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Eleições no Chile
Qual o significado do apoio de Bachelet a Boric?
Ignacio Parra

Uma das leituras após o debate presidencial das eleições chilenas na segunda-feira (13/12) foi que havia vencido a velha tradição política dos últimos 30 anos neoliberais, em alusão às guinadas ao centro que Boric e Kast fizeram. Ambos reivindicaram o papel da ex-Concertación (coalizão do Partido Socialista e da Democracia Cristã, junto a outras organizações, com um programa burguês) e no caso de Boric, o governo Bachelet, que finalmente declarou seu apoio na terça-feira através de um vídeo. O que implica o giro para o centro do programa de Boric e a reivindicação explícita do legado da Concertación?

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Menos de uma semana antes do segundo turno presidencial onde Boric e Kast se enfrentarão, Michelle Bachelet fez um vídeo chamando o voto em Boric. O apoio da atual Alta Comissária dos Direitos Humanos na ONU foi um dos marcos mais importantes da campanha para a coligação Apruebo Dignidad devido à alta popularidade de Bachelet. Embora esse apoio tenha sido dado como certo, tem implicações mais profundas após o debate de segunda-feira, onde Boric confirmou o seu giro “ao centro político" (neoliberal) reivindicando explicitamente o papel da Concertación.

Não é apenas uma guinada oportunista para obter votos, mas uma linha consciente de redução do programa e das expectativas, uma espécie de "realismo sem renúncia" mas antes de ser governo. A frase faz referência a política inaugurada por Bachelet em seu segundo mandato, no qual as reformas que realizou perderam profundidade. Boric vem modificando seu programa em direção ao centro, diminuindo a profundidade das reformas que propôs e incorporando acadêmicos da Concertación com centro na parte econômica. Acadêmicos que se dedicaram à gestão do neoliberalismo no Chile e que, como parte dessa trajetória, se comprometeram com dois aspectos-chave para o próximo ano: i) Garantir o respeito ao orçamento de ajuste apresentado por Piñera, e ii) Respeitar a chamada "responsabilidade fiscal".

Esses compromissos mostram que a estratégia de Boric e da Apruebo Dignidad será se subordinar à configuração do parlamento, e usar essa situação como justificativa para rebaixar suas propostas de reformas. Se no início a coligação Apruebo Dignidad se auto apresentava como uma coalizão antiliberal e com um programa para responder às demandas da rebelião de outubro de 2019, hoje o programa de Boric se propõe a fazer algumas mínimas "transformações" que não alteram o papel subsidiário do Estado e que manterão vários dos pilares do neoliberalismo. Inclusive, Boric, o candidato da coalizão argumentou que a eliminação do sistema de previdência privada não era algo estritamente necessário, ou seja, poderia até manter a previdência privada, odiada pela população e criada por José Piñera na ditadura.

O que implicou o realismo sem renúncia de Bachelet?

Em poucas linhas não podemos fazer uma análise exaustiva das reformas do segundo governo de Bachelet, mas podemos definir que foi o primeiro governo da transição onde a classe dominante teve uma política para responder (em essência neoliberal) às demandas "das ruas". Tratava-se de responder às mobilizações maciças contra o modelo de educação de mercado, mobilizações lideradas pelos jovens secundaristas (2006) e universitários (2011). Assim como as mobilizações dos setores do movimento operário, como os terceirizados do setor do cobre (2007), os portuários (2013), os professores (2015), além da mobilização contra a odiada presidência privada (2016).

Assim, Bachelet promoveu uma reforma tributária que negociou com a associação de Bancos e grandes empresas. A partir dessa negociação surgiu o conceito de "cozinha" para definir negociações a portas fechadas, uma vez que a reforma foi acordada na cozinha do presidente da Associação dos Bancos. No caso da Reforma Trabalhista, em muitos casos limitou o direito à greve com os chamados "serviços mínimos" e, na prática, não acabou com vários dos aspectos fundamentais do Código de Trabalho da ditadura (na verdade, o Livro III desse código não foi tocado). No caso da reforma educacional, embora a "bolsa gratuidade" tenha sido estabelecida, concedendo recursos para que milhares pudessem estudar sem pagar, o subsídio à demanda não foi encerrado e a reforma acabou concedendo subsídios milionários a pessoas físicas. No caso dos Serviços Municipais de Educação, foi feita uma meia municipalização e novos ataques foram aprovados, como a dupla avaliação dos professores.

Sem tocar nos pilares do modelo

No caso do candidato da Apruebo, Boric, as medidas apresentadas na semana passada nos documentos do "Acordo de implementação programática" escritos em conjunto com os comandos de Yasna Provoste (Democracia Cristã) e Marco Enríquez-Ominami e "Um crescimento sustentável e equitativo para o curto e médio prazo" escrito pelos economistas da Concertación mostram claramente os limites das reformas mais importantes propostas em seu programa: Tributária, Previdência e Saúde.

Além do fato de que as reformas originais propostas já eram limitadas, por exemplo, não se propunha a tocar no lucro das grandes empresas transnacionais e nacionais que exploram o cobre e levam bilhões de dólares para o exterior, uma das grandes riquezas nacionais que são dadas a essas empresas. No caso da reforma tributária, a medida mais importante é eliminar isenções e medidas contra a evasão, ou seja, basta tocar no que os empresários evitam pagar e eliminar os royalties milionários que vários setores empresariais têm com as isenções.

O programa de Boric não responde às urgências sociais da classe trabalhadora e dos setores populares, muito menos às demandas expressas na rebelião. Por isso, é preciso fortalecer uma alternativa dos trabalhadores, com um programa que confronte Kast, a direita e todos os partidos do regime dos 30 anos e fortaleça a auto-organização e a mobilização para conquistar as demandas pelas quais lutamos e enterrar definitivamente o legado da ditadura, na perspectiva de um governo dos trabalhadores.

Um programa que parta do aumento geral dos salários, por um trabalho genuíno sem precariedade, por educação e saúde pública de qualidade a serviço do povo, pelo fim do sistema de previdência privada, um salário e uma pensão mínima de 600 mil pesos que automaticamente se ajustem à inflação, por moradia digna para todos pondo fim aos negócios de bancos e imóveis. Pela liberdade dos presos políticos, o julgamento e a punição dos repressores, pela a dissolução da polícia. Por extensas campanhas pela desmilitarização do Wallmapu e, finalmente, pelo retorno das terras ancestrais ao povo mapuche. Pelos direitos das mulheres, como aborto legal, seguro e gratuito. Lutar para acabar com o saque de recursos, nacionalizar a água, o cobre, o lítio sob a gestão dos trabalhadores e das comunidades, e recuperar as empresas privatizadas de gás e eletricidade, a um preço de custo para os usuários, e colocar esses recursos a serviço das necessidades sociais e não do lucro.

 
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