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Encontro Nacional da Faísca
Eleições da FIT-U na Argentina: reflexões para a refundação de uma juventude trotskista no Brasil
Rosa Linh
Estudante de Relações Internacionais na UnB

Como parte dos debates rumo ao Encontro Nacional da Faísca, escrevo esse texto a partir da histórica eleição do trotskismo na Argentina. À luz desse processo, se mostra urgente e necessária uma juventude trotskista, pró-operária, internacionalista e subversiva diante do bolsonarismo, do regime podre do golpe institucional de 2016 e que seja independente do PT e de Lula que querem conciliar com os golpistas para administrar o capital em 2022.

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As eleições na Argentina desse mês foram um importante termômetro para o Brasil, em especial para os estudantes, a juventude trabalhadora e a classe operária. Por um lado, um descontentamento genuíno com o governo peronista conciliador e ajustador, por outro um relativo crescimento da direita macrista e da extrema-direita. Mas algo sem precedentes ocorreu no meio disso tudo.

A raiva com o governo e o sentimento anti-sistema não foi apenas à direita, mas também foi capitalizada pela esquerda revolucionária. Esse é o panorama do resultado de nada mais e nada menos que 6% dos votos nacionais da Frente de Esquerda e dos Trabalhadores Unidade (FIT-U), frente político-eleitoral composta pelo PTS (partido irmão do MRT), IS, PO e MST. O trotskismo é hoje a terceira força política nacional na Argentina.

Com quase 1,3 milhão de votos em todo o país, entram no Congresso Nacional argentino Alejandro Vilca - indígena, gari e morador do norte pobre e profundo da Argentina; o ex- trabalhador do telemarketing e ex-militante do movimento estudantil, Nico del Caño; a feminista socialista, advogada de direitos humanos, Myriam Bregman - todos do PTS - e também a professora Romina del Plá do PO.

Isso teria sido impossível sem uma profunda inserção nos setores estratégicos da classe operária, em especial do PTS, o partido mais destacado dentro da Frente, fruto de décadas de inúmeras greves, ocupações de fábricas e vários processos de luta na qual a esquerda esteve intimamente conectada. Mais que isso: a profunda conexão conquistada na luta com o movimento estudantil, a juventude trabalhadora precarizada e dos bairros populares, o movimento feminista e ambientalista com uma perspectiva operária e socialista deu impulso sem igual a essa conquista.

A imagem acima mostra os resultados importantíssimos conquistados no conurbano de Buenos Aires, o bastião do peronismo e da classe operária argentina, com especial crescimento da esquerda em setores mais pobres e periféricos.

Conquista que é, contudo, apenas parcial. Pois o verdadeiro desfecho dos acontecimentos ocorrerá na luta de classes, não no parlamento - onde a juventude precarizada, o movimento estudantil e todos os oprimidos estarão em peso na linha de frente, como sempre foi na história.

Independência de classe e programa: um futuro para a juventude

Isso tudo foi conquistado com base na independência política de todos os setores burgueses - sejam de direita ou reformistas - e com um programa radical. Dentre as medidas defendidas em cada bairro, escola, hospital, fábrica e universidade, algumas têm relevância imprescindível para a juventude.

Por exemplo, a repartição das horas e postos de trabalho entre empregados e desempregados, para que trabalhem todos 6 horas diárias e sem precarização, com reajuste salarial de acordo com a inflação. Isso daria a milhões de jovens trabalhadores o direito de trabalho digno, não de pedalar 14 horas em uma bike, enquanto seus salários são mais e mais corroídos pela inflação.

A FIT-U também defende a estatização de todas as universidades privadas sob controle dos trabalhadores, professores e estudantes, de forma a colocar a ciência e tecnologia à serviço da classe trabalhadora, bem como a descriminalização total da maconha e a liberdade para todos os presos por cultivar, algo que se chocaria frontalmente com o racismo policial que encarcera a juventude periférica, negra e indígena. Em diálogo com a juventude que luta por um futuro no movimento ambiental, defende a proibição do fracking e da mega-mineração, a estatização sob controle operário de setores estratégicos da indústria como as petrolíferas, visando uma transição energética, e a proposta de Lei das zonas úmidas - que proíbe a especulação imobiliária de atuar nas zonas pantanosas - são fundamentais para combater as mudanças climáticas e a destruição ambiental.

É também na defesa intransigente da Maré Verde feminista e a luta pela legalização total do aborto de forma segura e gratuita, ou mesmo ainda o não pagamento da dívida pública fraudulenta, pela qual o imperialismo rouba o futuro da juventude - nessas medidas, todas atualíssimas para o Brasil, é que a FIT-U se coloca na linha de frente por batalhar no parlamento, mas sobretudo na luta de classes.

É a isso que estão à serviço as bancadas de deputados federais conquistados. E mais: todos os partidos, apesar das diferenças, estão juntos por defender essas medidas e a luta por um governo de trabalhadores em ruptura com o capitalismo.

