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Consciência Negra
Haiti, França e EUA: a luta negra no 20N também é internacional
Miguel Gonçalves

O crescimento da luta negra nos últimos anos deu uma série de impulsos na luta de classes a nível internacional. Haiti, França e Estados Unidos são três países que mostram que a luta negra negra é internacional e que devemos nos inspirar nela pra enfrentar Bolsonaro e Mourão

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Mais um 20 de Novembro se aproxima, o terceiro sob o governo racista de Bolsonaro e Mourão. No Brasil, seguem aumentando os casos de violência do Estado contra a população negra enquanto Mourão, o vice que assumiria caso parte da esquerda reformista tivesse tido êxito na política equivocada do Impeachment, permanece negando a existência do racismo. No entanto, a luta negra já mostrou todo o seu potencial revolucionário no Brasil: Zumbi dos Palmares e Tereza de Benguela são apenas dois exemplos. Um dirigiu milhares de negros fugitivos numa luta irreconciliável contra o Império português e as elites locais, formando aquele que ficou conhecida como o maior quilombo das América; Tereza também foi uma lutadora que também lutou até seus últimos dias de vida contra a escravização liderando o quilombo do Quariterêre.

Confira o Edital do MRT: Contra Bolsonaro, Mourão, a fome, a precarização e as chacinas, faremos Palmares de novo.

A nível internacional, a luta de classes ofereceu nos últimos anos uma série de lições para a luta negra: a necessidade de Independência de classe para que as demandas não sejam cooptadas por setores burgueses, a necessidade da aliança entre o movimento negro e a classe trabalhadora que tudo produz e a necessidade de um Partido Revolucionário que dirija todo o potencial disruptivo apresentado em cada luta parcial, com objetivo de impulsionar a auto-organização das massas contra a burguesia racista de cada país.

Veja: 20N: Basta de chacinas, fila do osso e precarização. Que os capitalistas paguem pela crise

O revolucionário Leon Trótski ao analisar a situação internacional da luta do proletariado nos anos 30, afirmou que “os negros conscientes estão convocados pelo desenvolvimento histórico a se tornarem a vanguarda da classe trabalhadora”. Sua afirmação é profundamente atual ao olharmos 1 ano para trás, e vermos o impacto que o movimento Black Lives Matter (BLM) causou na subjetividade do conjunto da classe trabalhadora. Esse impacto foi sentido principalmente nos Estados Unidos, onde o último mês de Outubro foi marcado pelo maior número de processos de luta e greves no movimento operário desde 1980.

Haiti, França e Estados Unidos são três países que demonstram como o nível de subjetividade da população negra é decisivo para o avanço das ideias revolucionárias, seja no Haiti em 1791 ou nos Estados Unidos em 2020.

Os Jacobinos Negros e o Haiti

Uma série de protestos contra as autoridades tomaram a cena no Haiti no último ano. A insatisfação com a intervenção imperialista dos Estados Unidos e de outros países é fruto da tradição de luta e do sentimento antiimperialista deste país, onde os negros e negras em 1791 quebraram seus grilhões e fizeram uma revolução que aboliu a escravidão. O Imperialismo historicamente sempre se interessou pelo Haiti: inicialmente pelo status de Colônia com uma produtividade exorbitante, e após a Revolução, pelo medo de que as ideias revolucionárias dos negros haitianos ganhassem coro ao redor do mundo.

Essa preocupação levou os países imperialistas a desenvolverem mecanismos que impedissem o desenvolvimento da Ilha onde os ex-escravizados derrotaram o exército de Napoleão. Em primeiro lugar o não-reconhecimento da Independência e o embargo econômico que se estenderam por anos após a Revolução. Em segundo lugar a intervenção direta do Imperialismo na política local.

Pode te interessar: O imperialismo e o Haiti, 230 anos após a Revolução

O próprio governo Lula é responsável nos últimos anos por intervir diretamente no Haiti. As Forças Armadas brasileiras participaram da Minustah, a Missão das Nações unidas para a estabilização no Haiti, junto com países como França e Chile. As Forças Armadas brasileiras não só participaram, como coordenaram a ocupação que deixou como legado a repressão aos trabalhadores haitianos nas lutas operárias. Além disso, os 15 anos de ocupação militar foram marcados por estupros, violência sexual, desrespeito aos direitos civis, desvio de alimentos, assassinatos, proibição a manifestações.

