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Autoritarismo
Rechaçar o autoritarismo da PF sem prestar qualquer apoio político a Ciro Gomes
Redação

Com a operação tendo sido deflagrada na manhã desta quarta-feira (15/12), se trata na verdade da continuação de um inquérito aberto em 2017 para investigar supostos esquemas de corrupção na construção da Arena Castelão no estado do Ceará, envolvendo Ciro e Cid Gomes, além de outras 12 pessoas. Mas a questão que não quer calar é: qual o motivo de, após anos do processo parado, terem retomado com uma operação de busca e apreensão sem qualquer notificação ou intimação para depoimento pelos investigados?

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Imagens: Reprodução
Edição: Esquerda Diário

Para quem está familiarizado com a política brasileira certamente não se espanta com fatos deste tipo, já que a Polícia Federal tem sido utilizada enquanto um instrumento da política tanto quanto qualquer outra instituição. Estamos falando de uma polícia subordinada ao poder do Executivo, em última instância ao próprio presidente da República, e que desde sua fundação - que remonta os anos de ditadura do Estado Novo na era Vargas, mais precisamente 1944 - tem uma atribuição particularmente política na dinâmica social do país, inclusive no marco das disputas intra-burguesas que vemos se intensificar, frente ao aprofundamento da crise orgânica no país e das eleições de 2022.

O inquérito em questão, aberto em 2017, tem como “objetivo” apurar relações de favorecimento na licitação em torno da reforma da Arena Castelão para a Copa do Mundo de 2014, sediada no Brasil. Durante a gestão do então governador do Ceará, Cid Gomes, a licitação foi concedida à empresa Galvão Engenharia. A questão é que o contexto político que envolve a abertura do inquérito, um ano após o golpe institucional de 2016 e que marcou também um salto de qualidade na intervenção política do judiciário dentro do regime, revela pistas das intenções políticas mais de fundo da operação, e ajudam a delinear hipóteses das razões de sua retomada, e também de quem estaria por trás do movimento.

Veja também: Ciro Gomes é um dos alvos de investigação sobre desvio em obras do estádio Castelão no Ceará

A Polícia Federal como braço armado da operação Lava-Jato

Desde 2016, com o golpe institucional, a Polícia Federal tem sido utilizada como o braço armado de um movimento político que, com a interferência direta do imperialismo estadunidense, se desenvolveu no seio do judiciário burguês brasileiro: A operação “Lava-Jato” que foi encabeçada por juízes e promotores de instâncias e varas totalmente secundárias na estrutura de poder judiciário, mas que na época - onde era preciso um acordão com o Supremo e todo mundo, para retirar Dilma da presidência a fim de aprofundar os ajustes neoliberais levados até então pelo PT - contou com o apoio e a proteção do STF de conjunto, e tendo verdadeiros entusiastas como o caso do Ministro Fux.

A operação foi um claro movimento do imperialismo dos EUA para desestabilizar a política brasileira, com um método de agir por dentro dos poderes judiciários e policiais de países na América latina e, com métodos arbitrários, dirigir os rumos da política para um favorecimento cada vez maior dos interesses ianques, em detrimento da influência de outras potências em seu “pátio traseiro latino americano”. Aliás, foi assim que surgiu Sérgio Moro, uma espécie de "herói" da pauta anticorrupção, treinado diretamente pelo Departamento de Estado e pelos agentes de segurança do Pentágono em Washington. O fato de ser a polícia que exerce com exclusividade as funções de polícia judiciária da União também colaboraram para o nível de ingerência política da instituição, conforme aumentava a ingerência política do Judiciário de conjunto no projeto de país da burguesia.

Em 2018 vimos um novo salto de qualidade, com as investigações se voltando contra o ex-presidente Lula, e sem qualquer tipo de prova que levou à condenação - com o aval do STF - e a retirada do petista do pleito eleitoral. Um aprofundamento do golpe institucional e também da radicalização da burguesia, é neste contexto de manipulação descarada das eleições (já que Lula era o favorito nas intenções de voto de longe) que Moro logo passa a integrar a chapa de Bolsonaro, no “superministério” da Justiça. A intenção de início era generalizar os métodos persecutórios da Lava-Jato e provocar uma alteração no regime político, onde o Executivo não estaria mais refém do presidencialismo de coalizão, e se utilizaria de métodos coercitivos da pauta “anticorrupção” para avançar em seu projeto.

Entretanto houve uma inflexão importante ainda neste ano de 2021, e um movimento consciente do regime de tentar “deixar no passado” este momento político, talvez acreditando que assim “se faria justiça” no imaginário popular, ao verem as condenações de Moro e da Lava-Jato contra Lula serem anuladas pelo próprio STF - que até então sustentava sua prisão. Lula foi reabilitado no jogo e os lavajatistas sofreram um duro golpe, mas ao que tudo indicam ainda existem enquanto força política no regime e buscam uma rearticulação de forças dentro da fragmentação burguesa e da dificuldade de um projeto “puro-sangue” da burguesia e do imperialismo dos EUA.