A FIT-U se propõe a disputar nas trincheiras da burguesia um palanque para a luta do proletariado revolucionário em aliança com a juventude e todos os oprimidos para enterrar o capitalismo de uma vez por todas, avançando em comum com outros partidos para conformar, a partir das experiências da luta de classes, de rupturas e fusões na esquerda, um verdadeiro partido revolucionário da classe trabalhadora. E isso tudo, se mostra mais que urgente no Brasil atual, e vou explicar porque.

Brasil pré-2022 e os desafios da esquerda revolucionária no movimento estudantil

O peronismo, direção histórica do proletariado argentino, se encontra em uma encruzilhada. O descontentamento genuíno de massas operárias e populares com o governo é profundo. Alberto Fernandes prometeu inverter as prioridades que tinha o neoliberal Macri em favor do povo pobre, mas na verdade o que fez foi reprimir ocupações de sem terra como em Guernica, acabou com o auxílio emergencial durante a pandemia, administrou os ataques e a precarização do trabalho em um capitalismo decadente deixado pelo macrismo, batendo níveis recordes de desemprego, fome e miséria. Ao mesmo tempo, o crescimento relativo da direita macrista, mesmo com o peronismo perdendo o controle do Congresso, algo que não ocorria desde os anos 90, não empolgaram e, inclusive, tiveram um recuo diante das prévias eleitorais.

Nisso, a extrema-direita que adora Bolsonaro mas se diz a favor da liberdade e contra o sistema também se fortaleceu. A conclusão que podemos tirar, se considerarmos o crescimento surpreendente do trotskismo, é que a Argentina passa por uma crise orgânica. Como dizia Gramsci, esse fenômeno é gerado

“seja porque a classe dirigente fracassou em alguma grande empresa política para a qual tenha solicitado ou imposto pela força o consenso das grandes massas (como a guerra), ou porque vastas massas (especialmente o campesinato e os intelectuais pequeno burgueses) tenham passado bruscamente da passividade política a uma certa atividade, e levantam reivindicações que em seu conjunto não orgânico constituem uma revolução. Fala-se de ‘crise de autoridade’, e isso é precisamente a crise de hegemonia, ou crise do Estado em seu conjunto”

Qualquer semelhança com a realidade brasileira não é mera coincidência. A falência do empreendimento peronista, que em um espaço relativamente curto de tempo será obrigado a passar os ataques e pagar a dívida pública ilegítima, reflete a dinâmica decadente da época imperialista do capitalismo.

O Brasil é um de seus polos mais reacionários. Com inúmeras chacinas, desemprego, fila do osso e do lixo, muitos jovens e estudantes perderam o sentido na vida. O ensino remoto nas universidades massacrou milhares de universitários, a evasão aumentou como nunca, a precarização da assistência foi generalizada. Isso se fez sentir com muito mais força nos estudantes negros, LGBTQIA+, periféricos e trabalhadores. Quantos não trancaram o semestre ou o curso para pedalar por 14 horas em uma bike ou ser superexplorados no telemarketing?

Bolsonaro, Mourão e o conjunto desse regime, fruto do golpe institucional de 2016, aplicado para impor ainda mais ataque anti-operários e à juventude dos que o PT já havia feito, são os culpados por tudo isso. Diante de um ENEM com números de inscritos baixíssimos, ataques à educação pública e o negacionismo científico de Bolsonaro e dos militares, vemos o STF, os governadores e o Congresso tentando pagar de oposição enquanto passam a LOA que sucateia as federais, passam as reformas e as privatizações que destroem a natureza e condenam o futuro dos estudantes e da juventude trabalhadora.

Nesse cenário aparece Lula e o PT, direção histórica da classe trabalhadora brasileira. Será nessa terra arrasada que Lula se propõe a governar o capitalismo (possivelmente, até mesmo com Alckmin de vice!) com o conjunto dos golpistas que o prenderam injustamente e deram passagem para Bolsonaro, fora os acenos ao imperialismo europeu. Esse é o complemento da política de passividade e paz com Bolsonaro e o regime imposta pela burocracia sindical da CUT e também da CTB, dirigida pelos stalinistas do PCdoB. O mesmo se sente no movimento estudantil, com a UJS junto da majoritária (PT e Levante), fazendo um Congresso da UNE muitíssimo burocrático, somando-se à passividade com as Reitorias que descarregam os ataques do governo, se adaptando ao ensino remoto e tentando a todo custo enterrar a subversividade estudantil e seu potencial organizativo.

Acontece, que todas essas mazelas sociais que atingem os trabalhadores e mais oprimidos são estruturais e não vão passar sem mudanças radicais. Por isso, se eleito em 2022, Lula se verá obrigado, tal como Alberto, e à semelhança do que fez estourar junho de 2013 e os ataques de Dilma - ele terá de passar ataques. E as burocracias sindicais e estudantis serão parte desse governo. Essa é uma possibilidade que não podemos descartar, ainda que até as eleições de 2022 muito pode acontecer.

Por isso, um dos principais desafios da esquerda revolucionária no movimento estudantil brasileiro hoje é pensar como atuar em cada estrutura universitária com uma política independente de todas as variantes burguesas - sejam elas da extrema-direita bolsonarista, ou dos burgueses democratas do STF e do Congresso que estão juntos de Bolsonaro e Mourão para passar os ataques. Mas mais do que isso, é preciso uma política radical, anti-burocrática e independente do PT!