Veja mais: Os Jacobinos Negros e a luta pela liberdade, há 230 anos da Revolução do Haiti

Nas escolas muito se ensina sobre as derrotas militares de Napoleão na Rússia ou em Waterloo, no entanto, quase nada sobre o fato de sua primeira grande derrota militar ter se dado no Haiti. As tropas haitianas tinham tamanha organização ao ponto de um oficial francês ter escrito “Mas que homens são esses negros! Como lutam [...] !”.

Desde o fim do século XIX até a atualidade, as potências imperialistas justificam sua intervenção no Haiti através da pobreza extrema e desorganização política e econômica supostamente advindas desde o tempo da Revolução. Na realidade, esses fatores são consequência da própria Intervenção imperialista, que no passado se apropriou das riquezas através da exploração como colônia e que hoje em dia usa mecanismos como a dívida pública para drenar as riquezas locais. Mas, os haitianos até os dias de hoje demonstraram o seu potencial organizativo: o povo que derrotou as tropas de Napoleão é plenamente capaz de se administrar. Mas não só isso, além de mostrarem na prática de que isso não passa de uma retórica racista do imperialismo para se apropriar dos recursos naturais e oprimir ainda mais os trabalhadores haitianos, toda vez que esse povo se levanta contra o governo mostram também que podem ser a vanguarda da luta contra o racismo, a burguesia local e o imperialismo, assim como fizeram seus antepassados.

A vanguarda operária e dos setores oprimidos na França

Na França, a questão racial e a opressão aos setores oprimidos vêm ganhando uma série de desdobramentos políticos, tanto eleitoralmente quanto na luta de classes, o terreno dos revolucionários. O aumento da violência policial, do racismo e da xenofobia vem fazendo com que cresçam os setores da sociedade francesa descontentes com as opressões que são intrínsecas ao capitalismo. Durante o BLM, um dos países que mais se destacou pela adesão da população local aos protestos foi a França. Afinal, assim como nos Estados Unidos, a população negra na França conhece a violência policial: o caso de Adama Traoré, um jovem negro assassinado pela polícia francesa em 2016 ganhou destaque no mundo todo e é extremamente parecido com o de George Floyd. Um comitê foi formado por sua irmã, Assa Traoré, com o intuito de responsabilizar os culpados e descobrir os detalhes encobertos pela “justiça” francesa.

Confira também: A aposta correta pela independência de classe na França

As ideias racistas e xenófabas encontram coro em Marine Le Pen e Zemmour, os candidatos de extrema-direita nas eleições francesas que culpam os negros e os imigrantes por supostamente roubarem os trabalhos dos franceses e tentarem mudar a cultura local. Apesar das ideias “à la Trump”, o rechaço ao racismo e ao capitalismo vêm ganhando força em setores da juventude e da classe trabalhadora.

No entanto, não são só as ideias da extrema-direita que estarão nas eleições. Anasse Kazib, ferroviário de origem marroquina, é pré-candidato à presidência pela Révolution Permanente, o partido irmão do MRT na França. Anasse conta com o apoio do comitê organizado por Assa Traoré, justamente por fazer parte de um setor da esquerda que luta por justiça para Adama Traoré e pelo fim da polícia. As tribunas eleitorais podem ser um terreno de disputa, onde as ideias revolucionárias ganhem alcance. A classe trabalhadora francesa é profundamente influenciada pelos setores oprimidos: negros, imigrantes, mulheres, LGBTQIA+, que assim como Trotski disse em 1930, estão convocados a serem a vanguarda da Revolução porque além de serem explorados diariamente nos piores trabalhaos oferecidos pelo capitalismo, ainda carregam o fardo das opressões que sofrem, levando consigo um potencial disrruptivo.

Leia mais: Anasse Kazib, o pesadelo da extrema direita na França

Black Lives Matter, Estados Unidos e Movimento Operário

As manifestações do Black Lives Matter marcaram o ano de 2020. George Floyd foi brutalmente assassinado pela polícia dos Estados Unidos, o que levou a que negros com apoio de brancos, latinos, asiáticos e pessoas de todas as origens étnicas se levantassem e marchassem juntos por justiça para George Floyd. A subjetividade consegue avançar em semanas o que não avançou em anos, foi esse tipo de mudança que se desenrolou no coração do Imperialismo mundial: a necessidade da solidariedade entre os povos, da luta por justiça pelas vítimas do Estado, da luta contra o racismo, da luta pelo fim da polícia foram algumas das conclusões que uma parcela significativa da população dos Estados Unidos tirou.

Esse avanço subjetivo da população negra fez com que a classe trabalhadora dos Estados Unidos se colocasse em movimento novamente, o que levou ao maior aumento em processos de luta desde a década de 80, ilustrados pelo striketober, uma referência ao último mês de Outubro que foi marcado por uma série de greves nos mais diversos setores.

