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Debate
A crise existencial da Resistência-PSOL diante da chapa Lula-Alckmin
Vitória Camargo

Nesta semana, as perspectivas de aliança entre Lula e Alckmin para uma chapa presidencial ganharam novos contornos. Diante disso, a Resistência-PSOL, que foi parte da majoritária desse partido no último congresso defendendo avançar na subordinação do PSOL ao PT e a Lula, contrária até mesmo à candidatura própria do PSOL no primeiro turno, busca agora encontrar caminhos para seguir sustentando sua suposta política de “Frente de Esquerda” com um Alckmin em cena, que escancara a conciliação de classes lulista e as crises nos rumos estratégicos do PSOL e dessa corrente.

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Após Lula ter dito, em viagem pela Europa, que não havia nada que tivesse acontecido entre ele e Alckmin que não pudesse ser reconciliado, elogiando o ex-tucano como governador de São Paulo “responsável”, agora as centrais Força Sindical, UGT, Nova Central e CTB convocaram Alckmin para uma conversa em prol dessa aliança, sobre a qual ele diz “considerar a hipótese federal”. Lula assume estar conversando com Alckmin, a se avaliar, pois quer “uma chapa para ganhar as eleições”, como declarou.

Alckmin era a opção mais consensual da burguesia em 2018, em retribuição aos serviços prestados pelo PSDB na sustentação ao golpe institucional e às reformas. O próprio golpista Temer admitiu que Alckmin teria cumprido um grande papel na articulação de reformas como a escravista Reforma Trabalhista e o Teto dos Gastos. Além disso, a única “responsabilidade” que Alckmin teve quando governou São Paulo por mais de 10 anos, foi com a burguesia, ao contrário do que diz Lula. O tucano possui um longo histórico de ataques à educação pública estadual em São Paulo, inimigo dos professores e estudantes, que fizeram inúmeras greves e ocupações de escolas contra ele. Sempre representou a repressão a movimentos sociais, a Junho de 2013 (junto a Haddad) e defendeu privatizações. Logo, não é difícil provar o óbvio, trata-se de uma figura nefasta para os interesses da classe trabalhadora e da juventude no Brasil e uma grande sinalização de Lula à burguesia, na contramão de qualquer combate sério ao projeto da extrema direita e do golpe, já que Alckmin inclusive apoiou Bolsonaro em 2018. Com Lula com possibilidades de vitória até mesmo no primeiro turno, não se trata de ganhar as eleições, como diz, mas de explicitar qual projeto de país e para quem pretende governar. Na prática, já se trata de uma reedição da “Carta ao povo brasileiro”, só que agora através de uma figura com essas características, talvez a mais orgânica que a burguesia possa ter neste momento de crise do regime.

Ainda assim, embora Alckmin com Lula seja uma possibilidade que cause certo estranhamento para todos que foram acostumados aos anos de polarização entre PT e PSDB no regime de 88 e viram o petismo acusá-lo há pouco quase como fascista, não deveria ser surpresa para ninguém, ainda mais para setores ditos marxistas, que Lula cogite nomes como esse. José de Alencar do PL (ex-Arena), como seu vice em 2002, já foi um movimento nesse sentido, ainda que existam diferenças entre ele e o tucano. Mas a Resistência finge surpresa, analisando: “sinaliza, indisfarçavelmente, uma estratégia Lula ‘paz e amor’ contra Bolsonaro ‘rosto pintado pra a guerra’, portanto, um ‘giro ao centro’. A premissa desta tática eleitoral é que Lula não pode vencer como candidato de esquerda. (...) O ‘giro ao centro’ antecipa para o primeiro turno, mesmo se não houver coligação formal com partidos que, historicamente, são a representação da classe dominante, uma aliança com a ‘sombra’ da burguesia.” .

Mesmo que a aliança com Alckmin não se concretize e não se saiba até onde o petista possa ir efetivamente para se mostrar como alternativa viável para administrar o capitalismo brasileiro em crise, a aliança de Lula com a burguesia, em particular com setores que foram a cara do golpe, evidentemente não é de hoje, e nesse caso está longe de ser só com a sua “sombra”. Que Lula fará uma campanha perdoando os setores que articularam e levaram adiante o golpe de 2016 e sua prisão arbitrária já está anunciado há meses, desde que saiu da prisão, em seguida contando com articulações com figuras como Sarney e Kassab. Que Lula pretenda manter intocada a obra econômica do golpe, da qual Alckmin é representante, também já está anunciado há meses, inclusive com Lula dizendo que poderia abrir a Caixa Econômica Federal para capital misto em entrevista, avançando com processo de privatização - proposta que Alckmin, em 2018, declarou estar estudando em debate televisivo e agora se torna mais palpável para a burguesia. E que Lula possua uma estratégia “paz e amor”, isso está provado há mais de duas décadas, com o PT administrando o capitalismo brasileiro, abrindo espaço para setores reacionários como as Igrejas fundamentalistas, o agronegócio e os militares e não resistindo com luta ao golpe. Essa estratégia “paz e amor” é outro nome para a velha conciliação de classes, uma variante que existe na política há mais de um século, e não deveria ser desconhecida da Resistência. Assim, essa aliança seria uma “surpresa” ou “giro” somente para aqueles que vêm denominando o apoio à conciliação do PT de Frente de Esquerda, semeando ilusão em amplos setores, e chamando Lula até mesmo a plataformas para debater um programa anticapitalista, o que é o mesmo que chamar um peixe a subir em árvore.