As disputas em torno da PF e hipóteses sobre a relação Lava-Jato e eleições de 2022

Bom, mas poderiam argumentar alguns que a Lava-Jato está “morta” depois da reabilitação política de Lula por parte do regime, enquanto uma manobra para ter uma espécie de “carta na manga”, visando canalizar o descontentamento social para a via das eleições de forma pacífica. Bom, mesmo com este movimento preparatório para remediar as feridas sociais da crise capitalista com a conciliação de classes petista, a declaração de um delegado da PF sobre o caso Ciro e Cid Gomes é ilustrativa do contexto atual, disse ele para a coluna de Bela Megale para O Globo: “Esse modelo ‘lava-jatista’ de fazer um barulho enorme, desgastar a imagem da pessoa para depois ver se acha alguma prova tem prejudicado a imagem da PF”. A operação parece ter gerado desconforto na cúpula da Polícia Federal e está longe de ser uma decisão com unanimidade na corporação.

A verdade é que há hoje uma disputa em curso sobre os rumos da instituição, mais exatamente entre o setor que se mantém aliado à figura de Sérgio Moro e aqueles que se alinharam com o projeto bolsonarista. O controle político efetivo da PF é um elemento crucial na dinâmica política e social do Brasil, desde sua criação até os dias de hoje, pelo fato da hierarquia e da cadeia de comando das forças policiais ser regionalizada, isto é, cada governador tem o controle político de comando do aparato militar policial, no caso as polícias estaduais. Esta estrutura é a expressão da formação política de um país com oligarquias regionais fortes, uma herança do passado colonial e escravista do Brasil, e que se converteram em linhagens de poder que perduram até os dias de hoje, e que tem como expressão política o conhecido “coronelismo”. Ainda mais em um momento de fragmentação política da burguesia, onde cada elite regional disputa o poder por fora da perspectiva de constituir uma maioria burguesa sólida, um controle rígido dos rumos da Polícia Federal é de grande importância para qualquer presidente que busque estabelecer uma correlação de forças mais favorável de projeto nacional, frente a eventuais divergências com forças regionais poderosas (lembremos das tentativas de motim policial incitadas pelo bolsonarismo, visando enfraquecer a cadeia de comando militar policial em estados opositores).

A disputa chegou ao ponto de Moro denunciar intervenção política na PF, o que para a ampla maioria das pessoas está mais do que óbvio, já que Bolsonaro mexeu na superintendência da PF do Rio de Janeiro para evitar que investigações fossem fundo demais no tocante aos escandalos da rachadinhas e também da investigação pelo assassinato da Marielle Franco. Ciro Gomes acusou Bolsonaro de estar por trás da deflagração da operação, uma hipótese que não seria estranha, mas existem ainda outros interessados em desgastar sua figura com os métodos da Lava-Jato. Sem contar que o filho mais novo de Bolsonaro foi intimado a depor na PF em um processo de tráfico de influência onde teria agido para beneficiar sua própria empresa com intermédio de forças públicas do Executivo, o que demonstra que não se trata de um movimento unilateral de avanço do autoritarismo judiciário. De qualquer forma, é importante manter em aberto a possibilidade de uma ação, ainda que com métodos “lavajatistas”, encabeçada por um setor bolsonarista dentro da PF na tentativa de silenciar um opositor (certamente não seria a primeira vez, já que entulhos autoritários como a própria Lei de Segurança Nacional e métodos de censura e perseguição tem sido recorrentemente utilizados por Bolsonaro e seus aliados).

Um elemento importante na equação é o fato de Moro ter se filiado recentemente ao Podemos e se postular como candidato da dita “terceira via”, um movimento desesperado de setores da burguesia para emplacar uma candidatura de alternativa à polarização política entre Lula e Bolsonaro para as eleições de 2022. A questão é que Moro, apesar de até agora ser o candidato com maior intenção de votos da terceira via, ainda disputa com outras figuras importantes - entre elas o próprio Ciro Gomes do PDT. Sendo assim, não seria impossível que tal ação fosse deflagrada por setores aliados de Moro dentro da PF, com a intenção de desgastar Ciro e cavar um espaço “lavajatista” em sua base de apoio para alavancar a pré-candidatura de Moro à presidência.

Mas para além das hipóteses e conjecturas, a verdade é que devemos rechaçar fortemente as incursões autoritárias da PF no regime político, um elemento de degradação das instituições que são utilizadas como instrumento de perseguição. Fazemos esta denúncia sem prestar qualquer tipo de apoio político a Ciro Gomes, mesma postura política que tivemos em relação a Lula - que batalhamos contra todas as suas acusações e condenações arbitrárias. Fazemos isso justamente por entendermos que, mesmo que se voltem eventualmente contra certos políticos e empresários que consideremos adversários políticos, a utilização destes métodos de perseguição política fortalecem agentes e instituições da burguesia que, sempre mostram sua verdadeira face na corriqueira utilização destes métodos para reprimir e coagir os trabalhadores e os setores de esquerda que se colocam em luta contra as estruturas do regime político, toda obra econômica do golpe de 2016 e seus ataques capitalistas nefastos.

 
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