez mais evidente que uma vitória do Eixo era impossível. É por isso que os trotskistas se opuseram a todas as formas de chauvinismo antialemão e proclamaram: “Todos unidos, alemães e franceses, contra os nazistas! Todos unidos contra os chauvinistas de todas as cores, os piores inimigos da classe trabalhadora!”

Assim, embora os stalinistas na França tinham um travail allemande (trabalho alemão), o objetivo era assassinar soldados individualmente ou convencê-los a jogar as armas no chão e se render. O jornal Arbeiter und Soldat, por outro lado, queria que os soldados guardassem suas armas e se preparassem para usá-las nas próximas lutas revolucionárias. Em um necrológio de Monath, George Breitman escreveu o seguinte:

Era muito mais fácil cravar uma faca nas costelas de um soldado alemão em uma noite escura do que encontrar o mesmo alemão durante o dia, ganhar sua confiança e alistá-lo nas fileiras dos lutadores revolucionários contra o fascismo. Mas, por mais difícil que fosse esse trabalho, Widelin [isto é, Monath] o realizou com êxito crescente [5].

Começa o trabalho

O trabalho de confraternização dos trotskistas começou com Robert Cruau, um carteiro de 23 anos da cidade francesa de Brest. Ele falava um pouco de alemão e conheceu um jovem soldado, cujo pai havia sido um dirigente comunista. Logo eles começaram a escrever um boletim informativo para soldados alemães: o Zeitung für Soldat und Arbeiter im Westen (Jornal para o soldado e trabalhador no Ocidente). Alguns fragmentos foram preservados, traduzidos pela primeira vez para o espanhol no apêndice do meu livro, Martin Monath, um trotskista judeu entre soldados nazistas, entre as páginas 179 e 181. Apesar do enorme entusiasmo de seus autores, não foi uma boa publicação. Não é de surpreender que os trotskistas franceses chamaram então uma camarada de língua nativa alemã para assumir. Monath mudou-se de Bruxelas para Paris, e assim nasceu o Arbeiter und Soldat.

Este jornal não chegou a cumprir um papel decisivo no curso da guerra. Arbeiter und Soldat foi distribuído em dezenas de milhares de cópias para guarnições alemãs em toda a Europa. Várias dezenas de soldados juntaram-se aos “comitês de soldados”; a Gestapo executou cerca de 17 deles em outubro de 1943. Mas este pequeno exemplo mostra o que poderia ter sido feito se os “comunistas oficiais” tivessem tentado realizar o tipo de trabalho de fraternização revolucionária que desempenhou um papel tão importante no fim da Primeira Guerra Mundial e logo foi defender o Estado operário na Rússia. Na medida em que o governo dos Estados Unidos tenta hoje usar o exército contra os manifestantes, as experiências de trabalho socialista revolucionário dentro dos exércitos burgueses vão se tornar cada vez mais importantes.

Em uma época em que os defensores da ordem mundial imperialista tentam desacreditar todos os que se opõem a eles como “antissemitas”, não podemos esquecer as tradições revolucionárias de gerações de trabalhadores judeus. Enquanto a sociedade israelense caminha cada vez mais no caminho do apartheid puro e simples e do fanatismo, sem dúvida continuarão a surgir jovens que romperão com o sionismo e se tornarão marxistas revolucionários. No futuro, certamente veremos mais figuras como Martin Monath.

 
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