A questão é que não se trata nem de surpresa nem desconhecimento, e sim de subordinação e algo como uma crise existencial, o que fica evidente no nonsense vídeo de Sílvia Ferraro sobre Alckmin declarando, ainda assim, que Lula é a salvação do povo brasileiro. Agora, para seguir com sua política, a Resistência talvez tenha de defendê-la com outro nome, que não “de esquerda”, como de fato não é. Arcary, teórico do oportunismo eleitoralista da Resistência, sustenta que essa aliança entre Lula e Alckmin seria “uma variação ainda mais perigosa da tática da Frente Ampla”, uma vez que “significaria que, além do programa, se renunciaria, à partida, a uma candidatura com perfil de esquerda”. Mas, afinal, não foi isso o que apoiou a Resistência de antemão em sua posição tática de não lançar candidatura própria nem no primeiro turno, em prol de uma variante aberta de conciliação de classes? Dando continuidade ao raciocínio, Arcary sustenta: “O argumento mais forte é que ‘contra Bolsonaro, vale tudo’. A premissa é que, se a esquerda renunciar a um programa de reformas estruturais, para defender o ‘regime democrático’, teria mais chances de derrotar Bolsonaro. Acontece que a aritmética não é a melhor bússola na luta política. Disputa eleitoral é luta de classes”. Não é de se espantar que, para Arcary, o terreno eleitoral e a luta de classes sejam sinônimos, já que a Resistência é parte dos que vieram colaborando para a estratégia de que todas as lutas sejam instrumentalizadas em prol dos interesses eleitorais de Lula em 2022, com as burocracias sindicais. Ao mesmo tempo, esse discurso de que “contra Bolsonaro, vale tudo” é justamente o que veio mobilizando essa corrente para justificar seu apoio cada vez mais aberto a Lula e ao PT e seu rol de alianças com vários setores da direita desde o início, a um ano das eleições. Uma pergunta que continua rondando é: a Resistência se prepara para entrar no PT?

Mas uma das questões mais chamativas é que a Resistência se recusa a entrar em qualquer debate programático claro, porque isso também significaria se comprometer com uma “exigência” a Lula que sabe que não pode assumir com credibilidade. As frases vazias e genéricas lhe servem mais. Contra Alckmin, propõem uma mulher negra e feminista como vice de Lula, mas sem nenhuma demarcação programática, no máximo uma “candidatura popular contra a barbárie neofascista e de ruptura com o neoliberalismo”. Pois bem, além do fato chocante de ignorarem que o PT também geriu seus governos mantendo a obra neoliberal, o tripé macroeconômico do FHC, triplicando a terceirização, nos anos 2000, implementando uma reforma da previdência; agora, em outro momento econômico, não há nada que indique que romper com o neoliberalismo seja seu objetivo, em uma crise muito mais profunda, quando nos estados que governa também aprova e implementa reformas, como as da Previdência. Mas, além disso, qualquer marxista sério no Brasil sabe que não é possível arrancar “reformas estruturais” sem enfrentar a burguesia imperialista, sem deixar de pagar a dívida pública, combater o agronegócio… Arcary chega ao ponto de defender um “programa de transição” a Lula, sem explicar transitando de que a que - ao anticapitalismo, com um programa que agrade Alckmin? Portanto, como defender uma “candidatura popular” em base somente a frases genéricas?

A Resistência vem escolhendo o caminho de “conselhos amigáveis” entusiastas a Lula e ao PT, iludindo as massas mais uma vez, quando esse partido vem escancarando seu projeto. Chega a admitir o que sabemos, que, com Alckmin ou sem Alckmin, estarão em apoio desde o primeiro turno. Mas, no caso da oposição no Congresso do PSOL, encabeçada pelo MES, ainda que taticamente seja minimamente correto para não se diluir por completo defender candidatura própria no primeiro turno, é evidente que o que chama de “independência de classe” e “programa anticapitalista”, com Glauber Braga, não passa de um programa neodesenvolvimentista, em combate unicamente ao rentismo, sem uma estratégia ancorada em desenvolver a luta de classes em combate às burocracias sindicais. Sobre isso, abordamos em outro artigo um contraponto entre o programa de independência de classes defendido pela FIT-U na Argentina e o frágil manifesto de Glauber Braga “contra o rentismo”.

Como conclusão é preciso dizer que o PSOL em sua maioria está, evidentemente, abraçando Lula e sua conciliação a passos largos, que, ao contrário de combater a extrema direita como força social radicalizada no Brasil e uma crise que lança milhões à fome, subordina-se mais e mais à conciliação com a direita que pavimentou o caminho de Bolsonaro ao poder. Com isso, não prepara uma força social independente capaz de enfrentar a extrema direita e a direita na luta de classes. E a Resistência-PSOL, com quem debatemos neste artigo, se reduz ao papel de linha auxiliar da traição de Lula, com um discurso de contenção, buscando nas citações de Trótski e Lenin alguma frase que “encaixe” (e distorcendo elas) nessa política desesperada, que, no fundo, mostra uma crise existencial desta corrente. Os militantes e quadros dessa organização deveriam refletir profundamente sobre esse rumo de diluição dessa corrente no lulismo.

 
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