A FIT-U argetina demonstra como não é pelo caminho de se subordinar ao PT, de não se enfrentar com as burocracias sindicais e estudantis, que faremos avançar as ideias socialistas. Se manter firme a uma estratégia revolucionária vale a pena e abrir mão dela nao significa maior inserção na classe trabalhadora, pois não prepara uma alternativa à esquerda. O PT, hora ou outra, tenderá a frustrar as expectativas das massas - e isso tudo, com uma extrema-direita atuante que não desaparecerá depois das eleições. Vale muito mais a pena fincar as bandeiras da independência de classe do que rifar as ideias revolucionárias pelo medo do isolamento; acontece que justamente a defesa da independência de classe é chave para confluir com a juventude precária que quer se radicalizar. Só isso pode preparar melhor a esquerda para que essas ideias sejam de massas. É fundamental que a esquerda se apoie nesse exemplo da FIT - inclusive, batalhando para construir algo semelhante no Brasil!

De modo geral, os que estão à esquerda do PT estão em minoria e divididos. No entanto, ao contrário do caminho da FIT-U, que já começa a mostrar os resultados, organizações que se reivindicam trotskistas como o Afronte/PSOL preferem implorar para Lula “ir à esquerda”, liquidando com a confiança nas próprias forças dos trabalhadores. Ou mesmo outras correntes como o Juntos/PSOL, uma das mais entusiastas do impeachment de Bolsonaro que colocaria o reacionário Mourão na presidência, dando de bandeja para o STF e o Congresso colocarem alguém de seu gosto para apaziguar nosso capitalismo decrépito. Por outro lado, o stalinismo ganha fôlego diante de correntes que se reivindicam trotskistas que rifam bem barato os princípios comunistas. A UJC/PCB, com seu ecletismo teórico e programático, e a Correnteza//UP, com seu populismo assistencialista e a reivindicação mais estéril do pior que foi o contrarrevolucionário stalinismo - ambos a seu modo, repetem o que sempre fizeram: conciliam com a burguesia. Não à toa, ambos foram entusiastas de Alberto Fernandes e o PC stalinista argentino, o qual reivindicam, e que está à reboque do peronismo dentro da Frente de Todos.

Nesse caminho, a esquerda repetirá sua falta de protagonismo em junho de 2013 até às distintas adaptações ao golpe institucional - algo que fez com que a Rebeldia/PSTU sumisse do mapa em diversos estados por apoiar o impeachment de Dilma, ou com o MES apoiando uma “Lava Jato até o final” e dando passagem para um verborragia dita radical dos stalinistas, mas completamente inerte frente à burocracia.

É fundamental a unidade da esquerda socialista. O MRT vem buscando iniciativas desse tipo, sem desconsiderar as diferenças, compondo o Polo Socialista e Revolucionário com o PSTU, em discussões também como o Encontro Nacional da Classe Trabalhadora do PCB, e permanentemente em todas as estruturas operárias e estudantis em que estamos. Afinal, a unidade na luta e pelos princípios corretos nos deixam mais próximos de construir um verdadeiro partido revolucionário da classe operária no Brasil - não a adaptação ao PT e sua burocracia.

Apenas um movimento estudantil que retome as entidades estudantis para organizar os estudantes que para que eles e elas sejam sujeitos dessa luta, e que se paute pela independência de classe, uma aliança operário-estudantil implacável e que defenda um programa socialista para a universidade, para revolucionar os mais profundos âmbitos da vida e derrubar o capitalismo - só com essa alternativa é que poderemos fazer frente à história e aos processos de luta de classes que se avizinham.

Defender as bandeiras da manutenção e expansão das cotas, mas também do fim do vestibular racista e excludente pela estatização de todas as universidades privadas; a efetivação dos terceirizados sem necessidade de concurso público; assembleias estatuintes livres e soberanas para varrer o entulho da ditadura de nossos estatutos e regimentos gerais, pavimentando o caminho para a luta pelo fim das Reitorias e sua substituição por um governo tripartite (estudantes, professores e demais trabalhadores), auto-organizados. Isso sim, numa profunda aliança com o movimento operário e a comunidade acadêmica, é que poderia colocar toda a ciência, pesquisa e extensão à serviço da classe trabalhadora e não dos capitalistas.

O que está em jogo, é a possibilidade do movimento estudantil atuar como um fator determinante na recomposição do movimento operário brasileiro, pela chave da auto-organização. A FIT-U é exemplo de que o programa e estratégia para isso são o trotskismo, a independência de classe e o programa radical anticapitalista.


Esses são alguns apontamentos iniciais para esse debate, que continuará até o Encontro Nacional da Juventude Faísca no Rio de Janeiro, nos dias 10, 11 e 12 de dezembro, rumo à refundação de uma juventude subversiva e trotskista, capaz de extrair as lições estratégicas internacionais e usar o marxismo revolucionário como guia para ação.

 
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