Saiba mais: Estados Unidos: Diante da realidade da classe trabalhadora, qual é o caminho para triunfar

Inicialmente durante a maré do BLM, diversos setores da classe trabalhadora se ligaram aos protestos através de greves, paralisações e demonstrações de apoio à luta por justiça por George Floyd. Em Nova York e Minneapolis, motoristas de ônibus se recusaram a transportar os manifestantes presos pela polícia. Milhares de trabalhadores participaram da greve nacional pelas vidas negras, outros milhares fizeram paralisações por 8 minutos e 46 segundos, o tempo em que George Floyd ficou sufocado. Além da classe trabalhadora ter sido posta em movimento para apoiar a luta negra, a reativação do movimento operário foi além com greves, lutas por direitos e tentativas de sindicalizações.

Leia também: “Há uma fenômeno de militância sindical que nos EUA, numa onda de greves que não se via desde 1980”

Dois exemplos demonstram a reativação da classe trabalhadora: em primeiro lugar a tentativa de sindicalização na Amazon de Bessemer no Alabama. Em uma empresa sem nenhum sindicato nos Estados Unidos e em um estado profundamente racista e anti-sindical, os trabalhadores de um depósito (onde 85% eram negros) se alçaram na luta por representação sindical. Apesar de não ter tido êxito, este foi um processo de luta que deu muita moral à classe trabalhadora.

Confira: Trotski e a onda de greves nos EUA

Em segundo lugar, o Striketober, o último mês de Outubro, que foi marcado pelo maior número de greves desde a década de 80. Trabalhadores dos mais diversos setores: de mineiros a trabalhadores da Indústria de Hollywood entraram em greve ao mesmo tempo. Foram dezenas de milhares de trabalhadores que entraram em greve ao mesmo tempo, além das centenas de milhares que deixaram seus empregos, uma demonstração clara de insatisfação com a precarização do trabalho. Mas grande parte dessas lutas ainda são defensivas, ou seja, contra ataques impostos pela patronal. Daí a importância de um partido revolucionário que busque unificar cada luta parcial, transformando numa luta potente o suficiente para que se passe a ofensiva, como batalham os camaradas do Left Voice, a organização irmã do MRT nos Estados Unidos.

Neste sentido, a luta negra abriu uma crise no establishment estadunidense que é bipartidária: nem o Partido Democrata, nem o Partido Republicano conseguem dar uma resposta a questão racial que é essencial nos Estados Unidos. A própria derrota do Partido Republicano, e particularmente de Trump, não pode ser analisada por fora do fenômeno que foi o Black Lives Matter. No entanto, o Partido Democrata que tentou cooptar o movimento já provou não ser alternativa, mantendo as mesmas práticas de assassinatos de jovens negros pelas mãos da polícia e repressão aos manifestantes.

Com essa conjuntura podemos ver como o BLM ao questionar o sistema bipartidário dos Estados Unidos e expressar o ódio a esse sistema e ao racismo, permitiu que a retomada da luta do movimento operário a níveis não vistos desde a década de 80. Tentativas de sindicalização e uma série de greves e paralisações foram vistas em massa nos últimos meses como fruto da mudança subjetiva resultante do BLM.

Lições da Luta Internacional ao Brasil

O 20N chega em meio a uma conjuntura desastrosa no Brasil com o Governo racista de Bolsonaro-Mourão, o aumento da miséria e da precariedade, a fila dos ossos e do lixo, os ataques e os ajustes que vem afetando a classe trabalhadora e, principalmente, o povo negro e pobre. Porém, os trabalhadores, a juventude, os negros e negras que fazem parte dos setores oprimidos da sociedade, podem enxergar nos exemplos internacionais uma série de lições sobre as quais podem se inspirar. Num país como o Brasil, onde os negros são os que mais sentem o peso de um governo reacionário de extrema-direita, as experiências no Haiti, na França e nos Estados Unidos provam como a luta da classe trabalhadora está ligada à luta contra a opressão, o racismo e governos Imperialistas e subservientes ao Imperialismo, enxergando a todo momento como esses três aspectos: a luta negra, o combate às opressões e a luta da classe trabalhadora estão profundamente conectados. E mais que isso, como a vanguarda da luta negra põe em movimento a classe trabalhadora. Por isso a importância de um Partido Revolucionário Internacionalista que acompanhe e tire lições das lutas recentes do movimento operário, principalmente no que diz respeito ao combate às opressões e ao racismo.

 
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